Stephen P. White |
O casamento é muito mais (e por vezes muito menos) do que
aquilo que dois jovens possam imaginar. Não é mal pensado identificar de
antemão alguns dos elementos mais mundanos, mas não menos importantes, da
beleza do casamento. Nem que seja para dar ao sacerdote alguma ideia das rochas
submersas que se encontram no caminho, ainda que o casal se mantenha
obstinadamente ingénuo.
Fizemos o teste separadamente e depois encontrámo-nos com
o pároco para rever os resultados. Ele recordou-nos que o teste é
essencialmente um diagnóstico. Não existem respostas “correctas” ou “erradas”,
assegurou-nos, apenas respostas que podem apresentar ocasião para uma reflexão,
consideração e conversa mais aprofundadas. Só que, estávamos prestes a
descobrir, afinal havia respostas erradas.
Muitas das perguntas na prova eram sobre o tipo de
consideração prática que poderia facilmente passar despercebida a um par de
jovens apaixonados: Quem vai tratar das finanças? Já conversaram sobre como os
filhos podem afectar os planos de carreira para um ou ambos? Espera que o seu
futuro esposo mude depois de se casar?
Acontece que eu e a minha mulher respondemos de forma
diferente a essa última questão. Ela, tão querida, respondeu “não”, o que
obviamente é a resposta correcta. As pessoas que se casam com alguém que
desesperadamente esperam que se transforme noutra, estão a preparar-se para uma
grande desilusão. Raramente é isso que acontece.
Como já devem desconfiar, eu respondi “sim”. Sirenes. Não
só tinha dado uma resposta diferente, mas neste teste sem respostas erradas eu
tinha claramente dado a resposta errada. O Sr. Prior ficou com um ar muito
sério, um olhar de preocupação.
“Precisamos de conversar sobre isto. Stephen, porque é
que esperas que ela mude?”. Via-se na cara da minha noiva que ela queria fazer
uma pergunta semelhante, embora me pareça que ela a teria posto noutros termos.
Respondi com outra pergunta: “Se o objectivo do casamento
é ajudar-nos a crescer em santidade, para que cada um ajude o outro a chegar ao
Céu, então de que serve o sacramento se nos deixa iguais ao que somos agora?”
O prior suspirou, teceu um sorriso irónico, e comentou:
“Não é isso que eles querem dizer com a pergunta”.
Não pude deixar de ripostar: “Pois devia ser. E seja como
for, é isso que eu quero dizer com a minha resposta”.
O objectivo desta história não é mostrar-vos que a minha
mulher é paciente e compreensiva, ou pelo menos não é esse o único objectivo. O
drama de cada vida humana passa-se entre a pessoa que somos e a pessoa em que
nos estamos a transformar. Estamos todos algures no meio. Arriscamos o desastre
se não aspirarmos a ser mais do que somos – se não esperamos, rezamos e
trabalhamos para mudar, para nos convertermos, para nos tornarmos cada vez mais
a pessoa que somos chamados a ser.
Ao mesmo tempo, esta ideia de “a pessoa que eu devo ser”
pode tornar-se também uma ilusão. É tão fácil como é perigoso apaixonar-se por
uma ideia, seja uma versão idealizada de nós mesmos ou de outros. É um hábito
peculiarmente humano ver nos outros aquilo que desejamos ver, e de acreditar
naquilo que queremos que seja verdade. É curioso como o coração humano pode
estar tão ansioso de acreditar que os seus desejos sejam verdade.
As amizades e os amores mais verdadeiros não são forjados
a partir de ideais puros ou de meras ligações mundanas. Somos corpo e alma, e a
exaltação de um acima do outro ao ponto de os separar invariavelmente conduz à
destruição de ambos. O homem que ama a “humanidade” pode facilmente não amar o
seu vizinho. O que ama aquilo que é seu – ele próprio, ou a sua tribo – acima
de, e contra todos os outros, acaba por diminuir ambos.
A amizade humana não existe como abstracção. A ideia da
amizade não é um amigo. E a ideia da família ou da nação não substitui essas
realidades. Mas o homem também não se pode tornar ele mesmo se o seu coração
nunca for para além da sua própria carne e vida.
Uma das passagens mais citadas do Concílio, da Gaudium et
Spes tantas vezes citada por João Paulo II, chega ao cerne da questão:
Na realidade, o mistério do homem só no mistério do
Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro homem, era
efectivamente figura do futuro, isto é, de Cristo Senhor. Cristo, novo Adão, na
própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e
descobre-lhe a sua vocação sublime. Não é por isso de admirar que as verdades
acima ditas tenham n'Ele a sua fonte e n'Ele atinjam a plenitude.
Compreender isto é compreender o mundo como ele realmente
é. É aprender a diferença entre o amor real e irreal. Tanta da nossa história
tem sido uma derrapagem contínua entre o materialismo e o idealismo. No centro,
pode-se dizer, encontra-se o Deus Homem, Cristo Encarnado, mantendo toda a
criação em conjunto. Nele, começamos a fazer sentido para nós mesmos.
Stephen P. White é
investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em
Washington.
(Publicado em The Catholic Thing na Quinta-feira, 15 de Junho de
2023)
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