Wednesday 24 June 2015

Bruce Jenner, Casamento e Verdadeira Caridade

Hilary Towers
É muito tentador para os católicos sentir que não temos nada a ver com a história que envolve Bruce Jenner [ex-atleta olímpico americano que recentemente foi sujeito a uma operação de mudança de sexo]. Que um homem abandone voluntariamente a sua vocação de marido e pai de uma forma tão dramática, permanente e física, parece quase inconcebível. Gostaríamos que o Bruce conhecesse o sentido e a Fonte da sua existência. Gostaríamos que ele compreendesse, como nós compreendemos, que a felicidade autêntica não vem de alimentar a besta narcisista que habita em cada um de nós, mas da busca pela virtude; de carregar as nossas cruzes físicas e emocionais para o bem dos outros, sobretudo das nossas famílias.

Mas talvez o caso do Bruce Jenner não tenha só a ver com género, mas represente um falhanço multifacetado de compromisso e coragem: o seu compromisso para com a mulher e filhos (e deles para com ele), o compromisso da sua família alargada e dos amigos para com a sua verdadeira felicidade e bem-estar, o compromisso da nossa cultura no encorajamento e no apoio à sua vocação e a coragem de todas as partes para dar seguimento a esses compromissos.

Nestes meses entre os sínodos faríamos bem em examinar as nossas consciências: Como é que mostramos verdadeira compaixão para com aqueles que revelam dificuldades em cumprir as promessas que fizeram? O nosso entendimento católico do sentido da vida, da caridade e da felicidade é um dom, mas tem sentido apenas na medida em que é acompanhado de acção. Quando nós, que somos abençoados com o conhecimento da verdade plena, deixamos de aplicar os nossos conhecimentos teológicos aos desafios práticos de viver uma vida virtuosa, seguem-se a confusão moral e o sofrimento.

Este desnexo entre os ensinamentos morais da Igreja e a vida do dia-a-dia é sobretudo claro em relação ao casamento. De facto, desde o sínodo de 2014 que tem havido uma discussão sobre a natureza da caridade e a sua relação com uma visão autêntica da felicidade, em particular no contexto da sexualidade e dos votos matrimoniais.

A discussão parece centrar-se em dois dos principais atributos da vida de casado: Permanência e fidelidade. É impressionante como foi curta a estrada entre a aceitação social do divórcio unilateral (tanto por católicos como por não-católicos) à normalização de tantos desvios daquilo que São João Paulo descreveu como a “norma personalística”. As pessoas não devem ser um meio para alcançar um fim, são criadas para serem amadas.

As consequências desta inconsistência em relação ao casamento para as famílias católicas são claras. Há um exemplo actual perto de mim, uma tragédia que abala minha comunidade suburbana e, em grande medida, católica. Gostava de poder dizer que é uma situação fora do comum, mas a verdade é que, por causa do meu trabalho – que envolve escrever e falar sobre o compromisso das comunidades e dos esposos para com o casamento – conheço várias situações com traços comuns a esta.

Neste caso um marido católico, altamente respeitado, casado há 24 anos e pai de cinco crianças, abandonou a sua mulher por outra, mãe de dois filhos, que por sua vez abandonou o seu marido. O que este homem deixou para trás foi uma família dilacerada pela confusão, o desespero, a descrença, revolta e medo. Alguns dos filhos mais novos agarraram-se à mãe. Outros, mais velhos, abandonaram a fé e com isso mostram as repercussões do exemplo do seu pai nessa fase das suas vidas.

Como se a traição e o divórcio unilateral não fossem suficientes (podia-se escrever um livro sobre a vertente legal deste pesadelo: A justiça para as famílias nos “tribunais de família” é um mito), este homem engravidou a sua nova parceira e agora vive numa casa com ela e com o filho a pouca distância do lar que construiu com a sua mulher, com quem na verdade ainda é casado.

Bruce Jenner, antes e depois
Ele e a parceira abriram um novo negócio na cidade. Com o apoio de muitos membros, embora não todos, da comunidade católica (incluindo a escola católica local), prevê-se que venham a ter muito sucesso.

Mas sucesso para quem – e a que custo? Quais são os amigos e familiares deste homem que demonstraram a verdadeira caridade de um confronto compassivo – não só uma vez, mas várias, sem cedências? Que homem de integridade e força se comprometeu totalmente com este marido e pai católico durante esta transformação (não tão diferente da de Jenner), fornecendo-lhe o apoio e a pressão positiva necessárias para restaurar o seu casamento e a sua família?

