Tuesday 23 December 2014

As Histórias Batem as Afirmações

Todd Worner
“Uma história é uma forma de dizer algo que não pode ser dito de outra maneira, e é preciso cada palavra na história para transmitir o significado. Conta-se uma história porque uma afirmação seria inadequada.” – Flannery O’Conner

Há 18 anos apaixonei-me loucamente. Ela chamava-se Cari. Tinha longos cabelos ruivos, maçãs do rosto altas, olhos azuis que dançavam e um sorriso que iluminava o quarto. O seu riso era contagioso, uma postura serena e uma confiança muito atractiva. Estávamos nas férias de Natal e tínhamos voltado para a faculdade para uma sessão de formação. Embora andássemos pelos mesmos meios, nunca nos tínhamos cruzado. E eu fiquei caídinho.

Tornámo-nos amigos e colegas em vários eventos universitários. Fizemos voluntariado, animamos um espectáculo para a universidade e fomos juntos a inúmeras festas. Ao longo da nossa caminhada, aparentemente platónica, ela saiu com alguns rapazes e eu com algumas raparigas, mas acabámos por nos apaixonar. Ao fim de um curso de medicina, estágio e internato, acabámos por chegar aos altares da Igreja Católica, estupefactos com a bênção que éramos um para o outro.

Hoje temos duas filhas. Se algum dia elas me pedirem para descrever como conheci e me apaixonei pela sua mãe, certamente não terei palavras para o dizer. Como é que se explica em palavras aquilo que apenas se expressa pelas mais puras e arrebatadoras emoções?

Contando a história.

A Fé Católica é diferente? Se pensarmos no assunto – mas pensarmos mesmo – a verdade, a bondade e a beleza desta fé são totalmente arrebatadoras e inicialmente ela chega-nos primeiro através da Bíblia e não de um qualquer argumento abstracto. Um Deus que poderia ter sido frio, calculista e caprichoso como Zeus, ou um sem número dos outros deuses antigos e maus, afinal é um criador que nos ama, que corre um risco com a sua criação, dando-nos livre-arbítrio.

Ele lamenta a ruptura que a humanidade desencadeia, mas procura incansavelmente trazer-nos de volta para o seu abraço paternal. Através de regras que promovem a nossa dignidade, lições que corrigem os nossos caminhos e uma esperança duradoura que sacia a nossa sede de redenção, no meio do nosso estado decaído, quando pensamos bem no assunto este Deus – este Pai indiscritível cujo único Filho se faz Homem – devia-nos deixar sem palavras. Devíamos sentir-nos demasiado emocionados até para falar, não desatemos a chorar.

Quando me tornei católico compreendi bem todas estas verdades? Não sei bem. Nem sei se algum dia o farei verdadeiramente. Mas tenho momentos de apreensão quando a graça repousa sobre mim e consigo vislumbrar – breve e docemente – o Deus que se recusou a abandonar-me à minha sorte. Em que alturas é que experimento mais este amor? Nas histórias.

Ouço-o quando alguém me diz: “Jesus ama-te”. Mas compreendo-o quando um Cristo sofredor e crucificado murmura: “Pai, perdoa-os, eles não sabem o que fazem”.

Estou a ouvir quando me dizem: “Deus perdoa-te”. Mas compreendo-o quando um filho pródigo, desesperado e indigno, é abraçado com tamanha força por um Pai emotivo.

Nada como uma história...
Estou receptivo quando me avisam: “Não peques”. Mas sou transformado por um Cristo que gentilmente pede contas aos carrascos enquanto perdoa a adúltera com palavras firmes mas cheias de amor: “Vai, e não tornes a pecar”.

No final da sua extraordinária biografia de Charles Dickens, Chesterton não se limitou a transmitir a sua apreciação pelo homem e pela sua mensagem com meros adjectivos. Disse isto:

A camaradagem e a alegria a sério não são interlúdios na nossa viagem; mas antes, as viagens são interlúdios da nossa camaradagem e alegria, que em Deus perdurarão para sempre. A taberna não aponta para a rua; a rua é que aponta para a taberna. E todas as ruas apontam para a última das tabernas, onde nos encontraremos com Dickens e todas as suas personagens: e quando voltarmos a beber será de grandes canecas, na taberna que se situa no fim do Mundo.

Na conclusão da obra-prima de Georges Bernano, o “Diário de um Pároco de Aldeia”, o sentido da Graça não é explanado de forma complexa, antes é colocada no último fôlego de um padre rural generoso e moribundo. Com o terço na mão, o padre olha para o seu empregado, que aguarda ansiosamente a chegada de outro padre para administrar a extrema-unção. O sacerdote faz uma última afirmação antes de morrer:

“Será que importa? A Graça está em toda a parte”.

Há um número sem fim de afirmações gloriosas que podemos fazer sobre a Fé Católica, tal como há um sem número de afirmações maravilhosas que se podem fazer sobre a minha mulher. E podem ser todas verdadeiras. Mas por vezes, no meio da majestade de Deus e da magnitude do meu amor pela minha mulher, uma afirmação, como disse Flannery O’Conner, não chega.

Por isso se um dia as minhas filhas olharem para mim e perguntarem porque é que acredito em Deus, ou como é que me apaixonei pela sua mãe, talvez deixe de lado as afirmações e lhes conte a história. Acho que vão gostar.


Tod Worner é um marido, pai e médico de medicina interna católico, de Minneapolis. Contribui regularmente para a Patheos sob o nome: A Catholic Thinker. O Dr. Worner criou um currículo católico para alunos de liceu que já fizeram o Crisma e costuma fazer conferências sobre titãs e tiranos da Segunda Guerra Mundial. Está actualmente a escrever o seu primeiro livro.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2014)

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