Todd Worner |
“Uma história é uma forma de dizer algo que não pode ser
dito de outra maneira, e é preciso cada palavra na história para transmitir o
significado. Conta-se uma história porque uma afirmação seria inadequada.” –
Flannery O’Conner
Há 18 anos apaixonei-me loucamente. Ela chamava-se Cari.
Tinha longos cabelos ruivos, maçãs do rosto altas, olhos azuis que dançavam e
um sorriso que iluminava o quarto. O seu riso era contagioso, uma postura
serena e uma confiança muito atractiva. Estávamos nas férias de Natal e
tínhamos voltado para a faculdade para uma sessão de formação. Embora
andássemos pelos mesmos meios, nunca nos tínhamos cruzado. E eu fiquei caídinho.
Tornámo-nos amigos e colegas em vários eventos
universitários. Fizemos voluntariado, animamos um espectáculo para a
universidade e fomos juntos a inúmeras festas. Ao longo da nossa caminhada,
aparentemente platónica, ela saiu com alguns rapazes e eu com algumas
raparigas, mas acabámos por nos apaixonar. Ao fim de um curso de medicina,
estágio e internato, acabámos por chegar aos altares da Igreja Católica,
estupefactos com a bênção que éramos um para o outro.
Hoje temos duas filhas. Se algum dia elas me pedirem para
descrever como conheci e me apaixonei pela sua mãe, certamente não terei
palavras para o dizer. Como é que se explica em palavras aquilo que apenas se
expressa pelas mais puras e arrebatadoras emoções?
Contando a história.
A Fé Católica é diferente? Se pensarmos no assunto – mas
pensarmos mesmo – a verdade, a bondade e a beleza desta fé são totalmente
arrebatadoras e inicialmente ela chega-nos primeiro através da Bíblia e não de
um qualquer argumento abstracto. Um Deus que poderia ter sido frio, calculista
e caprichoso como Zeus, ou um sem número dos outros deuses antigos e maus,
afinal é um criador que nos ama, que corre um risco com a sua criação,
dando-nos livre-arbítrio.
Ele lamenta a ruptura que a humanidade desencadeia, mas
procura incansavelmente trazer-nos de volta para o seu abraço paternal. Através
de regras que promovem a nossa dignidade, lições que corrigem os nossos
caminhos e uma esperança duradoura que sacia a nossa sede de redenção, no meio
do nosso estado decaído, quando pensamos bem no assunto este Deus – este Pai
indiscritível cujo único Filho se faz Homem – devia-nos deixar sem palavras.
Devíamos sentir-nos demasiado emocionados até para falar, não desatemos a
chorar.
Quando me tornei católico compreendi bem todas estas
verdades? Não sei bem. Nem sei se algum dia o farei verdadeiramente. Mas tenho
momentos de apreensão quando a graça repousa sobre mim e consigo vislumbrar –
breve e docemente – o Deus que se recusou a abandonar-me à minha sorte. Em que
alturas é que experimento mais este amor? Nas histórias.
Ouço-o quando alguém me diz: “Jesus ama-te”. Mas
compreendo-o quando um Cristo sofredor e crucificado murmura: “Pai, perdoa-os,
eles não sabem o que fazem”.
Estou a ouvir quando me dizem: “Deus perdoa-te”. Mas
compreendo-o quando um filho pródigo, desesperado e indigno, é abraçado com
tamanha força por um Pai emotivo.
Nada como uma história... |
No final da sua extraordinária biografia de Charles
Dickens, Chesterton não se limitou a transmitir a sua apreciação pelo homem e
pela sua mensagem com meros adjectivos. Disse isto:
A camaradagem e a alegria a sério não são interlúdios na
nossa viagem; mas antes, as viagens são interlúdios da nossa camaradagem e
alegria, que em Deus perdurarão para sempre. A taberna não aponta para a rua; a
rua é que aponta para a taberna. E todas as ruas apontam para a última das
tabernas, onde nos encontraremos com Dickens e todas as suas personagens: e
quando voltarmos a beber será de grandes canecas, na taberna que se situa no
fim do Mundo.
Na conclusão da obra-prima de Georges Bernano, o “Diário
de um Pároco de Aldeia”, o sentido da Graça não é explanado de forma complexa,
antes é colocada no último fôlego de um padre rural generoso e moribundo. Com o
terço na mão, o padre olha para o seu empregado, que aguarda ansiosamente a
chegada de outro padre para administrar a extrema-unção. O sacerdote faz uma
última afirmação antes de morrer:
“Será que importa? A Graça está em toda a parte”.
Há um número sem fim de afirmações gloriosas que podemos
fazer sobre a Fé Católica, tal como há um sem número de afirmações maravilhosas
que se podem fazer sobre a minha mulher. E podem ser todas verdadeiras. Mas por
vezes, no meio da majestade de Deus e da magnitude do meu amor pela minha
mulher, uma afirmação, como disse Flannery O’Conner, não chega.
Por isso se um dia as minhas filhas olharem para mim e
perguntarem porque é que acredito em Deus, ou como é que me apaixonei pela sua
mãe, talvez deixe de lado as afirmações e lhes conte a história. Acho que vão
gostar.
Tod Worner é um marido, pai e médico de medicina interna
católico, de Minneapolis. Contribui regularmente para a Patheos sob o nome: A Catholic Thinker. O
Dr. Worner criou um currículo católico para alunos de liceu que já fizeram o
Crisma e costuma fazer conferências sobre titãs e tiranos da Segunda Guerra
Mundial. Está actualmente a escrever o seu primeiro livro.
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2014)
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