O mês de Junho é dedicado ao
Sagrado Coração de Jesus. O amor de Deus manifestado em Cristo crucificado tem
sido alvo de devoção e piedade desde o início do Cristianismo, mas a devoção
específica ao coração de Cristo só surgiu na Idade Média.Stephen P. White
A devoção ao Sagrado Coração,
como é conhecida hoje, levantou voo mais a sério em França, no Século 17,
através das revelações feitas a Santa Margarida Maria Alacoque, e com a ajuda
do seu director espiritual, o jesuíta São Claude de la Colombière.
No Século 18 a devoção ao
Sagrado Coração – e a consagração formal ao Sagrado Coração – já tinha
espalhado por França e mais além. Durante a Revolução Francesa o Sagrado
Coração tornou-se um símbolo das forças lealistas católicas que se opunham as
forças ateias e anticlericais da Revolução. Os contrarrevolucionários da
Vendeia usavam insígnias com a imagem do Sagrado Coração.
Em 1856 o Papa Pio IX
estabeleceu a Solenidade do Sagrado Coração para a Igreja Universal. Em 1899 o
Papa Leão XIII emitiu a encíclica Annum Sacrum, onde declara que “na
principal Igreja de toda a cidade e aldeia” os féis de todo o mundo deviam ser
solenemente consagrados ao Sagrado Coração de Jesus.
O Papa queria que a devoção da
Igreja unida ao Sagrado Coração de Jesus servisse como recordação importante,
para os próprios fiéis, e também para o mundo em geral, do facto de Cristo ser
rei de toda a criação – uma realeza exercida tanto por direito, como Filho de
Deus, como em virtude do terrível preço que teve de pagar para a redimir.
Entre as outras razões dadas
pelo Papa Leão para exortar a Igreja a fazer esta consagração estava a sua
grande preocupação com o aumento do ateísmo, sobretudo nas nações cristãs. Via
a religião a ser excluída cada vez mais da vida pública, como se “um muro
estivesse a ser erguido entre a Igreja e a sociedade civil”.
Este desrespeito pela
autoridade do sagrado e da lei divina na vida pública, escreveu Leão XIII, tende
para um “arrancar [d]a fé em Cristo, e se fosse possível, banir o próprio Deus
da terra”. Continuou, descrevendo um estado que revela uma semelhança
desconcertante com os nossos tempos turbulentos e ansiosos:
Com tamanha temeridade de
ânimos, não há de que se admirar que grande parte da humanidade esteja
envolvida em tal desordem e presa por estorvo tão grave que não deixe mais
ninguém viver sem temores e perigos? Não há dúvida que com o desprezo da
religião, são atingidas as bases mais sólidas da incolumidade pública. Justo e
merecido castigo de Deus aos rebeldes que, abandonados às próprias paixões e
escravos de sua própria cobiça, acabam vítimas de sua libertinagem.
Bandeira de guerra da Vendeia |
O Papa João Paulo II resumiu a
posição de Leão XIII, quase um século mais tarde: “uma liberdade que por si
própria recusasse vincular-se à verdade, degeneraria em arbítrio e acabaria por
submeter-se às paixões mais vis, e por se autodestruir”.
Não é difícil ouvir nessas
palavras proféticas do Papa Leão XIII os ecos da carta de São Paulo aos
Romanos. “Por isso Deus abandonou-os às paixões dos seus corações e caíram em
ações vergonhosas desonrando os seus próprios corpos. Trocaram o verdadeiro
conhecimento de Deus pela mentira. Adoraram e serviram coisas criadas em vez de
adorarem e servirem o próprio Criador, Ele que deve ser adorado eternamente”
Trata-se da mesma história de
rebelião orgulhosa que se repete ao longo da salvação – desde os israelitas
teimosos que se revoltaram no deserto, à Torre de Babel e à própria Queda,
quando foi prometido a Adão e Eva que a sua desobediência os tornaria semelhantes
a deuses.
Esta é a história da
humanidade, na sua simplicidade exasperante e teimosa estupidez: Tentados no
nosso orgulho a sermos como deuses, revoltamo-nos contra Deus, que nos criou
para sermos como Ele.
E, apesar de tudo, “o Filho de
Deus se tornou homem para que o homem se torne Deus”, para usar a famosa frase
de Santo Atanásio.
Por esta razão, a devoção ao
Sagrado Coração de Jesus não é menos importante, nem tem menos valor agora do
que em França no Século 17, ou na Idade Média, ou aos pés da Cruz, no Calvário.
O Sagrado Coração de Jesus é o antídoto perfeito para o orgulho dos nossos
corações. Deus ama-nos com um coração humano, para que possamos aprender a
tomar parte no seu amor divino.
No Sagrado Coração “são postas
todas as nossas esperanças”, escreveu o Papa Leão, e “dele devemos implorar e
esperar a salvação”.
No Sagrado Coração de Jesus
descobrimos a humildade de Deus que esmaga e destrói o orgulho. No seu Coração
Sagrado e Sofredor os nossos próprios corações são levados à contrição. No seu
Sagrado Coração todo o nosso egoísmo se consome no fogo do seu amor e da sua
misericórdia. No seu Sagrado Coração encontramos o amor que criou, ordena e
sustém todas as coisas. No seu Sagrado Coração encontramos a força e a graça
para amar como Ele ama.
No seu Santíssimo Coração encontramos
refúgio e paz, mesmo por entre – ou especialmente por entre – todas as
dificuldades e tribulações dos nossos tempos.
Stephen P. White é
investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em
Washington.
(Publicado em The Catholic Thing na Quinta-feira, 1 de Junho de
2023)
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