Na terça-feira ao fim da tarde começaram a chegar as
notificações dos grandes órgãos de comunicação social. Israel acabava de bombardear
o Hospital Anglicano, matando cerca de 500 pessoas. Horror absoluto! Chocado,
eu partilhei a informação no Twitter. Felizmente, porque enquanto jornalista sei como
estas coisas funcionam, usei a condicional. “Israel terá bombardeado o Hospital
Anglicano em Gaza…”
Duas horas mais tarde Israel garantia que não tinham sido
eles, tinham sido os palestinianos e a explosão tinha sido causada por um míssil
que falhou o alvo, caindo em Gaza.
Começaram as trocas de acusações e pelo mundo partidários
de uns e outros pegaram logo nas suas bandeiras, assumindo como verdade
absoluta tudo o que estava a ser dito pelo lado que apoiam. Muito rapidamente
percebemos que a dor e a tristeza pela morte de tantos civis eram secundárias
em relação aos pontos que se podia ganhar nas discussões.
Neste tempo em que temos acesso a informação na ponta dos
dedos, continuamos a ser expostos a desinformação a um ritmo alucinante. A
culpa é, em larga medida, dos órgãos de comunicação social que, na ânsia de
serem os primeiros a dar a notícia nem sempre verificam bem os factos, o que se
torna ainda mais evidente quando é impossível ter correspondentes no terreno.
Reparem como foi a evolução desta notícia em particular:
De “Israel bombardeia hospital, destruindo-o completamente e matando 500
pessoas”, passámos para “hospital bombardeado e destruído, morreram 500 pessoas”,
para “Palestinianos bombardeiam hospital, matando 500 pessoas” e por fim para “explosão
no parque de estacionamento do hospital mata dezenas de pessoas”.
E no meio disto tudo continuamos sem saber, em rigor, quem
disparou o projétil que atingiu o parque de estacionamento do hospital, nem
quantas vítimas houve, já que o Hamas fala em 471, mas fontes de agências secretas
europeias dizem que foram “apenas” dezenas.
Uma das coisas mais interessantes nisto é a forma como os
partidários de um lado e do outro parecem estar perfeitamente convencidos de
que o lado que apoiam seria incapaz de cometer um acto destes, e que o lado
contrário não só seria capaz, como o faria de forma propositada e com gosto.
Isto revela uma divisão social e ideológica que embora seja compreensível no
próprio Médio Oriente, não faz sentido para quem observa à distância.
Mas a verdade é que ambos os lados já fizeram o equivalente,
e provavelmente pior. Quem diz que os palestinianos não seriam capazes de
bombardear o hospital esquece-se que estamos a falar de um movimento que só
existe porque faz de toda a população de Gaza o seu escudo humano e que há menos
de duas semanas penetrou no território israelita e matou mais de 1000 civis
desarmados, homens, mulheres e crianças. Não seriam capazes de matar algumas dezenas
dos seus próprios civis para prejudicar a imagem dos israelitas? Claro que
seriam. Não estou a dizer que o fizeram, mas que seriam capazes é evidente.
E quem diz que Israel jamais atingiria um hospital, matando
civis, esquece-se que o mesmo Hospital Anglicano foi atingido por tiros de
artilharia israelita dias antes, mas que felizmente não fizeram vítimas.
Com base na informação que já saiu, parece-me bastante
convincente a teoria de que foi um míssil palestiniano a fazer estragos no hospital,
mas não vejo qualquer indício de que tal tenha sido propositado. Parece-me
antes que foi um terrível acidente, mas que as autoridades de Gaza, ou pensando
que tinha sido um ataque israelita, ou sabendo já que tinha sido um erro
palestiniano, culparam os israelitas para poder gerar indignação interna e
internacionalmente contra o seu inimigo. E funcionou, obviamente. O número de
mortos pode ter sido exagerado com o mesmo propósito, mas se foi isso que
aconteceu, então naturalmente o Hamas, tendo já avançado essa informação, não
poderia voltar atrás e dizer que tinham sido apenas umas dezenas de vítimas, pelo
que se vê obrigado a manter a narrativa e não pode aceitar de forma alguma a
culpa pelo incidente.
Não é brincadeira nenhuma quando se diz que a primeira
grande vítima da guerra é a verdade.
O que faz um hospital anglicano em Gaza?
Feita esta primeira análise, um comentário sobre o facto
de haver sequer um hospital cristão em Gaza, sobretudo anglicano, quando os
anglicanos são uma minoria praticamente insignificante na Palestina em geral, e
julgo não existirem sequer em Gaza.
O facto de este hospital existir não é apenas testemunho
de uma história de envolvimento cristão na região. De facto, quando o hospital
foi fundado não existia Israel, quanto mais Autoridade Palestiniana.
Mas à medida que a realidade no terreno foi mudando, e
sobretudo a partir do momento em que o Hamas, um grupo radical islâmico, foi
ganhando peso e os cristãos foram saindo de Gaza para outras partes do mundo,
ou então para a Cisjordânia, o hospital poderia perfeitamente ter sido
desactivado ou, pelo menos, desvinculado de uma Igreja que não tem presença no
terreno. Mas não. A Igreja Anglicana (mais especificamente Igreja Episcopal de
Jerusalém, o ramo local da Comunhão Anglicana) manteve o hospital activo e a
servir a população quase totalmente muçulmana porque é isso que os cristãos
fazem.
Em todo o mundo vemos o mesmo padrão. Mesmo em locais
onde são uma pequena minoria, as igrejas cristãs desempenham um papel
absolutamente desproporcional no fornecimento de serviços às populações locais,
seja na área da saúde, seja na área da educação ou da justiça social.
Este é um verdadeiro e belo testemunho de amor cristão pelos
outros, e de serviço ao bem comum, e é também uma forma de evangelização, mesmo
que não resulte em conversões imediatas, ou futuras.
Entretanto, continuemos a rezar pela Terra Santa. Que
Deus faça brotar no coração dos homens a sede de paz, porque humanamente não se
vê luz ao fundo do túnel nesta altura.
Correção: a primeira grande vítima da guerra é a verdade (não a mentira ;))
ReplyDeleteOops... Corrigido! Obrigado.
DeleteNo entanto, o Filipe não diz uma palavra sobre a ocupação galopante do território da palestina, por Israel, causa deste inferno que já dura desde 1948. É incrível!
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