Randall Smith |
O banquete deste
ano foi parecido com o de anos anteriores, mas com uma grande diferença: a
forte presença de seguranças. Em todo o lado havia agentes da polícia fardados
e com coletes à prova de bala. Isto porque a Texas Right to Life é uma
organização sob fogo cerrado, que sofre assédios e ameaças que, temo, apenas
vão piorar nos próximos meses e anos.
A organização
recebe mais de mil mensagens de voz de ódio todos os dias. E quando digo ódio,
é mesmo ódio. Os organizadores reproduziram algumas durante o banquete,
eliminando os palavrões frequentes durante as longas diatribes violentas.
Recentemente tiveram de evacuar a sede por causa de uma ameaça credível de
bomba e estão sob proteção policial 24 horas por dia. O site é atacado 750 mil
vezes por dia, incluindo por grupos como o Anonymous. Quem diria que tanta
gente reagiria com tanto ódio e repulsa à tentativa de preservar a vida de
crianças inocentes?
Mas eu lembro-me de
ver filmes das manifestações quando os primeiros alunos negros foram escoltados
para a Universidade de Alabama, e de ver multidões de meninas brancas
enfurecidas, com saias pelos joelhos, meias brancas e camisolinhas de lã a
gritar – a gritar até que quase desmaiavam de fúria – só de pensar na
possibilidade de permitir a entrada de um aluno negro na universidade.
Lembro-me de pensar “ena, isto é mesmo muita revolta contra uma pessoa negra a
entrar numa faculdade”. Mas lá estavam elas, num belo dia de verão, a vomitar
ódio, transformando-se em modelos de vergonha para todo o país ver.
Sejamos honestos,
portanto. Se o Supremo Tribunal cumprir o seu dever e revogar o Roe v. Wade – a
decisão que legalizou o aborto em todo o país – o mais provável é que se
desencadeie uma onda de violência que submergirá todo o país. É por isso que
eu, pessoalmente, não tenho grandes esperanças de que o tribunal assim faça.
Será visto como demasiado arriscado.
Todos sabemos quem
promove a violência e quem não. É por isso que eu acredito que o tribunal vai
encontrar uma forma de não revogar o Roe, isto é, pelas mesmas razões que
muitas das cidades foram colocadas em alerta antes de se anunciarem os resultados
das últimas eleições presidenciais. O medo era de que o país teria feito a
escolha “errada” e que os progressistas se amotinariam nas ruas. Toda a gente
sabe que se o Roe não for revogado os ativistas pró-vida ficarão desiludidos,
mas não se tornarão violentos. Se uma decisão leva à violência e outra não, o
que é que acham que o tribunal vai decidir?
Na década de 50 do Século
XIX muita “gente civilizada” preferia não falar da escravatura em público. E
assim hoje mesmo alguns padres e bispos católicos preferem não falar da nossa
“peculiar instituição”: o aborto. Quero dizer, é tão desnecessariamente
embaraçoso. Uma distração. Tão provável que provoque a fúria das elites
sofisticadas. É melhor, por isso, evitar a situação e não olhar diretamente
para o mal que são homens agrilhoados ou bebés em caixotes do lixo.
No seu excelente
livro de memórias “The Shantung Compound”, baseado
nas suas experiências num campo de concentração japonês durante a Segunda
Guerra Mundial, Langdon Gilkey recorda que sempre que surgia uma questão moral
no campo se repetia um padrão. Quanto mais educadas e respeitáveis as pessoas,
mais elegantes e avançados eram os seus argumentos em defesa dos seus próprios
interesses. Gilkey escreve que “as questões éticas da vida comunitária humana
são, por isso, a expressão exterior em acção de questões mais internas, podemos
até dizer religiosas. Porque a religião toca na mais profunda lealdade do homem
– aquilo que lhe dá o seu sentido de vida e forma os padrões da sua vida…
Quando a nossa principal preocupação se prende a um interesse parcial ou
limitado, naturalmente não conseguimos evitar manifestações de desumanidade
para com aqueles que estão fora desse interesse”.
À medida que avançamos
cada vez mais na era pós-cristã e que as preocupações das pessoas já não se
prendem com o seu Criador, nem são orientadas pela sua sabedoria e lei, podemos
esperar mais manifestações de desumanidade entre os homens. Quando os homens se
cansam da ordem divina e ligam idolatricamente a sua identidade a uma
ideologia, não demora muito até que gritem “caos, e soltamos os cães da guerra”.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela
primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 18 de Outubro de
2021)
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