Há várias considerações a tecer sobre esta disputa que se mantém entre a Conferência Episcopal Americana e a administração de Barack Obama. Vejamos alguns pontos.
Segundo uma fonte da administração, citada há uma semana pelo New York Times, a decisão de não dar direito de objecção de consciência às instituições religiosas (como hospitais ou universidades, uma vez que as igrejas propriamente ditas estavam abrangidas por este direito), foi assumida pessoalmente por Obama. O que é que lhe passou pela cabeça?
Não estava certamente à espera da reacção que os bispos tiveram. Mas já lá vamos. Mais preocupante é a forma como o presidente revelou que acha mais importante o livre acesso, gratuito, a métodos contraceptivos e nalguns casos abortivos, do que à liberdade religiosa e de consciência das religiões, das suas instituições e mesmo das pessoas que partilham das suas convicções. Quando os católicos (e não só, é certo) falam de uma cultura da morte, não se referem a uma qualquer ideia vaga e abstracta, mas sim a medidas concretas como esta.
Mas vejamos a reacção dos bispos. Magnífica, é tudo o que se pode dizer. Quer se concorde com o princípio ou não, foi magnífica. E foi tanto mais surpreendente porque foi inédita. No próprio dia 20 de Janeiro, quando a administração anunciou que não ia respeitar a liberdade de consciência das instituições, os bispos estavam prontos e a partir daí falaram com força e firmeza e a uma só voz.
Quem é o responsável por isto? É o arcebispo de Nova Iorque, Timothy Dolan, actual presidente da Conferência Episcopal americana e, dentro de cinco dias, cardeal. Dolan é superiormente inteligente, tem fantástico sentido de humor, lida bem com a imprensa e é organizado.
No dia 23 de Fevereiro, foi publicada uma entrevista com o responsável pelo Ordinariato Pessoal para ex-anglicanos nos EUA, Jeffrey Steenson. O ex-bispo anglicano, que agora é padre católico e tem assento na Conferência Episcopal, tinha isto a dizer sobre essa experiência: “Uma das diferenças que vejo é que existe uma unidade entre os bispos católicos muito superior ao que vi entre os bispos episcopalianos [anglicanos]. Isso marcou-me, sentia que existia um consenso maior para as questões importantes. Mais, a Conferência Episcopal tem o Dolan – Nunca vi um homem a dirigir uma reunião com a eficiência dele. Fiquei arrasado com a sua qualidade. Nunca vi nada do género, a qualquer nível”.
Recordem bem este nome. Timothy Dolan. Vai longe.
Na Sexta-feira passada Obama cedeu. Perante a avalanche e com medo dos efeitos que este problema pode ter sobre a sua recandidatura, propôs um compromisso.
Os bispos não foram na conversa e prometem continuar na luta. Mais, não mostraram grande esperança numa maior flexibilidade de Obama, preferindo realçar que vão desafiar o decreto nos tribunais e no Congresso.
Na sexta-feira os bispos tiveram uma importante vitória. Obrigar o presidente dos Estados Unidos a ceder num assunto que é claramente prioritário para ele, é obra. Mas a partir daqui a questão pode não ser tão simples, a decisão de continuar a luta é natural (afinal, é uma questão moral na qual a Igreja não pode ceder), mas pode acabar por ser prejudicial para a imagem dos bispos.
Em parte porque com a cedência de Obama várias pessoas ficaram satisfeitas. O que até agora era uma coligação que incluía os bispos católicos e ortodoxos, mais uma boa parte da direita evangélica e ainda várias instituições liberais, vai ficar reduzida e por conseguinte perderá força. Ou seja, a imagem que poderá passar dos bispos é de meninos embirrentos que recusam um compromisso e querem ter tudo à maneira deles. Pode não ser a imagem verdadeira, mas para o efeito desta análise é indiferente e pode levar a que os bispos percam a guerra depois de terem vencido a batalha.
Naturalmente isto joga-se também a nível político. O ataque inicial de Obama à liberdade religiosa continuará a ser usado como arma contra ele. Terá perdido alguns votos, certamente, mas com a sua “cedência” espera ainda recuperar essa desvantagem. Inteligentemente, Obama cedeu um bocado sem ceder tudo. Deu imagem de flexibilidade e pode agora aproveitar a imagem de inflexibilidade dos bispos e dos seus adversários.
Claro que há ainda a possibilidade de Obama perder as eleições e o próximo presidente revogar o decreto em causa. Isso seria então uma vitória por “knock-out” dos bispos, mas não é de todo provável. De resto, é até natural que o Supremo Tribunal acabe por declarar o decreto inconstitucional, mas isso levará anos.
Mas não é este mesmo o drama que a Igreja enfrenta quando se mete na coisa pública? É que a Igreja não faz política. As concessões morais e o jogo dos compromissos e das cedências não é o ambiente em que os bispos se sentem mais à vontade, nem devia ser. Mas num assunto como estes em que a opinião pública tem muito peso isso acaba sempre por ser um factor.
Filipe d'Avillez
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