Hilary Towers |
É muito tentador para os católicos sentir que não temos
nada a ver com a história que envolve Bruce Jenner [ex-atleta olímpico
americano que recentemente foi sujeito a uma operação de mudança de sexo]. Que
um homem abandone voluntariamente a sua vocação de marido e pai de uma forma
tão dramática, permanente e física, parece quase inconcebível. Gostaríamos que
o Bruce conhecesse o sentido e a Fonte da sua existência. Gostaríamos que ele
compreendesse, como nós compreendemos, que a felicidade autêntica não vem de
alimentar a besta narcisista que habita em cada um de nós, mas da busca pela
virtude; de carregar as nossas cruzes físicas e emocionais para o bem dos
outros, sobretudo das nossas famílias.
Mas talvez o caso do Bruce Jenner não tenha só a ver com
género, mas represente um falhanço multifacetado de compromisso e coragem: o
seu compromisso para com a mulher e filhos (e deles para com ele), o
compromisso da sua família alargada e dos amigos para com a sua verdadeira
felicidade e bem-estar, o compromisso da nossa cultura no encorajamento e no
apoio à sua vocação e a coragem de todas as partes para dar seguimento a esses
compromissos.
Nestes meses entre os sínodos faríamos bem em examinar as
nossas consciências: Como é que mostramos verdadeira compaixão para com aqueles
que revelam dificuldades em cumprir as promessas que fizeram? O nosso
entendimento católico do sentido da vida, da caridade e da felicidade é um dom,
mas tem sentido apenas na medida em que é acompanhado de acção. Quando nós, que
somos abençoados com o conhecimento da verdade plena, deixamos de aplicar os
nossos conhecimentos teológicos aos desafios práticos de viver uma vida
virtuosa, seguem-se a confusão moral e o sofrimento.
Este desnexo entre os ensinamentos morais da Igreja e a
vida do dia-a-dia é sobretudo claro em relação ao casamento. De facto, desde o
sínodo de 2014 que tem havido uma discussão sobre a natureza da caridade e a
sua relação com uma visão autêntica da felicidade, em particular no contexto da
sexualidade e dos votos matrimoniais.
A discussão parece centrar-se em dois dos principais
atributos da vida de casado: Permanência e fidelidade. É impressionante como
foi curta a estrada entre a aceitação social do divórcio unilateral (tanto por
católicos como por não-católicos) à normalização de tantos desvios daquilo que
São João Paulo descreveu como a “norma personalística”. As pessoas não devem
ser um meio para alcançar um fim, são criadas para serem amadas.
As consequências desta inconsistência em relação ao
casamento para as famílias católicas são claras. Há um exemplo actual perto de
mim, uma tragédia que abala minha comunidade suburbana e, em grande medida,
católica. Gostava de poder dizer que é uma situação fora do comum, mas a
verdade é que, por causa do meu trabalho – que envolve escrever e falar sobre o
compromisso das comunidades e dos esposos para com o casamento – conheço várias
situações com traços comuns a esta.
Neste caso um marido católico, altamente respeitado,
casado há 24 anos e pai de cinco crianças, abandonou a sua mulher por outra,
mãe de dois filhos, que por sua vez abandonou o seu marido. O que este homem
deixou para trás foi uma família dilacerada pela confusão, o desespero, a
descrença, revolta e medo. Alguns dos filhos mais novos agarraram-se à mãe.
Outros, mais velhos, abandonaram a fé e com isso mostram as repercussões do
exemplo do seu pai nessa fase das suas vidas.
Como se a traição e o divórcio unilateral não fossem
suficientes (podia-se escrever um livro sobre a vertente legal deste pesadelo:
A justiça para as famílias nos “tribunais de família” é um mito), este homem
engravidou a sua nova parceira e agora vive numa casa com ela e com o filho a
pouca distância do lar que construiu com a sua mulher, com quem na verdade
ainda é casado.
Bruce Jenner, antes e depois |
Mas sucesso para quem – e a que custo? Quais são os
amigos e familiares deste homem que demonstraram a verdadeira caridade de um
confronto compassivo – não só uma vez, mas várias, sem cedências? Que homem de
integridade e força se comprometeu totalmente com este marido e pai católico
durante esta transformação (não tão diferente da de Jenner), fornecendo-lhe o
apoio e a pressão positiva necessárias para restaurar o seu casamento e a sua
família?
