Francis X. Maier |
Dezenas de filmes têm sido feitos sobre a tragédia do Holocausto
ao longo dos últimos 70 anos. Mas poucos examinaram o programa que antecedeu a
Solução Final e permitiu aperfeiçoar as suas técnicas. Entre 1939 e 2945, a campanha
Aktion T4, do Terceiro Reich, assassinou 300 mil pessoas com deficiências
físicas e mentais através da eutanásia involuntária. Através da propaganda
oficial do Estado, as matanças eram vendidas como um acto de compaixão pelas
vítimas, de necessidade económica para a nação e geneticamente benéfico para o
povo alemão.
“Perdoai as Nossas Ofensas” conta uma história muito
diferente: a história de uma mãe que sacrifica a sua vida para ajudar o seu
filho deficiente a fugir a uma campanha de desumanidade clinicamente
organizada.
Como é que a nação supostamente mais avançada da Europa, do
ponto de vista cultural, embarcou numa tarefa destas? É tentador explicar o
programa Aktion T4 como sendo o fruto da ideologia Nazi. Mas isso seria incompleto.
Grande parte do corpo médico alemão tinha “seguido a ciência” e aceitado como
benéfica a esterilização forçada e a eutanásia voluntária, e não só, antes de
Adolf Hitler chegar ao poder. Foram médicos e cientistas, e não os capangas do
Partido Nazi, que abraçaram a ideia em primeiro lugar. O Reich simplesmente tirou
proveito do seu apoio implícito e, por vezes, entusiástico. Pessoal médico
falsificou milhares de certidões de óbito para disfarçar os homicídios da Aktion
T4. E muitos desses mesmos médicos escaparam à justiça depois da guerra.
De início as matanças envolveram injecções letais
individuais. Mas isso demonstrou ser uma solução morosa e muito desproporcional
à dimensão do “problema” da deficiência. O programa evoluiu até chegar a um veículo
selado que podia matar dezenas de deficientes e indesejados ao mesmo tempo,
através do bombeamento de monóxido de carbono. Em locais como o asilo psiquiátrico
de Hadamar, as vítimas – frequentemente descritas como “cascas humanas” – eram gaseadas
em massa numa cava disfarçada de balneário.
Na sua história brilhante, emocionante e profundamente
perturbadora da Aktion T4, “Death and
Deliverance”, o historiador britânico Michael Burleigh escreve que os
deficientes eram despidos, pesados e examinados por um médico que escolhia uma “causa
de morte” fictícia de uma lista de 61 factores. Depois
os doentes desciam uma dezena de degraus, em grupos de
60 de cada vez, e eram fechados na câmara de gás. Um médico posicionado na
parte de fora ligava a válvula e o gás entrava por um cano. Longe de ser uma “morte
tranquila” as vítimas experimentavam terror extremo, bem como todos os sintomas
de envenenamento por dióxido de carbono. Depois de uma hora, restava o
silêncio.
Entrava então uma equipa de “desinfectadores” para
desembaraçar os cadáveres. “Aqueles que tinham sido marcados de antemão como
sendo de especial interesse científico”, nota Burleigh, “eram separados e levados
para uma sala de autópsia ali perto. Os seus cérebros eram depois enviados para
clínicas universitárias em Frankfurt e Würzburg”. Depois de se retirarem os
dentes de ouro dos mortos, os seus corpos eram incinerados num crematório. As
cinzas eram espalhadas e os ossos esmagados numa prensa.
O Holocausto veio apenas aplicar este procedimento numa
escala muito maior, com três inovações: balneários maiores, fornos maiores e
gás Zyklon B.
A propaganda do Reich teve muito cuidado em suavizar a
percepção pública da campanha, apresentando o programa de eutanásia da melhor forma
possível. Isto incluía a produção de melodramas de qualidade como o “Eu Acuso”,
um filme de resto desprovido dos toques nazis normais.
A história de “Eu Acuso” envolve um casal atraente e
fiel. A mulher, que sofre de uma doença terminal, suplica ao seu marido para
pôr fim ao seu sofrimento. Movido por amor e pelos seus apelos insistentes, ele
mata-a e é imediatamente levado a tribunal como homicida. Mas sem qualquer
arrependimento, o marido deslumbra o tribunal com palavras que vos poderão soar
familiares.
Aqui estou eu, o acusado, e agora sou eu que acuso.
Acuso os defensores de crenças passadas e leis antiquadas. Isto não diz respeito
só a mim, mas a centenas de milhares de outros que sofrem sem esperança, cujas
vidas prolongamos de forma antinatural, e cujo sofrimento aumentamos na mesma
medida… E é sobre os milhões de pessoas saudáveis, que não podem ser protegidas
contra doença, porque todos os recursos necessários estão a ser usados para
manter vivos seres cuja morte seria para eles um alívio e para o resto da
humanidade a libertação de um jugo… E agora, senhores juízes e jurados, façam
favor de ler a vossa sentença!
Muitos clérigos católicos e luteranos resistiram ao
programa de eutanásia como puderam. O mais vocal de entre eles foi o Beato
Clemens August Graf von Galen, bispo de Münster. Mas muitos outros
mantiveram-se em silêncio. Tipicamente as instituições de deficientes, que
frequentemente eram de natureza religiosa, cediam à pressão do regime e entregavam
os seus residentes para “tratamento”.
E de que serve recordar tudo isto? Aqui e hoje tal coisa
não seria possível. Suicídio medicamente assistido? Milhões de abortos? Venda
de restos mortais de fetos? Experiências com tecido fetal? Funcionários públicos
católicos que ignoram ou permitem tais coisas? Aqui não seria possível!
Ou então, talvez tenhamos as nossas próprias ofensas que
precisam de ser perdoadas.
Para mais informação sobre este assunto aconselho a
ver o premiado (e angustiante) documentário Selling Muder: The Killing Films of
the Third Reich, também escrito por Michael Burleigh e disponível no YouTube.
Francis X. Maier é conselheiro e assistente especial do
arcebispo Charles Chaput há 23 anos. Antes serviu como Chefe de Redação do
National Catholic Register, entre 1978-93 e secretário para as comunidades da
Arquidiocese de Denver entre 1993-96.
Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no Sábado, 5 de Março de 2022)
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