Wednesday 13 November 2013

Francisco: O Homem e a Mensagem

Randall Smith
Gosto mesmo muito do Papa Francisco. Claro que sou suspeito. Gosto dele principalmente não por ser “diferente” ou “humilde”, ou qualquer das outras coisas que a imprensa diz sobre ele. Não, eu gosto dele porque me parece um bocadinho despistado. Fala com pessoas com quem supostamente não devia falar e diz coisas que ninguém espera, em vez das coisas que “devia dizer”. O seu desejo de estar próximo das pessoas explode nele de tal forma que às vezes preocupa-se, depois, com a possibilidade de ter sido mal compreendido. Se tivesse um euro por cada vez que isso me acontece... Por isso, dada a minha personalidade, eu gosto desse tipo de pessoa.

Também gosto de São Pedro, em grande parte porque me parece tão deliciosamente despistado. Quando o Cristo Ressuscitado aparece a Pedro e aos apóstolos na margem, enquanto pescam, Pedro fica tão entusiasmado que veste a túnica e atira-se à água para nadar até terra. Esperaríamos que ele tirasse a túnica antes de mergulhar, mas não. E, claro, vemo-lo muitas vezes a dizer as coisas erradas (levando ao famoso “Vá de retro, Satanás”); no momento crítico chega mesmo a negar conhecer Cristo. E porém, é ele a Rocha sobre a qual Cristo construiu a sua Igreja. Esse tipo de “despistanço” dá-me esperança.

Eu nunca poderia ser eleito para um cargo público, porque qualquer dos meus alunos poderia dar à imprensa uma mão cheia de coisas que disse nas aulas e que me afundariam no mesmo instante. Cedo decidi que me queria divertir nas aulas, mesmo que fosse o único a fazê-lo. Obrigo os meus alunos a pensar mais a fundo, fazendo comentários contraditórios ou perguntas penetrantes – tudo coisas que, se citadas fora de contexto, certamente poderiam ser entendidas da maneira errada. É por isso que gosto tanto de pessoas como o Papa Francisco e São Pedro, enquanto outros os acham preocupantes. Gosto das suas personalidades.

Mas esta minha preferência deve ser injusta para com outras personalidades de que Deus faz uso com igual eficácia. O Apóstolo Tomé, por exemplo, sempre me pareceu um chato. Imaginem dizer aos vossos amigos mais próximos – junto de quem nos esforçámos e com quem sofremos – que não acreditaremos neles enquanto não virmos com os nossos próprios olhos. Parvo.

E Tiago e João: A lata! “Queremo-nos sentar um à direita e outro à esquerda quando entrares no teu reino!” Eu odeio manteigueiros e alpinistas sociais. Mas lá está, Deus faz uso de tudo. Temos isso a aprender com os apóstolos, mesmo que não aprendamos mais nada. Alguns são graves e taciturnos, outros loquazes e apaixonantes. Daí que tenhamos um São Pedro e um São Paulo. Um pescador e um académico, tal como nos nossos dias tivemos um Papa Francisco e um Papa Bento XVI. Seja como for, a nossa fé não está ancorada nos seres humanos que Deus escolheu. Esses são os vasos de barro. A nossa fé está na promessa que Cristo fez de estar com a Sua Igreja até ao fim dos tempos, e de mandar o Seu Espírito Santo para a proteger.

E porém, apesar de gostar muito do Papa Francisco, também dou por mim preocupado. Não por causa das coisas que diz, ou por causa das conferências de imprensa que se calhar não devia dar. Como já admiti, isso são as coisas dele de que eu tanto gosto. E não me preocupa muito que as suas palavras sejam mal interpretadas. Quando é que a imprensa interpretou bem as palavras de um Papa? E quem é o idiota que confia no New York Times para ter acesso a informação rigorosa e honesta sobre a Igreja?

Jesus afastado das multidões
Não, a minha preocupação actual sobre o Papa Francisco seria certamente a sua também, caso desse conta do problema. A minha preocupação é que, cada vez mais, Francisco está a tornar-se a mensagem. E se eu compreendo bem este Papa, penso que ele acharia isso não só estranho como até intolerável.

Francisco parece-me ser um homem que, acima de tudo, quer “pregar a Cristo”, que quer apontar além de si, para o Pai, tal como Cristo fez. Quando questionado pelo jovem rico sobre o que fazer para ter a vida eterna, Jesus respondeu: “Porque me perguntas a mim? Só um é bom, o Pai que está no céu”. Na verdade, Cristo tentou, de todas as formas imagináveis, evitar que surgisse à volta dele um “culto de personalidade”.

Frequentemente Ele deixava as multidões frustradas enquanto ia para o deserto sozinho. E depois temos as admoestações que Jesus dá aos que beneficiaram dos seus milagres, para não contarem nada a ninguém. Um dos piores momentos de Jesus no Evangelho de São João é depois do milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, quando as multidões começam a aclamá-lo “rei”. Foge o mais rapidamente possível. Aliás, a viagem para o Calvário começa depois disso.

O Papa Francisco não é propriamente um especialista em lidar com os media. O problema com um homem verdadeiramente humilde que não se preocupa com a comunicação social é que pode não se dar conta de como a sua personalidade e o seu estilo começaram a dominar a mensagem. Ele tem-se tornado “a história”. Houve uma situação parecida com o Papa João Paulo II, logo no início. Mas depois ele escreveu “Redemptor Homini” e “Familiaris Consortio”, e defendeu o “Humanae Vitae” com a “Teologia do Corpo” e aí as coisas começaram a mudar.

O Papa Francisco tem conseguido evitar que a cúria o coloque num trono de ouro. Também não quero que os media o coloquem noutro. Esse tipo de “trono” não passa de uma prisão.

A multidão proclamou Cristo “rei” quando pensavam que o conseguiam controlar – quando achavam que Ele lhes daria pão e vitórias políticas sobre os seus inimigos. Quando perceberam que o Reino que ele trazia envolvia mais do que apenas apoiar ao longe, crucificaram-no.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez no Domingo, 6 de Novembro 2013 em The Catholic Thing)

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1 comment:

  1. Cristo falou com “Zaqueus” e prostitutas (a quem não devia falar?), e disse o que ninguém esperava, tal como «o sábado é secundário». Não há perigo de o homem se tornar mensagem quando grita «basta de Francisco!».

    Eduardo F. Torcato David

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