Wednesday 4 October 2023

O Mundo para Além da Nossa Janela

Este artigo é sobre o futuro, mas começa com o passado. Deixem-me explicar.

Faço 75 anos em Outubro. No que diz respeito a aniversários, este é importante. Mas a minha mulher e eu fomos ambos abençoados com boa saúde, por isso a mortalidade, para já, parece-nos uma obrigação maçadora, mas ainda distante. As pessoas morrem, todos morremos. Quando entramos nos setentas, conscientemente ou inconscientemente começamos a fazer contas ao que vimos e aprendemos, ao que conseguimos cumprir, ao que a nossa vida significou.

E assim, ao longo dos últimos muitos anos, tenho-me focado cada vez mais na passagem 1 Pedro 1, 24-25:

Toda a humanidade é como a relva

e toda a sua glória como a flor da relva;

a relva murcha e cai a sua flor,

mas a palavra do Senhor permanece eternamente.

Parecem palavras destinadas a chafurdar na melancolia. Mas para mim têm tido o efeito contrário. A chave é aquela última linha: a palavra do Senhor permanece eternamente. Eternamente é uma palavra muito grande. Põe-nos a pensar no tempo. E pensar no tempo, pelo menos para mim, leva a pensar na história; ao que devemos à vida dos outros, que já partiram; como vivemos as nossas próprias vidas hoje, como traçamos as rotas para o futuro.

A minha mãe era de uma família católica irlandesa e tinha um sentido muito apurado da história, bem como um desdém pelos ingleses. Por “ingleses” queria dizer Oliver Cromwell. Tinha uma memória impecável da repressão protestante na Irlanda católica. A sua família irlandesa, de Galway e de Longford, tinha sido muito pobre, eram pouco mais que famintos.

Emigraram para a América durante a grande fome de 1845-52 e a Grã-Bretanha nunca era um tema bem-vindo à mesa, com uma excepção: os mártires católicos. A minha mãe nutria uma devoção enorme a São Tomás Moro, John Fisher, Edmund Campion e muitos outros santos assassinados judicialmente por Henrique VIII e Isabel I.

A sua memória era um pouco menos de fiar no que diz respeito aos protestantes queimados vivos pela Bloody Mary, mas voltava a ser cristalina quando se falava da Inglaterra Católica antes dos Tudors, sobretudo o assassinato de Thomas Becket e amigos à mão de Henrique II. Fazia questão de recordar aos seus filhos que a Igreja tinha sido banida e perseguida em Inglaterra desde os tempos de Isabel I, do final do Século XVI e em diante. As restrições acabariam por ser gradualmente atenuadas e eventualmente levantadas apenas no final do Século XVIII até meados do Século XIX.

Tudo isto me voltou à memória no início deste mês quando, graças à generosidade de uns amigos, fiz uma peregrinação a locais de referência católicos de Inglaterra. As peregrinações modernas tendem a transformar-se numa espécie de turismo religioso, com os participantes a consumir e a esquecer episódios históricos como se fossem petiscos. Mas esta não.

Não há como visitar o convento de Tyburn, em Londres – perto do local onde os mártires eram enforcados até estarem quase mortos, depois esventrados vivos e finalmente esquartejados – sem ficar emocionado. Acontece o mesmo com a cela da Torre de Londres onde esteve detido Tomás Moro, bem como a capela onde as suas ossadas foram misturadas com as de John Fisher e muitas mais vítimas, para serem sepultadas.

Noutros locais, a noroeste de Londres, a cidade de Oxford assistiu à conversão de John Henry Newman no Século XIX. Tomás Moro passou dois anos na Universidade de Oxford, e no século passado J.R.R. Tolkien, que era católico, leccionou juntamente com C.S. Lewis, que era anglicano, bem como outros membros dos Inklings.

O Caminho de Addison, onde Tolkien e Hugo Dyson convenceram Lewis a tornar-se cristão, fica no terreno do Colégio Magdalen, de Oxford, a cerca de 100 metros de janela do quarto de estudante onde fiquei durante a minha peregrinação; um quarto não muito diferente daquele que John Colet terá usado durante os seus dias a estudar ali. Educador brilhante, padre e amigo de Moro e Erasmo, Colet fez uma das melhores homilias reformistas, no limiar da Reforma.

O mundo para lá da minha janela no Colégio de Magdalen certamente seria familiar a Colet: os mesmos serenos relvados a perder de vista, uma ilha de paz num mundo atribulado.

Mas eu disse que este artigo é sobre o futuro. Vamos a isso, então.

Uma das bolsas de fé católica clandestina que sobreviveu em Inglaterra, quer durante, quer depois da Reforma, foi o condado de Lancashire, bem longe da esfera de influência quer de Londres, quer de Oxford. Os “recusants”, aqueles que se recusavam a cumprir com os requisitos do culto protestante – levaram a cabo um jogo longo, evasivo e ambíguo com as autoridades. O resultado é que a fé nunca desapareceu por inteiro. Quando a Igreja voltou a ter espaço para respirar, Stonyhurst College, em Lancashire, tornou-se um centro de educação nacional para jovens rapazes, e agora também para raparigas.

Stonyhurst (onde Tolkien também leccionou, e onde ainda existe o “Caminho Tolkien”) tem um legado que se estende 430 anos até locais na Europa continental. Mas o futuro não pertence tanto aos alunos formados no Colégio, como à comunidade de líderes católicos adultos que podem, e serão, formados ao longo dos próximos anos no Christian Heritage Centre e na Theodore House, localizados nos terrenos de Stonyhurst.

A CFC/Theodore House é uma instituição soberba de educação e conferências, liderada com zelo e capacidade pelo diretor Stefan Kaminski. Desde que João Paulo II criou o termo, que a Igreja nos impele a uma “nova evangelização”. O CHC/Theodore House é o tipo de lugar onde essas palavras têm realmente peso, onde o trabalho pode começar a sério. E essa é uma fonte de esperança.

No fundo, o que estou a dizer é que o mundo para além da janela das nossas vidas, enquanto cristãos, é uma longa fila de almas normais numa história extraordinária; uma história de salvação que remonta ao passado e em diante, para o futuro, rumo a um Deus que nos ama, em que todos desempenhamos papéis insubstituíveis. Olhando para a minha própria vida – e para a de todos nós – posso dizer que tem sido um enorme privilégio, bem como um consolo, fazer parte dessa história, pois:

a relva murcha e cai a sua flor,

mas a palavra do Senhor permanece eternamente.


Francis X. Maier é conselheiro e assistente especial do arcebispo Charles Chaput há 23 anos. Antes serviu como Chefe de Redação do National Catholic Register, entre 1978-93 e secretário para as comunidades da Arquidiocese de Denver entre 1993-96.

Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 27 de Setembro de 2023)

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