Pe Paul Scalia |
Nosso Senhor parece estar a dizer coisas contraditórias.
Ao longo destes oito versículos ele ordena-nos três vezes a não ter medo e uma
vez a temer. Ora, esta aparente confusão está em linha com o resto da
Escritura. Uma das expressões mais comuns da Bíblia é “Não temais”. Mas também
é muito frequente a exortação de temer o Senhor. O salmista, por exemplo, faz
este curioso convite: “Vinde, meus filhos, escutai-me: vou ensinar-vos o temor
do Senhor” (Salmo 34, 12). Como é que devemos entender isto, então?
O medo é uma realidade inescapável para nós, porque somos
seres contingentes. Tememos porque sentimos aquela profunda verdade de que a
nossa existência depende de terceiros. Mesmo o individualista mais empedernido
não causou a sua própria existência, nem sustenta o seu ser. A nossa existência
depende de algo exterior a nós. A possibilidade de podermos ser separados dessa
fonte produz temor, bom ou mau. Mas teremos sempre temor a algo.
Comecemos com o temor bom. “Temei antes aquele que pode
fazer perecer na Geena o corpo e a alma.” Aqui Jesus está a falar de temor ao
Senhor, do único que pode dar vida e tirá-la. Não estamos a falar aqui de
horror ou medo do Senhor, como se Deus nos quisesse simplesmente castigar.
Estamos a falar do medo de contrariar e ser separados daquele que sustém o
nosso ser. É a atitude do filho nos braços do seu pai, que não pensa sequer
rebelar-se contra aquele que o mantém em segurança.
Este temor é, antes de mais, um reconhecimento da
transcendência e omnipotência de Deus. Ele é Deus, eu não sou. Todo o
crescimento espiritual e toda a vida cristã radica nesta verdade. Assim, “o
temor ao Senhor é o princípio da sabedoria” (Provérbios 9,10). É o humilde
reconhecimento de não sermos nada que nos abre à graça de Deus. É por isso que
o Temor a Deus é considerado o primeiro dos Dons do Espírito Santo. Sem esta
disposição e atitude, consideramo-nos autossuficientes e fechamo-nos à sua
graça.
Quando nos esquecemos desta verdade – Ele é Deus; eu não
– tornamo-lo supérfluo para nós. Bom de ter por perto, mas não absolutamente
necessário. Torna-se apenas mais uma pessoa na nossa vida ou, pior, um talismã
que usamos quando nos dá jeito. Infelizmente, a nossa sociedade domesticou Deus
de tal maneira que muitos católicos O tratam assim, alguém que está à nossa
disposição para nos confortar e, claro, afirmar. O temor a Deus livra-nos de
tal irreverência, impede-nos de usar Deus como um meio para um fim.
Mais importante, este temor é a reverência por Deus
enquanto Pai. Notem como nesta passagem Jesus nos exorta a temer, enquanto fala
também da forma como Deus cuida de nós e nos sustenta. O temor a Deus é, no
final de contas, o medo de ofender a Deus porque Ele nos ama. Ajuda-nos a não
pecar, não tanto por medo de sermos castigados (embora essa também não seja uma
motivação má), mas por causa do amor. É o medo de o nosso pecado afectar a
nossa relação com o Amor.
Mais – e mais uma vez, ao contrário do que se poderia
pensar – este temor a Deus enquanto Pai todo poderoso é a base necessária para
a confiança. Afinal de contas, não confiamos naquilo que nos parece ser fraco.
Se o seu poder não inspira temor, então não é de confiança. É precisamente
porque Ele é suficientemente poderoso para ser temido que podemos confiar nele.
Mais importante, o seu poder e a sua força estão ao serviço de nós, os seus
filhos.
Por fim, o Temor ao Senhor torna-nos destemidos, o que
explica a aparente contradição no Evangelho. O Temor a Deus coloca tudo o resto
em perspectiva. Se estamos ancorados no Temor a Deus – sabendo que ele é um
Deus todo poderoso e um Pai que nos ama – então nada mais temos a temer. Ou,
nas palavras de Raniero Cantalamessa, “Teme Deus e não temais”. Perseguição,
humilhação, pobreza, doença, até a morte – na medida em que nos agarramos ao
nosso Pai no céu, não devemos temer nenhuma destas coisas.
Este é o segredo dos mártires, e é por isso que o Senhor
contrasta estes medos com a exortação ao testemunho e ao martírio. O mártire
triunfa sobre a perseguição e o sofrimento, não por causa da sua própria força,
mas porque o Temor a Deus o permite manter-se firme naquele que o pode salvar
da morte. E é escutado por causa do seu temor divino (ver Hebreus 5,7).
E tu, o que temes? Esta é uma consideração premente. As coisas parecem estar cada vez piores, e há muitas razões para ter medo. Mas se tivermos um correcto temor a Deus, podemos estar seguros na força do Pai, livres de qualquer outro medo.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington,
pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o
clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 25 de Junho de
2023 em The Catholic Thing)
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