De igual modo, haverá alguma amiga de verdade que
continue a desafiar a parceira para regressar aos ensinamentos sobre o
casamento da fé que diz professar? Na sua situação actual isso implicaria, como
primeiro passo, viver em castidade e procurar o perdão pelo mal que já causou.
A verdadeira compaixão, no sentido de evitar, ou tentar
inverter, o comportamento destrutivo nunca é fácil, mas se exercida com
paciência e fortaleza pode causar um impacto profundo e positivo na vida
daqueles que amamos. A nossa decisão de intervir ou de desviar o olhar
baseia-se, no fundo, na nossa definição de amor autêntico. A caridade consiste
em mantermos o silêncio em nome de uma falsa paz – uma táctica falhada das
últimas cinco décadas que causou danos mensuráveis para incontáveis esposos,
filhos e comunidades católicos? Ou consiste na disposição de darmos a nossa
vida pelos nossos amigos?
Há ainda outra virtude fundamental da nossa fé católica
em jogo nesta discussão: Esperança. Como Jenner, de certo modo parece que o
homem que abandonou o seu casamento já passou para o outro lado – decisões
fatídicas foram já tomadas, o mal está feito.
Mas os católicos são pessoas de esperança. Acreditamos na
promessa do arrependimento, restauração e reconciliação (que estas sejam as
palavras chave do sínodo de 2015). Nunca é tarde de mais para que o Bruce
Jenner se converta – O Bruce que Deus criou e ama permanece, independentemente
do quão escondido e quebrado possa estar.
E nunca é tarde de mais para que todos aqueles que
abandonaram um casamento procurem o perdão, emendem as suas vidas e comecem de
novo, pois Ele renova todas as coisas.
A Drª Hillary Towers é psicóloga de desenvolvimento e mãe
de cinco filhos. O seu trabalho em genética comportamental aparece em vários
livros e revistas académicas. Escreve para muitas publicações de grande tiragem
e escreve frequentemente sobre questões de casamento e abandono esponsal,
sobretudo em relação à forma como esses assuntos são tratados no interior da
Igreja Católica.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 20 de Junho de
2015 no The Catholic Thing)
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consentimento de The Catholic Thing.
Este tema é muito interessante.
ReplyDeletePorque se é verdade aquilo que nós pregamos - que seguir Cristo é a única maneira de alcançar a felicidade - então não nos podemos calar perante caminhos que se desviam. De seguida, põe-se naturalmente a questão de "como" dizer: com moralismo? com proibições? ou com amor? mas como é este amor sentido pela pessoa que procuramos "corrigir" ou encaminhar? É mais fácil dito que feito, sem dúvida.
Passo por um momento em que isto me é dolorosamente próximo. O meu marido foi infiel, com a conivência dos nossos padrinhos (estou relutante em chamar-lhes "amigos"...).
É claro que eu acredito nas virtudes da esperança (de que ele se converta, de que isto passe, de que isto tem uma razão de ser), e do perdão, mas também isto é mais fácil dito que feito e vivido. Como é que se continua um casamento da mesma forma quando uma das promessas fundamentais foi quebrada? Como é que se restaura este casamento? Tenho tendencia a achar que é já um casamento de 2ª categoria, ou que é a 2ª tentativa de sucesso pelo menos... Como é que se vive isto, dando ainda mais a vida pelo nosso marido? Não é um tema fácil, mas também não é um tema muito falado, o que ainda o dificulta mais... Estes são os meus "desafios práticos de viver uma vida virtuosa".
Olá!
ReplyDeletePerante este seu comentário lembro apenas uma frase que a minha irmã disse uma vez e que sempre me marcou. Quando nos casamos juramos fidelidade até à morte, e não até ao outro ser infiel.
Dito isto, não pretendo dar-lhe lições de moral ou ensinamentos. Remeto-me ao silêncio e prometo que rezo pela sua situação.
Obrigado pela sua partilha!
Filipe
Também agradeço a sua partilha. Compreendo bem a sua dor. Gostava de lhe dizer que só Cristo cura o coração ferido e por isso só nele encontrará a capacidade do perdão. E também que para Ele agir precisa da sua humanidade presente. Por isso permanecer é fundamental. Ficar para haver quem ame. É o método que nos desconcerta... Nós fugimos da dor mas a verdade é que amar também dói! Coragem porque Cristo é a esperança!
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