O que raramente vemos é tempo de antena dado a interpretar
as palavras do Papa de forma correcta e ponderada.
É certo que com o Papa Francisco a questão põe-se mais
vezes, até porque ele tem o hábito de se pronunciar de forma mais espontânea
sobre tudo o que lhe perguntam, e também – há que ceder este ponto aos seus
mais ferozes críticos – porque tende a formular as suas posições de forma ambígua,
permitindo diferentes interpretações. Mas também é verdade que aconteceu o
mesmo, e mais que uma vez, com o Papa Bento XVI.
A mais recente questão tem a ver com as bênçãos para uniões
homossexuais.
Vamos então aos factos. Um grupo de cardeais endereçou ao
Papa Francisco uma série de questões, vulgo “dúbia”, incluindo uma pergunta
sobre se a prática “generalizada” de abençoar uniões homossexuais está de
acordo com o magistério da Igreja Católica.
Em resposta, o Papa disse que para a Igreja o casamento é
entre um homem e uma mulher, e que por isso a Igreja se opõe a qualquer prática
ou bênção que possa gerar confusão sobre esse assunto. Isto parece claro.
Mas a resposta prossegue, apelando à caridade pastoral
quando se lida com pessoas. “A defesa da verdade objectiva não é a única
expressão dessa caridade, que também é composta de bondade, paciência,
compreensão, carinho e encorajamento. Logo, não podemos tornar-nos juízes que
apenas negam, rejeitam e excluem”.
Diz ainda que, por esta razão, é necessário exercer prudência
pastoral para determinar “se existem formas de bênçãos, solicitadas por uma ou
mais pessoas, que não transmitem um conceito errado de casamento. Porque quando
uma bênção é solicitada, isso expressa um pedido de auxílio de Deus, um desejo
de poder viver melhor, confiança num Pai que nos pode ajudar a viver melhor”.
Por fim, diz a resposta, “embora existam situações que,
de um ponto de vista objectivo, são moralmente inaceitáveis, a caridade
pastoral requer que não tratemos como pecadores pessoas cuja culpa ou
responsabilidade possa ser atenuada por vários factores”.
Bênçãos há muitas
A primeira conclusão que podemos tirar é que é muito
exagerado dizer que o Papa está com isto a reverter a posição tradicional da
Igreja sobre bênçãos a uniões homossexuais. Não há nada nesta resposta que
indique que a união em si pode ou deve ser objecto de uma bênção. Pelo contrário,
na medida em que tal bênção necessariamente implicaria uma confusão com o
casamento, isso deve mesmo ser evitado.
Mas o Papa vai mais longe e diz que outra coisa são
bênçãos solicitadas por pessoas – seja um, ou um par – que são homossexuais e
estão numa união homossexual. Ou seja, é possível abençoar duas pessoas que estão
numa relação, sem estar a abençoar a própria da relação.
Vejamos alguns exemplos hipotéticos. Dois homens
homossexuais que estão numa relação e estão prestes a fazer uma viagem juntos,
pedem a um padre uma bênção para a viagem. O padre pode dar essa bênção, até em
conjunto, sem que isso implique, ou seja entendido como, uma bênção aos dois
enquanto casal, ou o abençoar de tudo o que se passa na sua relação.
Mais, imaginemos que dois homens que estão numa relação
homossexual decidem acolher em sua casa crianças com deficiência, com o sentido
de missão de dar a essas crianças um lar onde possam sentir o amor de uma
família, e que pedem a um padre uma bênção para esse empreendimento. O padre
pode dar essa bênção, como abençoaria outras duas pessoas que se estão a
dedicar a uma missão de ajudar os mais frágeis e vulneráveis, sem que passe
pela cabeça de ninguém que ele está a dar luz verde ao que se passa na
intimidade do quarto daqueles dois homens.
O mesmo se poderia aplicar se em vez de dois homens
falássemos de um casal, homem e mulher, que vivem juntos, mas não são casados,
talvez por um deles ser divorciado.
No fundo, o Papa está a dizer que todos temos
fragilidades e pecados, e que uma bênção, seja por que razão for, não deve ser
entendida como a validação ou o encorajamento desse nosso pecado ou fragilidade,
mas sim como uma ajuda para o nosso crescimento espiritual e constante
conversão. Se fosse necessário estarmos todos em estado de graça e
impecabilidade para recebermos bênçãos, então as bênçãos pouco nos acrescentariam.
A Igreja continua a ter um ideal para a humanidade, mas
não afasta de nós o seu auxílio só porque não estamos ainda nesse ideal, da
mesma forma que não se deve mostrar condescendente com essas fraquezas ou
fragilidades, antes ajudando-nos a ultrapassá-las, compreendendo, todavia, que
todos estamos em diferentes fases de conversão e crescimento, e por isso não se
pode nem deve colocar a mesma exigência a todos, indiscriminadamente.
Por isso não, o Papa não diz que se possa abençoar “uniões”
homossexuais, mas isso não significa que pessoas que estão em uniões
homossexuais não possam pedir bênçãos para as áreas mais variadas das suas
vidas, seja pessoais, seja em conjunto. A isso chama-se cuidado pastoral, a arte
de acompanhar espiritualmente as pessoas partindo do lugar, tempo e estado em
que estão, e não de exigir que estejam primeiro onde achamos que deviam estar
antes de lhes estendermos a mão.
Muito obrigado por este texto. Parece-me o mesmo. E também me parece que continua válido o principal: todos temos de nos converter, ninguém deve ficar apenas onde está agora na caminhada. Mas compreensão e acolhimento a cada pessoa em concreto, esteja onde estiver, é uma coisa do Evangelho, de sempre, não só do Papa Francisco (que faz muito bem em recordar).
ReplyDeleteMuito obrigado pelo esclarecimento, com o qual concordo.
ReplyDeleteMuito bom artigo Filipe. Um abraço
ReplyDeleteBernardo
Obrigado !
ReplyDeleteAconselho a leitura deste texto e ver o vídeo do bispo espanhol José Ignacio Munilla
ReplyDeletehttps://infovaticana.com/2023/10/10/el-obispo-munilla-explica-el-no-de-la-iglesia-a-la-bendicion-de-parejas-homosexuales/?utm_medium=social&utm_source=whatsapp&utm_campaign=shareweb&utm_content=footer&utm_origin=footer