O cardeal Pizzaballa e o Patriarca Ortodoxo |
Este texto serve para fazer uma primeira breve análise ao
que já foi dito, agora que estamos perto dos 20 dias de conflito.
Judeus e muçulmanos calados
Procurei, mas sem sucesso, declarações públicas de
líderes muçulmanos e judeus. As grandes referências destas duas religiões na
Terra Santa são os rabinos-mor sefardita e asquenaze, para os judeus, e o grão-mufti
de Jerusalém, para os muçulmanos. Não encontrei rigorosamente nada.
O que é que isto quer dizer? Não me quero antecipar… Pode
querer dizer que os judeus e os muçulmanos encaram as suas lideranças
religiosas de forma diferente dos cristãos. Enquanto numa situação destas o
cristão espera, e bem, que seja o seu bispo a falar, e que o faça claramente, o
judaísmo e o islão tendem a ser menos centralizados e por isso poderá não
existir essa expectativa. Em vez disso, cada indivíduo estará mais focado no
seu imã ou rabino particular, da sua própria comunidade. Espero poder conversar
com contactos de ambas as religiões nos próximos dias para confirmar esta ideia.
Mas poderá dar-se o caso também de os líderes judeus e
muçulmanos preferirem não falar por agora, por não poderem estar a apelar à
serenidade e ao fim das hostilidades – sob pena de serem acusados de traição
pelas suas próprias comunidades; nem quererem ser vistos como instigadores se
usarem da palavra para incentivar e encorajar apenas os seus.
Cristãos faladores
Já com os cristãos passa-se o contrário. As principais figuras
de liderança da comunidade cristã local já falaram, e bastante.
Para além do Patriarca Latino, o Cardeal Pierbattista
Pizzaballa, e do líder da Igreja Greco-Ortodoxa, o Patriarca Teófilo III, temos
tido declarações do líder da comunidade anglicana local (por sinal o único dos
três que é de facto nativo da região) e também bastantes declarações conjuntas
dos líderes das Igrejas com presença na Terra Santa.
Isto pode até parecer normal, mas é um dado
extraordinário, uma vez que é mais que conhecido que as igrejas cristãs na
Terra Santa se dão particularmente mal, chegando a haver frequentemente
conflitos entre eles até dentro do Santo Sepulcro, cuja custódia é partilhada
por seis confissões diferentes.
Todas estas declarações que têm sido feitas, tanto as
individuais como as comuns, têm em comum o facto de apelarem sempre à paz, ao
fim das hostilidades e à necessidade de se apostar numa nova abordagem ao
problema Israelo-Palestiniano, que permita acabar com o ódio crescente entre os
dois povos. Os cristãos falam aqui da perspectiva singular de quem tem fiéis de
ambos os lados da barricada. A maioria dos cristãos na Terra Santa são árabes,
muitos vivem ainda nos territórios administrados pela Autoridade Palestiniana –
mais na Cisjordânia, poucos em Gaza – mas existem também comunidades cristãs não-árabes
que vivem em Israel. Assim, apesar de poder haver alguma desconfiança por parte
dos israelitas, os líderes cristãos são os que estão mais bem posicionados para
falar de forma neutra neste conflito, uma vez que os muçulmanos, que têm também
um “rebanho” significativo em território israelita, serão sempre encarados pelos
judeus como sendo a voz dos palestinianos.
Assim, podemos ver que logo no dia 7 de Outubro o
Patriarca Latino já estava a condenar a incursão do Hamas que matou mais de mil
pessoas inocentes em Israel, mas também a reacção das Forças Armadas de Israel.
Esta condenação dupla tornou-se mais explícita no dia 24 de Outubro, quando ele
afirmou numa carta para a diocese:
“A minha consciência e o dever moral obrigam-me a dizer
claramente que aquilo que aconteceu no dia 7 de Outubro no sul de Israel não é
de forma alguma aceitável, e que só pode ser condenado. Não existem razões para
tamanha atrocidade. Sim, temos o dever de o afirmar e de o denunciar. O uso da
violência é incompatível com o Evangelho e não conduz à paz. A vida de todas as
pessoas tem igual dignidade diante de Deus, que criou a todos à sua imagem.
Contudo, a mesma consciência, com grande peso no coração,
leva-me a declarar com igual clareza hoje que este novo ciclo de violência
trouxe mais de cinco mil mortes a Gaza, incluindo muitas mulheres e crianças,
dezenas de milhares de feridos, bairros inteiros arrasados, falta de medicina,
falta de água e de necessidades básicas para mais de duas milhões de pessoas.
Estas são tragédias que não se podem compreender e que temos a obrigação de
denunciar e condenar sem reservas. Os bombardeamentos contínuos que se têm
feito sentir em Gaza há dias apenas causarão mais morte e destruição, e levarão
a mais ódio e ressentimento. Não vão resolver quaisquer problemas, antes criam
novos. Chegou a hora de travar esta guerra, esta violência sem sentido.”
Também logo no dia 8 de Outubro os líderes das igrejas
locais condenavam qualquer acto de violência contra pessoas inocentes, tendo o
cuidado de não referir nenhuma das partes em particular, deixando claro que defendem
a vida das pessoas de ambos os lados da fronteira.
O “caso” do hospital
O dia 17 de Outubro colocou à prova os líderes cristãos, tendo
sido o dia em que se deu a explosão no hospital anglicano de Gaza. Como se
lembram, as primeiras notícias apontavam para um bombardeamento aéreo de Israel, mas mais tarde veio-se a comprovar que afinal a explosão terá sido
causada por um míssil errante disparado de dentro de Gaza.
Se a declaração conjunta dos líderes das igrejas utilizou
uma linguagem bastante neutra, dizendo apenas que o hospital tinha sido “profanado”
por “forças militares”, o comunicado da Igreja Anglicana, a quem o hospital
pertence, chegou a condenar explicitamente Israel. Se é verdade que o arcebispo
Hosam Naoum nunca chegou a emendar publicamente a mão, o próprio arcebispo de
Cantuária, Justin Welby, fê-lo durante uma visita a Jerusalém.
Já em relação ao ataque à Igreja Greco-Ortodoxa em Gaza, os
líderes das igrejas condenam abertamente Israel, que não negou ser o autor do
ataque, que diz ter ocorrido por engano, quando tentava atingir um posto de
comando do Hamas localizado nas proximidades. Morreram 18 cristãos nesse ataque.
A voz que precisa de se fazer ouvir
Lendo as declarações dos líderes cristãos, não podemos
deixar de notar que no geral estamos perante apelos equilibrados e sensatos à
paz e ao abandono do ódio. Eles não se limitam a pedir que se baixem as armas,
regressando à situação anterior, pedem antes que se encontrem novos caminhos e
abordagens que permitam a Israel viver em segurança e aos palestinianos ter perspectivas
de futuro e de desenvolvimento também, evitando assim que novas gerações cresçam
com um ódio tão profundo pelos seus vizinhos como aquele que permitiu as
atrocidades de dia 7.
Não deixa de ser irónico e triste que a voz que mais
precisa de ser ouvida na Terra Santa neste momento seja a voz menos expressiva,
uma vez que os cristãos são uma pequeníssima minoria em todo o território, e
hoje praticamente inexistente em Gaza.
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