Vários casais foram convidados para participar no recente
Sínodo Extraordinário que decorreu no Vaticano em Outubro, como auditores, sem
direito a voto, para partilhar as suas experiências no terreno com os padres
sinodais.
Um casal brasileiro, Arturo e Hermelinda Zamperlini,
mostraram de forma impressionante como a contracepção é o contexto segundo o
qual os muitos problemas que dizem respeito ao casamento devem ser
compreendidos. A sua experiência coincide certamente com os factos das famílias
católica noutras partes do mundo.
Pelas suas palavras: “Devemos admitir sem medo que muitos
casais católicos, mesmo os que procuram viver o seu casamento de forma séria,
não se sentem na obrigação de usar os métodos naturais [de planeamento
familiar]… A isto acresce que normalmente não são questionados sobre o assunto
pelos seus confessores… Em geral não consideram que seja um problema moral”.
Os Zamperlini pediram ao Papa e ao Sínodo que
clarificassem e propagassem os ensinamentos da encíclica de Papa Paulo VI, Humanae
Vitae. Um dos padres sinodais, o Cardeal Andre Vingt-Trois de Paris,
apoiou-os, indicando que existe um novo “paradigma” (uma nova “norma”?) para os
casais católicos: “Tudo isto tem consequências para a prática sacramental dos
casais que frequentemente não encaram o uso de métodos contraceptivos como um
pecado e, por isso, tendem a não confessar o facto e recebem comunhão sem
problemas”.
O relatório final do sínodo menciona brevemente a contracepção
no parágrafo 58, recomendando os “métodos naturais de regulamento da
natalidade”. Mas a frase final, traduzida para inglês, levou a algumas
interpretações ambíguas. No
italiano lê-se: “Va riscoperto il messaggio dell’Enciclica Humanae Vitae di
Paolo VI, che sottolinea il bisogno di rispettare la dignità della persona
nella valutazione morale dei metodi di regolazione della natalità”, e o inglês
diz: “we should return to the message of the Encyclical Humanae Vitae of
Blessed Pope Paul VI, which highlights the need to respect the dignity of the
person in morally assessing methods in regulating births.” [devemos regressar à mensagem da encíclica Humanae Vitae,
do beato Paulo VI, que sublinhou a necessidade de respeitar a dignidade da
pessoa na avaliação dos métodos naturais de regulação dos nascimentos.]
Os padres sinodais referem-se, como é evidente, à
insistência de Paulo VI no Humanae Vitae de que os métodos de regulação dos
nascimentos deviam respeitar a dignidade pessoal. Por exemplo, o parágrafo 17,
que diz: “É ainda de recear que o homem, habituando-se ao uso das práticas
anticoncepcionais, acabe por perder o respeito pela mulher e, sem se preocupar
mais com o equilíbrio físico e psicológico dela, chegue a considerá-la como
simples instrumento de prazer egoísta e não mais como a sua companheira,
respeitada e amada.”
No final do Sínodo Extraordinário, Nicole Winfield, uma
jornalista da Associated Press, propôs uma interpretação diferente: “No
documento sinodal final os bispos reafirmaram a doutrina, mas disseram ainda
que a Igreja devia respeitar os casais na
sua avaliação moral dos métodos contraceptivos” [ênfase acrescentada]. Por
outras palavras, ela interpreta os bispos como dizendo que precisamos de
respeitar a dignidade da pessoa no acto de avaliar que métodos usar para
regular os nascimentos, que é tudo uma questão de consciência individual. Se
uma pessoa e o seu confessor acharem que a pílula não tem problema, tudo bem,
respeitamos essa decisão.
Esta interpretação errada pode bem coincidir com a opinião
geral dos casais católicos (e dos seus confessores) e ser a razão pela qual a
vasta maioria dos católicos não se opõe à contracepção. Se for o caso, muitos
dos assuntos familiares/maritais discutidos no sínodo têm como “denominador
comum” as práticas contraceptivas generalizadas. Isto devia ter um efeito sobre
as deliberações do sínodo.
Alguns exemplos:
·
Se um casal divorciado nunca pretendeu estar
aberto à procriação, o casamento é inválido aos olhos do Direito Canónico, pelo
que uma declaração de nulidade poderá mesmo parecer desnecessária.
·
Se um cônjuge num casamento válido decidir usar
contraceptivos para evitar ter filhos, e o esposo não consentir, isto deve ser
razão suficiente para declarar a nulidade do casamento?
·
Se os casais estiverem a praticar sexo
antiprocreativo, como é que podem julgar consistentemente os homossexuais que
também o fazem? Ou proibi-los de casar?
·
Se um casal que coabita estiver a usar
contracepção, deve isto ser um impedimento ao casamento sacramental?
·
Quando se fala em admitir uma pessoa em união
irregular à comunhão, o factor contraceptivo deve ser tido em conta? Ou já não
é relevante?
Na conclusão do Sínodo Extraordinário de Outubro o meu pároco
mostrou-se surpreendido, na sua homilia dominical, pelo facto de o tema do
acesso aos sacramentos por parte de pessoas em uniões irregulares ser sequer
uma questão teológica, uma vez que ele e os seus colegas concedem
frequentemente esse privilégio a muitos que o procuram, sem qualquer
autorização superior.
Esta prática (chamada praxis
in foro interno, i.e. que diz respeito ao “foro interno” da consciência)
foi aprovada em 1973 pela Congregação para a Doutrina da Fé, mas restringido em
1981 pelo Papa João Paulo II na sua exortação apostólica Familiaris
Consortio.
Numa exortação
apostólica de 2007 o Papa Bento XVI (que em 1972, enquanto teólogo, tinha
manifestado algum apoio à prática), afirmou que o Sínodo da Eucaristia de 2005
“confirmou a prática da Igreja, fundada na Sagrada Escritura (Mc 10, 2-12), de
não admitir aos sacramentos os divorciados recasados, porque o seu estado e
condição de vida contradizem objectivamente aquela união de amor entre Cristo e
a Igreja que é significada e realizada na Eucaristia”.
Mas pelos vistos o forum
internum continua a ser utilizado frequentemente pelos confessores não só
para permitir a comunhão a divorciados e recasados, mas também o uso de
contraceptivos.
Vale a pena sublinhar que os padres sinodais que se
mostraram favoráveis à admissão de católicos divorciados e recasados à comunhão
não abordaram o tema da contracepção, que seria um impedimento adicional.
Talvez estivessem a partir do princípio que a maioria dos divorciados e
recasados, ao contrário de muitos dos outros católicos, evitariam a
contracepção.
O Sínodo Ordinário da Família e Evangelização de 2015
terá uma nova oportunidade para abordar estas questões, que a Igreja, como os
Zamperlinis disseram, e com razão, precisa de confrontar claramente e
directamente.
Howard Kainz é professor emérito de Filosofia na
Universidade de Marquette University. Os seus livros mais recentes incluem Natural Law: an Introduction and
Reexamination(2004), The Philosophy of Human Nature (2008), e The
Existence of God and the Faith-Instinct (2010)
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing no Sábado, 13 de Dezembro de 2014)
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