Faço 75 anos em Outubro. No que diz respeito a
aniversários, este é importante. Mas a minha mulher e eu fomos ambos abençoados
com boa saúde, por isso a mortalidade, para já, parece-nos uma obrigação
maçadora, mas ainda distante. As pessoas morrem, todos morremos. Quando
entramos nos setentas, conscientemente ou inconscientemente começamos a fazer
contas ao que vimos e aprendemos, ao que conseguimos cumprir, ao que a nossa
vida significou.
E assim, ao longo dos últimos muitos anos, tenho-me
focado cada vez mais na passagem 1 Pedro 1, 24-25:
Toda a humanidade é como a relva
e toda a sua glória como a flor da relva;
a relva murcha e cai a sua flor,
mas a palavra do Senhor permanece eternamente.
Parecem palavras destinadas a chafurdar na melancolia.
Mas para mim têm tido o efeito contrário. A chave é aquela última linha: a
palavra do Senhor permanece eternamente. Eternamente é uma palavra muito
grande. Põe-nos a pensar no tempo. E pensar no tempo, pelo menos para mim, leva
a pensar na história; ao que devemos à vida dos outros, que já partiram; como
vivemos as nossas próprias vidas hoje, como traçamos as rotas para o futuro.
A minha mãe era de uma família católica irlandesa e tinha
um sentido muito apurado da história, bem como um desdém pelos ingleses. Por
“ingleses” queria dizer Oliver Cromwell. Tinha uma memória impecável da
repressão protestante na Irlanda católica. A sua família irlandesa, de Galway e
de Longford, tinha sido muito pobre, eram pouco mais que famintos.
Emigraram para a América durante a grande fome de 1845-52
e a Grã-Bretanha nunca era um tema bem-vindo à mesa, com uma excepção: os
mártires católicos. A minha mãe nutria uma devoção enorme a São Tomás Moro,
John Fisher, Edmund Campion e muitos outros santos assassinados judicialmente
por Henrique VIII e Isabel I.
A sua memória era um pouco menos de fiar no que diz
respeito aos protestantes queimados vivos pela Bloody Mary, mas voltava a ser
cristalina quando se falava da Inglaterra Católica antes dos Tudors, sobretudo
o assassinato de Thomas Becket e amigos à mão de Henrique II. Fazia questão de
recordar aos seus filhos que a Igreja tinha sido banida e perseguida em
Inglaterra desde os tempos de Isabel I, do final do Século XVI e em diante. As
restrições acabariam por ser gradualmente atenuadas e eventualmente levantadas
apenas no final do Século XVIII até meados do Século XIX.
Tudo isto me voltou à memória no início deste mês quando,
graças à generosidade de uns amigos, fiz uma peregrinação a locais de
referência católicos de Inglaterra. As peregrinações modernas tendem a
transformar-se numa espécie de turismo religioso, com os participantes a
consumir e a esquecer episódios históricos como se fossem petiscos. Mas esta
não.
Noutros locais, a noroeste de Londres, a cidade de Oxford
assistiu à conversão de John Henry Newman no Século XIX. Tomás Moro passou dois
anos na Universidade de Oxford, e no século passado J.R.R. Tolkien, que era
católico, leccionou juntamente com C.S. Lewis, que era anglicano, bem como
outros membros dos Inklings.
O Caminho de Addison, onde Tolkien e Hugo Dyson
convenceram Lewis a tornar-se cristão, fica no terreno do Colégio Magdalen, de
Oxford, a cerca de 100 metros de janela do quarto de estudante onde fiquei
durante a minha peregrinação; um quarto não muito diferente daquele que John
Colet terá usado durante os seus dias a estudar ali. Educador brilhante, padre
e amigo de Moro e Erasmo, Colet fez uma das melhores homilias
reformistas, no limiar da Reforma.
O mundo para lá da minha janela no Colégio de Magdalen
certamente seria familiar a Colet: os mesmos serenos relvados a perder de
vista, uma ilha de paz num mundo atribulado.
Mas eu disse que este artigo é sobre o futuro. Vamos a
isso, então.
Uma das bolsas de fé católica clandestina que sobreviveu
em Inglaterra, quer durante, quer depois da Reforma, foi o condado de
Lancashire, bem longe da esfera de influência quer de Londres, quer de Oxford.
Os “recusants”, aqueles que se recusavam a cumprir com os requisitos do culto
protestante – levaram a cabo um jogo longo, evasivo e ambíguo com as
autoridades. O resultado é que a fé nunca desapareceu por inteiro. Quando a
Igreja voltou a ter espaço para respirar, Stonyhurst College, em Lancashire,
tornou-se um centro de educação nacional para jovens rapazes, e agora também
para raparigas.
Stonyhurst (onde Tolkien também leccionou, e onde ainda
existe o “Caminho Tolkien”) tem um legado que se estende 430 anos até locais na
Europa continental. Mas o futuro não pertence tanto aos alunos formados no
Colégio, como à comunidade de líderes católicos adultos que podem, e serão,
formados ao longo dos próximos anos no Christian Heritage
Centre e na Theodore House, localizados nos terrenos de
Stonyhurst.
A CFC/Theodore House é uma instituição soberba de
educação e conferências, liderada com zelo e capacidade pelo diretor Stefan
Kaminski. Desde que João Paulo II criou o termo, que a Igreja nos impele a uma
“nova evangelização”. O CHC/Theodore House é o tipo de lugar onde essas
palavras têm realmente peso, onde o trabalho pode começar a sério. E essa é uma
fonte de esperança.
No fundo, o que estou a dizer é que o mundo para além da
janela das nossas vidas, enquanto cristãos, é uma longa fila de almas normais
numa história extraordinária; uma história de salvação que remonta ao passado e
em diante, para o futuro, rumo a um Deus que nos ama, em que todos
desempenhamos papéis insubstituíveis. Olhando para a minha própria vida – e
para a de todos nós – posso dizer que tem sido um enorme privilégio, bem como
um consolo, fazer parte dessa história, pois:
a relva murcha e cai a sua flor,
mas a palavra do Senhor permanece eternamente.
Francis X. Maier é conselheiro e assistente especial do
arcebispo Charles Chaput há 23 anos. Antes serviu como Chefe de Redação do
National Catholic Register, entre 1978-93 e secretário para as comunidades da
Arquidiocese de Denver entre 1993-96.
Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 27 de Setembro de
2023)
© 2023
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment