David Warren |
O ataque por parte de muçulmanos fanáticos à redacção do
Charlie Hebdo, em Paris, acendeu por momentos em mim as emoções e os impulsos
de jornalista. Era notícia, mas mais que isso, o ataque era contra “nós”. Algo
devia ser feito, escrito, submetido, o que fosse – logo! Mesmo antes de pensar.
Membros importantes da redacção, incluindo o conhecido
editor e quatro cartoonistas famosos, estavam mortos. Mas dezenas de milhares
de pessoas encheram as ruas com cartazes a dizer “Je Suis Charlie” e outras
indicações de solidariedade transitória.
Tanto quanto consigo ver, os fanáticos conseguiram tudo o
que queriam. Os homens que consideravam blasfemos foram executados. Todo o país
parou para reflectir sobre a sua acção. E muçulmanos em todo o mundo passaram a
ser vistos como parasitas. Tudo isto eram objectivos dos terroristas.
Talvez fossem psicopatas, mas qualquer pessoa que tenha
visto as imagens percebe que estavam bem treinados. Isto não foi uma “operação
de imitação”, como outras que têm atingido França, em que muçulmanos
tresloucados conduziram os seus carros para o meio de multidões.
Esta operação foi bem planeada, disciplinada, e é uma indicação
do que podemos esperar no futuro, com o regresso à Europa e à América de
assassinos bem treinados do “califado” na Síria e no Iraque. São impiedosos e
sabem que nós não somos. Isto dá-lhes uma vantagem que ultrapassa a mera
escolha de armas.
Muito do discurso que temos ouvido tem sido sobre a
“defesa dos nossos valores”. Isto é precisamente o que os fanáticos querem,
porque eles sabem bem que nós não temos valores. Querem acentuar o contraste
entre os crentes e os infiéis; querem convencer os seus correligionários,
sobretudo os mais novos, que a nossa única defesa é a blasfémia e que esta pode
ser derrotada.
Eles querem que os jovens muçulmanos, já a viver no Ocidente,
se sintam isolados também. Querem levar os polícias a persegui-los mesmo até ao
coração do gueto, onde perceberão que não são mesmo nada bem-vindos.
Em França, como no resto do mundo, as organizações islâmicas
que defendem o princípio da coexistência criticaram imediatamente os ataques. Já
aprenderam a fazê-lo rapidamente. Também já aprenderam a não serem ambíguos nas
suas condenações. Se acham que o Charlie Hebdo é um jornal de mau gosto, que
gozava frequentemente e de forma crassa com o seu profeta, agora não é a altura
certa para o dizer.
Mas também isto tornou-se um efeito desejado destes
ataques violentos: envergonhar os “moderados”. A mensagem para os jovens cheios
de testosterona é: “Nós conseguimos os resultados, eles não conseguem nada.”
Talvez o factor mais desencorajador nesta nossa “guerra ao
terrorismo” seja a resposta que é dada pelos verdadeiros tontos do Ocidente:
aqueles que dizem “isto não tem a ver com o Islão”, quando até eles sabem perfeitamente
que tem a ver unicamente com o Islão.
Já os politicamente correctos não permitem qualquer comentário.
Estão presos porque não têm valores positivos a defender e, por isso, não
têm qualquer forma de compreender as pessoas que os pretendem aniquilar. Estão
pré-aniquilados, e os fanáticos muçulmanos sabem-no. Aliás, sabem mais sobre
nós do que nós sobre eles, graças à nossa cegueira voluntária.
Em vez dos valores positivos do Cristianismo, que
respondem aos muçulmanos ponto por ponto, seja em acordo ou em desacordo, hoje
em dia não apresentamos nada. A nossa “liberdade” é articulada em termos
puramente negativos como os “direitos” humanos de gozar qualquer tipo de
comportamento de uma forma imediata e material, “desde que não afecte os outros”.
Considerem, por exemplo, uma capa que o Charlie Hebdo
teve em 2010. A caricatura mostra o Papa Bento XVI a elevar um preservativo e a
dizer: “Eis o meu corpo”. Foi um exemplo típico por parte do jornal de tentar
chocar. Foi uma boa tentativa, mas não chegou a ser blasfemo porque, no
ocidente moderno, a blasfémia é simplesmente impossível.
Salvo a minoria que continua a ser cristã, e que na maior
parte compreende que é preciso ser-se cristão para se poder blasfemar o
Cristianismo, o Ocidente já não tem qualquer Deus a quem ofender.
Quando o presidente François Hollande foi à redacção do
Charlie Hebdo, depois do massacre, não foi capaz de outra coisa que não repetir
uma série de clichés. Foi como uma visita de cortesia, mas aos mortos.
Podemos dizer, altivamente, que a imprensa livre não pode
ser silenciada; mas pode, e foi, como se viu por estes eventos. Mas também não
tem qualquer problema em silenciar-se a si mesma, como se viu em muitos órgãos
de comunicação social em que se desfocaram as imagens de caricaturas que
pudessem “ser consideradas ofensivas pelos muçulmanos”.
Excepto quando está a seguir uma multidão, a “imprensa
livre” costuma ser cobarde. A única coisa que admiro nos falecidos editores e
cartoonistas do Charlie Hebdo é que não eram cobardes. Chegaram mesmo a dizer: “Para
nos calar vão ter de nos matar”, e estavam a falar a sério. O seu desafio aos
muçulmanos fanáticos redobrou depois de lhes terem incendiado a redacção em
2011.
Nisto são um exemplo a seguir por nós católicos.
O Islão é uma força positiva. Os seus seguidores
acreditam em coisas e muitos estão dispostos a lutar por elas. Os fanáticos
podem ser deturpados, mas a sua causa não é egoisticamente pessoal. Pretendem
conquistar a Europa – assuntos do século VII que ficaram por resolver – e as
suas tácticas e estratégias são tudo menos contraproducentes.
Com cada novo atentado ganham respeito e inspiram mais
jovens muçulmanos a segui-los. Cada murro que espetam revela como o peito do Ocidente
decadente está oco. Nem sequer reconhecemos que estamos em guerra, tamanha é a
nossa capitulação.
Mas a verdadeira batalha, conforme eles o entendem, não é
entre o Islão e uma libertinagem vazia. Essa é demasiado fácil de ganhar. É
entre Cristo e Maomé: a única batalha em que podem ser colocados na defensiva;
em que os seus próprios filhos se podem voltar contra eles.
David Warren é o ex-director da
revista Idler e é cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga experiência no
próximo e extreme oriente. O seu blog pessoal chama-se Essays in Idelness.
(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 9 de Janeiro
de 2015 em The Catholic Thing)
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Nisto são um exemplo a seguir por nós católicos. Não são exemplo a seguir por ninguém, desculpem-me.
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