Ines A. Marzaku |
Foi desta forma que o padre barnabita Giovenni Scalese,
superior da missio sui iuris no Afeganistão, anunciou o seu regresso a
Itália depois da retirada das forças internacionais.
Cheguei esta tarde ao aeroporto de Fiumicino com cinco
freiras e catorze crianças deficientes, de quem elas cuidavam em Cabul.
Agradecemos ao Senhor o sucesso da operação. Agradeço a todos vocês que ao
longo destes dias lhe dirigiram orações incessantes por nós e que, claramente,
foram atendidas. Continuem a rezar pelo Afeganistão e pelo seu povo!
O padre Scalese estava acompanhado de quatro Missionárias
das Caridade, a ordem de Madre Teresa, que estavam no Afeganistão desde 2006, e
de uma freira paquistanês, Bhatti Shahnaz, da Congregação de Saint
Jeanne-Antide Thouret. A irmã Shahnaz geria um acolhimento para crianças com
deficiências mentais que foi fundado pela associação Pro Bambini de Cabul.
Infelizmente essas crianças não puderam escapar. O regresso do padre Scalese a
Itália marcou o fim da missão de 88 anos dos barnabitas no Afeganistão.
Que resultados teve esta missão? Alguma coisa foi “concretizada”?
Os únicos missionários católicos no país foram forçados a
fugir e as perspetivas de que possam regressar são poucas. Mas a Igreja tem
enfrentado sempre desafios aparentemente impossíveis desde que apareceu em
pleno Império Romano, porém Deus lá vai conseguindo os seus caminhos.
Vale a pena, por isso, olhar para história e ter
esperança no futuro. Em 1921 a Itália tornou-se o primeiro país ocidental a
reconhecer e a estabelecer relações diplomáticas com o Afeganistão. Os dois
estados concordaram abrir embaixadas nos seus respetivos países e os afegãos
aceitaram que a embaixada
italiana tivesse um capelão católico. O Rei do Afeganistão naquela altura,
Amanullah, via com bons olhos a necessidade de dar assistência espiritual aos
estrangeiros a residir no país.
Um ano mais tarde fez o pedido ao Governo italiano.
Talvez tenha sido a primeira vez que um Rei de um país muçulmano tenha solicitado
um capelão católico para atender aos estrangeiros cristãos residentes. Havia
apenas duas condições, não poderia haver qualquer proselitismo da população
muçulmana e a capela deveria ser construída dentro da embaixada italiana, uma
vez que legalmente não se podia construir uma igreja em solo islâmico.
O Governo italiano pediu ajuda ao Papa Pio XI, que
afirmou: “Precisamos de um barnabita”. Optou assim pelos Clérigos Regulares de
São Paulo, conhecidos como barnabitas, e que incluem padres, religiosas e
leigos, sobretudo casais.
A ordem, fundada em 1530 inspira-se em São Paulo. O padre
Egidio Caspani foi selecionado para dar início à missão. Outro barnabita, o
padre Ernesto Cagnacci, viria a juntar-se-lhe como funcionário da embaixada
italiana. A primeira missa católica foi celebrada lá no dia 1 de janeiro de
1933, marcando o início oficial da missão.
O padre Giovanni Scalese, em Cabul |
A missão barnabita no Afeganistão operava com base no
modelo da Missão de Paulo em Malta, narrada em Actos, 28, 1-10. Era uma missão
de presença, partilha e gratidão. A presença e o serviço de Paulo para com os
ilhéus eram cristológicos: Cristo veio para servir e não para ser servido e
Paulo estava a imitar o mestre. O testemunho barnabita no Afeganistão era um
testemunho de Deus: eram padres católicos que se tinham tornado párocos por
excelência de todo Cabul, e antes da recente retirada gozavam já de uma
presença de quase um século entre o povo afegão.
Não é o primeiro caso de testemunhos santos de cristãos
entre muçulmanos e os resultados poderão um dia surpreender-nos. O beato
Charles de Foucauld, por exemplo com a sua mística imitação de Cristo entre os
muçulmanos do Norte de África, assemelha-se aos barnabitas no Afeganistão. A
vida e a morte de Foucauld foram um testemunho religioso profético. Da mesma
forma, os barnabitas e outros missionários cristãos viveram vidas no
Afeganistão que foram uma combinação de profecia, presença e diálogo. Estes
missionários optaram por viver a vida escondida de Jesus entre os muçulmanos
afegãos.
De uma perspetiva meramente humana estes esforços podem
parecer coisa pouca. Mas em vez de julgar com o olhar do mundo, seria bom
prestar atenção às palavras de São John Henry Newman, que dizia que os
verdadeiros profetas e místicos cristãos são aqueles que “vivem de uma forma
desprezada pelos restantes, escolhida por Jesus de Nazaré, para formar uma
resistência ao poder e a sabedoria do mundo… Aceitam de bom grado tudo o que
lhes sucede e tiram o melhor proveito de tudo.”
Os barnabitas não foram para o Afeganistão para converter
e evangelizar os muçulmanos locais, pregando abertamente o Evangelho. As
condições não o permitiam. Mas de acordo com fontes fiáveis, existe agora um
pequeno grupo de afegãos que se converteu do Islão e pratica o
Cristianismo em segredo. Tal como noutros países muçulmanos, esses
convertidos podem estar escondidos agora, mas talvez o futuro nos surpreenda.
Podemos falar da missão barnabita aos afegãos como uma
“missão cumprida?” Não, ou pelo menos não no sentido normal dessas palavras.
Mas há esperança para o futuro da missão no Afeganistão? O Afeganistão está
atualmente em caos. O testemunho que os barnabitas deixaram no Afeganistão são
sementes que poderão levar a um florescimento surpreendente, quando Deus assim
quiser, entre as futuras gerações de afegãos.
Ines A. Murzaku é professora de Religião na Universidade
de Seton Hall. Tem artigos publicados em vários artigos e livros. O mais
recente é Monasticism in Eastern Europe and the Former Soviet Republics.
Colaborou com vários órgãos de informação, incluindo a Radio Tirana (Albânia)
durante a Guerra Fria; a Rádio Vaticano e a EWTN em Roma durante as revoltas na
Europa de Leste dos anos 90, a Voice of America e a Relevant Radio, nos EUA.
(Publicado pela primeira vez no Sábado, 2 de Outubro de
2021 em The Catholic Thing)
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