Randall Smith |
Consideremos a posição daqueles que dizem que quem
governa o estado deve obedecer às autoridades eclesiais. Se por “obedecer”, ou
“ser governado por”, quisermos dizer que as autoridades civis devem, ao fazer
os seus próprios juízos de prudência, deixar-se guiar pelos princípios morais
revelados na Escritura e clarificados através de séculos de reflexão, passada
ao longo das gerações pela tradição da Igreja, então, sim. O que também se
aplica a quando as autoridades eclesiais avisam, com toda a autoridade dos seus
cargos, que as autoridades seculares estão a violar os preceitos fundamentais
do direito natural, que não admite exceções. Também aqui seria bom que as
autoridades seculares fossem obedientes a esse juízo da Igreja.
Mas, se o que queremos dizer é que os juízos prudenciais
das autoridades eclesiásticas devem governar ou sobrepor-se aos de líderes
seculares bem-intencionados e com uma boa compreensão da justiça e do direito natural,
então a resposta teria de ser não.
Os bispos não têm mais capacidade do que qualquer outra
pessoa para julgar se devemos aumentar ou baixar os impostos, se o défice está
demasiado alto ou não, qual é o número ideal de imigrantes, ou o ordenado mínimo
adequado, ainda que sejam bispos verdadeiramente santos. O carisma da
autoridade apostólica não é um garante de prudência cívica. Logo, as
autoridades eclesiásticas que opinam publicamente sobre tais assuntos, enquanto
ignoram outros como a matança de bebés por nascer, estão a confundir a natureza
do seu carisma e da sua autoridade.
Seria melhor então afirmar que uma verdadeira prudência
levaria a pessoa a reconhecer os limites das suas próprias capacidades e
habilidades, de tal maneira que um bispo com uma prudência perfeita jamais
assumiria a função (nem tentava impor publicamente) juízos prudenciais sobre
assuntos em relação aos quais não possui qualquer conhecimento especializado.
Presumivelmente, um tal santo bispo reconheceria que demorou anos a alcançar a
sabedoria e a experiência necessárias para compreender o seu povo e governar
sabiamente a sua diocese – sempre com a assistência e a orientação do Espírito
Santo – e que pela mesma ordem de razões deve demorar anos a alcançar a
sabedoria necessária para governar de forma sábia uma comunidade cívica.
Tomar decisões prudenciais deste género não é apenas uma
questão de consultar uma lista de ditames morais num qualquer manual de justiça
social e depois traduzi-las em leis. A prudência necessária para formar esses
juízos requer treino e experiência, adquire-se com o tempo, através de
tentativa e erro, aprendendo com os erros e com os bons exemplos dos outros. Os
cristãos acreditam que este processo é possível com a orientação e graça do
Espírito Santo. Mas nesta matéria aplica-se a frase de São Tomás de Aquino: “A
Graça não viola a natureza, antes a aperfeiçoa”.
Mas não fará sentido pelo menos exigir que os nossos
líderes cívicos também sejam católicos? Isso depende. O historial das
universidades católicas sugere que contratar pessoas que se dizem católicas, ou
mesmo praticantes, não é nenhuma garantia de compreensão da missão católica da
instituição, ou de compromisso para com a mesma. É raro encontrar alguém mais
anticatólico que um católico zangado ou alienado. Mais vale contratar um judeu
devoto que se preocupa com a educação do que um católico que não se interessa.
Também convém dizer que a exigência de aceitar apenas
líderes católicos aproxima-se perigosamente da visão calvinista de que apenas
os eleitos são capazes de governar a cidade ou a nação. Os católicos nunca
subscreveram esta ideia. Antes pelo contrário, sempre defenderam, como escreve
Heinrich Rommen no magistral O
Estado no Pensamento Católico:
A autoridade política assenta na lei natural. O
governante, ou de forma mais genérica, a autoridade política não precisa de
qualquer aprovação ou legitimação eclesial, nem o governante não-cristão
necessita de qualquer tipo de consentimento específico por parte dos seus
súbditos cristãos. Não existe uma libertas Christiana que proíbe os não
cristãos de governarem os cristãos, como tem sido defendido por sectários desde
os primeiros séculos da era cristã. A legitimação única e satisfatória da
autoridade política é a lei natural em geral e, em concreto, o cumprimento do
seu dever para com o bem comum.
Os católicos não devem procurar repetir os erros do
Século XX, quando, na década de 30, por exemplo, muitos católicos apoiaram o
austríaco Engelbert Dolfuss que dissolveu o Parlamento para edificar um estado
“católico”, ou quando os católicos apoiaram o ditador António Salazar em
Portugal, ou Francisco Franco em Espanha, que utilizaram a censura e a polícia
secreta para suprimir a oposição. Nem me parece que os católicos devam recordar
com saudade e orgulho o governo absolutista de Pio IX sobre os Estados
Pontifícios.
Ter um governante ou um executivo católico, mesmo um que
seja ortodoxo e santo, não é nenhuma garantia da virtude da administração
cívica prudente.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na terça-feira, 17 de Outubro de 2023)
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"Ter um governante ou um executivo católico, mesmo um que seja ortodoxo e santo, não é nenhuma garantia da virtude da administração cívica prudente." --> claro que não é garantia, tal como não é garantia que um filho seja santo mesmo dando-lhe uma educação católica, mas que ajuda muito ajuda.
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