Pe. Paul Scalia |
Mas São Patrício sabia melhor. Ele sabia que temos de ser
defendidos contra aquele “conhecimento” que não só não nos ajuda, como ameaça.
É um conhecimento que promete visão, mas resulta em cegueira.
Pelo menos o cego Bartimeu, cuja história ouvimos no
Evangelho do passado domingo, sabia que era cego. Foi esse conhecimento que o
levou a clamar: “Jesus, Filho de David, tem piedade de mim”. A cegueira dele
era saudável, na medida em que o levou a procurar uma cura. Mas a cegueira
causada pelo nosso próprio conhecimento é outra coisa. Cega enquanto afirma
dar-nos visão e por isso deixa-nos cegos para a nossa cegueira.
Pensemos por exemplo na mentalidade contraceptiva. Com a
aceitação generalizada do uso de contracepção pensávamos que tínhamos obtido um
conhecimento e uma sabedoria melhores que as dos nossos antecessores. De facto,
a mentalidade contraceptiva cegou-nos para aquilo que os nossos antepassados
bem sabiam: as verdades sobre o homem, a mulher, a sexualidade e o casamento.
Se a procriação pode ser eliminada da relação sexual,
porque é que esta deve ser reservada ao casamento? Para que é que precisamos do
casamento? Aliás, por que razão deve este acto ser restringido a um homem e uma
mulher? E uma vez que a contracepção rejeita aquilo que é distintivo do homem e
da mulher (a sua capacidade para procriar), porque havemos de pensar que ser
homem ou mulher significa algo, ou é sequer uma realidade? Assim vemos que nos
tornámos cegos a verdades que outrora eram bem conhecidas.
A mentalidade contraceptiva está ligada a outro conhecimento
que cega, a ideia moderna de que a liberdade significa a capacidade de fazer o
que me apetece. Segundo esse entendimento, a liberdade requer a rejeição de
todos os limites. Claro que quando removemos os limites às coisas elas perdem o
sentido. As coisas apenas têm sentido na medida em que são limitadas. O
ilimitado não é liberdade, e falta de sentido. Quando insistimos nesta
liberdade cegamo-nos ao nosso próprio sentido e assim abrimos a porta à
dissolução que agora vemos.
Depois temos o conhecimento cegante do “cientismo”. No
seu devido lugar, a ciência é um instrumento útil. Mas o cientismo, por outro
lado, é autoritário. O cartaz anuncia: “A Ciência é Real”. Mas o que isso
significa na realidade é que mais nenhuma forma de conhecimento será aceite
como real. É tanto uma afirmação como é uma ameaça. O cientismo fornece a
narrativa de que o homem estava na escuridão e ignorância até que a revolução
científica o salvou. Desde esse momento salvífico, somos todos mais sábios.
Dominámos o mundo (não obstante as pandemias). Claro que tudo o que o cientismo
faz é truncar o próprio conhecimento. Os nossos antepassados reflectiam sobre o
físico e o espiritual, o temporal e o eterno. O cientismo confina-nos ao físico
e temporal. O único verdadeiro conhecimento (A Ciência é real!) é aquilo que
podemos medir e quantificar. Longe de iluminar, isso cegou-nos para todo um
campo de visão. A narrativa dualista (velho mau/novo bom) criou um preconceito
nas nossas mentes, tornando-nos hostis a qualquer conhecimento ou verdade que
tenha havido antes.
Bartimeu mostra também que a visão requer uma certa
pobreza. Quando ele ouviu que o Senhor o estava a chamar “largou a sua capa e,
de um salto, pôs-se de pé e foi ter com Jesus”. A capa representava a
totalidade das suas posses. Mantinha-o quente quando estava frio e talvez
servisse de almofada quando se sentava para pedir. Mas a capa não era mais
importante que a visão. Ele está disposto a largá-la para poder correr, livremente,
em direção à cura.
A liberdade da cegueira requer pobreza, a disposição para
perder a nossa riqueza e o suposto controlo. No Sul, no Século XIX, os
benefícios financeiros da escravatura cegaram os homens para o grave mal dessa
instituição. Da mesma forma nós temos criado vidas autónomas e confortáveis em
torno do cientismo, uma noção falsa da liberdade e a mentalidade contraceptiva.
A capa que usamos é pesada, não é fácil descartarmo-nos
dela. Mas só vamos conseguir recuperar a nossa visão quando estivermos
dispostos a purgar-nos de tudo o que o nosso “conhecimento” nos deu. Resumindo,
o nosso problema não está ao nível do intelecto, mas da vontade. Temos de estar
dispostos a mudar radicalmente as nossas vidas para poder ver claramente.
Precisamos de ver. Precisamos de ser curados da nossa cegueira. Seguindo o exemplo Bartimeu, descartemo-nos da nossa falsa autonomia e riqueza, e corramos em direção ao Senhor, com aquela simples oração nos lábios, “Senhor, que eu veja.”
O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia,
do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o
delegado do bispo para o clero. É autor de That Nothing May Be Lost:
Reflections on Catholic Doctrine and Devotion e coordenador de Sermons in Times of Crisis: Twelve Homilies to Stir Your Soul.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 24 de Outubro de
2021 em The
Catholic Thing)
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