De igual modo, haverá alguma amiga de verdade que continue a desafiar a parceira para regressar aos ensinamentos sobre o casamento da fé que diz professar? Na sua situação actual isso implicaria, como primeiro passo, viver em castidade e procurar o perdão pelo mal que já causou.

A verdadeira compaixão, no sentido de evitar, ou tentar inverter, o comportamento destrutivo nunca é fácil, mas se exercida com paciência e fortaleza pode causar um impacto profundo e positivo na vida daqueles que amamos. A nossa decisão de intervir ou de desviar o olhar baseia-se, no fundo, na nossa definição de amor autêntico. A caridade consiste em mantermos o silêncio em nome de uma falsa paz – uma táctica falhada das últimas cinco décadas que causou danos mensuráveis para incontáveis esposos, filhos e comunidades católicos? Ou consiste na disposição de darmos a nossa vida pelos nossos amigos?

Há ainda outra virtude fundamental da nossa fé católica em jogo nesta discussão: Esperança. Como Jenner, de certo modo parece que o homem que abandonou o seu casamento já passou para o outro lado – decisões fatídicas foram já tomadas, o mal está feito.

Mas os católicos são pessoas de esperança. Acreditamos na promessa do arrependimento, restauração e reconciliação (que estas sejam as palavras chave do sínodo de 2015). Nunca é tarde de mais para que o Bruce Jenner se converta – O Bruce que Deus criou e ama permanece, independentemente do quão escondido e quebrado possa estar.

E nunca é tarde de mais para que todos aqueles que abandonaram um casamento procurem o perdão, emendem as suas vidas e comecem de novo, pois Ele renova todas as coisas.


A Drª Hillary Towers é psicóloga de desenvolvimento e mãe de cinco filhos. O seu trabalho em genética comportamental aparece em vários livros e revistas académicas. Escreve para muitas publicações de grande tiragem e escreve frequentemente sobre questões de casamento e abandono esponsal, sobretudo em relação à forma como esses assuntos são tratados no interior da Igreja Católica.

(Publicado pela primeira vez no sábado, 20 de Junho de 2015 no The Catholic Thing)

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3 comments:

  1. Este tema é muito interessante.
    Porque se é verdade aquilo que nós pregamos - que seguir Cristo é a única maneira de alcançar a felicidade - então não nos podemos calar perante caminhos que se desviam. De seguida, põe-se naturalmente a questão de "como" dizer: com moralismo? com proibições? ou com amor? mas como é este amor sentido pela pessoa que procuramos "corrigir" ou encaminhar? É mais fácil dito que feito, sem dúvida.
    Passo por um momento em que isto me é dolorosamente próximo. O meu marido foi infiel, com a conivência dos nossos padrinhos (estou relutante em chamar-lhes "amigos"...).
    É claro que eu acredito nas virtudes da esperança (de que ele se converta, de que isto passe, de que isto tem uma razão de ser), e do perdão, mas também isto é mais fácil dito que feito e vivido. Como é que se continua um casamento da mesma forma quando uma das promessas fundamentais foi quebrada? Como é que se restaura este casamento? Tenho tendencia a achar que é já um casamento de 2ª categoria, ou que é a 2ª tentativa de sucesso pelo menos... Como é que se vive isto, dando ainda mais a vida pelo nosso marido? Não é um tema fácil, mas também não é um tema muito falado, o que ainda o dificulta mais... Estes são os meus "desafios práticos de viver uma vida virtuosa".

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  2. Olá!
    Perante este seu comentário lembro apenas uma frase que a minha irmã disse uma vez e que sempre me marcou. Quando nos casamos juramos fidelidade até à morte, e não até ao outro ser infiel.
    Dito isto, não pretendo dar-lhe lições de moral ou ensinamentos. Remeto-me ao silêncio e prometo que rezo pela sua situação.
    Obrigado pela sua partilha!
    Filipe

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  3. Também agradeço a sua partilha. Compreendo bem a sua dor. Gostava de lhe dizer que só Cristo cura o coração ferido e por isso só nele encontrará a capacidade do perdão. E também que para Ele agir precisa da sua humanidade presente. Por isso permanecer é fundamental. Ficar para haver quem ame. É o método que nos desconcerta... Nós fugimos da dor mas a verdade é que amar também dói! Coragem porque Cristo é a esperança!

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