Matthew Hanley |
Há poucas semanas a Centers for Disease Control (CDC)
anunciou novas recomendações para a prevenção da SIDA. Pessoas não-infectadas
em risco de contracção de HIV deviam tomar um comprimido – um medicamento
antiretroviral – diariamente. Refere-se a isto como profilaxia “pré-exposição”.
A ideia de uma pessoa não infectada ter de tomar o mesmo
medicamento que um infectado, por um período indefinido, é de certa forma
triste, mesmo sem ter em conta a despesa, as possibilidades de efeitos
secundários graves e as implicações em termos de resistência aos medicamentos
no futuro.
Nem toda a gente acredita que o comprimido vai mudar o rumo
da prática actual, devido à forma imperfeita de protecção que providencia, a
potencial falta de adesão e o facto do efeito preventivo poder ser anulado por
um aumento de comportamentos de risco (como se viu quando se introduziram os
antiretrovirais e profilaxia de pós-exposição). Mas a medida está a ser
anunciada como uma revelação.
Seja como for, esta nova recomendação – que corresponde a
uma mudança de ênfase – surge acompanhada de um reconhecimento que foi pouco
divulgado. Os responsáveis da CDC, segundo o New York Times, “há muito que
estão frustrados pelo facto de o número de infecções de HIV nos Estados Unidos
mal ter mudado ao longo de uma década, mantendo-se teimosamente nos 50,000 por
ano, apesar de 30 anos a recomendar o uso de preservativos para bloquear a
transmissão”.
Não digam a ninguém, mas isto significa, basicamente, que
Bento XVI tinha razão quando teve a ousadia de observar que o preservativo não
é a solução para a crise da SIDA. Por isto, como se recordam, foi criticado e
acusado de ser uma ameaça à saúde pública. Que conclusões devemos tirar dos
nossos próprios responsáveis de saúde?
Este falhanço tem de ser encarado com silêncio porque a
questão mais séria – que precisamos de humanizar a sexualidade – é considerada
anátema. Nem quando estamos perante uma morbidez grave as autoridades sentem
que se deve ir por aí.
Estamos perante aquilo que o bispo e especialista em
bioética Elio Sgreccia referiu como “medicina ideológica”, que se opõe claramente
à medicina tradicional e hipocrática. A medicina ideológica preocupa-se com
poder – com a imposição de uma agenda que “ignora ou ultrapassa a questão da
verdade”. No seu diagnóstico, esta realidade corresponde precisamente à
“exploração da profissão médica para fins ideológicos, legais ou não, que estão
presentes na sociedade”.
A disciplina de Saúde Pública tem sido utilizada para
avançar o objectivo ideológico da normalização. (Aliás, seria difícil encontrar
uma profissão que não tenha sido sujeita às mesmas pressões). Os exemplos são
muitos, mas a Dra. Vanessa Cullins, vice-presidente para “questões médicas” na
Planned Parenthood deu-nos recentemente um exemplo claríssimo, num recente
vídeo de “orientação” online: “Em termos de doenças sexualmente transmissíveis,
deve esperar contrair o Vírus Papiloma Humano quando iniciar a sua intimidade
sexual”.
Ou então o editorial recente do New England Journal of
Medicine, que afirma que “a legalização do casamento entre pessoas do mesmo
sexo pode melhorar a saúde e o acesso a cuidados de saúde para pessoas da
comunidade LGBT”. Porquê? “Pessoas LGBT que vivem em estados que proíbem o
casamento homossexual têm maiores probabilidades que os seus pares noutros
estados de, por exemplo, apresentar sintomas de depressão, ansiedade e abuso de
álcool”.
Não faço ideia se o editor que deu espaço a este artigo de
propaganda acredita verdadeiramente que se trata de uma contribuição
medicamente útil. Também não sei o que é que é pior: pensar que sim, ou pensar
que não mas aceitar ainda assim. O que realmente vale a pena notar, contudo, é
o assumir implícito de que estes sintomas “depressão, ansiedade e abuso de
álcool”, resultam do facto de não se legalizar o casamento homossexual.
A medicina ideológica insiste que estes sintomas não podem
verdadeiramente, decisivamente, derivar do comportamento em si (incluindo
traumas prévios). Li algures, numa fonte de confiança, que o índice de suicídio
entre jovens homossexuais é muito mais alto do que a média nacional. Tanto quanto
sei não existe uma solução técnica para isso.
Em todos os casos, seja por causa do risco acrescido de
contracção de HIV ou de suicídio, é necessário manter-se a ilusão de que o
comportamento subjacente é normativo e saudável. A fachada de que os pacientes
possam estar a ser bem servidos desta forma é um exemplo clássico de medicina
ideológica.
Seria muito melhor, embora rebuscado, se o responsável pela
CDC fosse um discípulo de Pascal. Acreditar no que ele escreveu nos seus
Pensamentos seria um obstáculo ao avanço profissional, mas chegaria
ao cerne do problema com a filosofia actual de “redução de riscos”:
É perigoso mostrar claramente ao homem a sua igualdade com
as bestas sem lhe revelar também a sua grandeza. É também perigoso mostrar-lhe
demasiado claramente a sua grandeza, sem a sua vileza. É ainda mais perigoso
deixá-lo na ignorância de ambas.
As estratégias médicas para prevenção da SIDA conseguem
simultaneamente ter o homem em demasiado alta e demasiado baixa conta.
Demasiado alta no sentido em que justificam e facilitam qualquer forma de
comportamento, sem ver qualquer necessidade de emenda, porque consideram que o
homem não pode fazer o mal; em demasiado baixa conta porque acreditam que o
homem não tem capacidade de mudar e está irrevogavelmente preso a estilos de
vida destrutivos.
Ir demasiado longe em qualquer um destes sentidos é pedir um
desastre. E nós já fomos longe de mais.
A lei inscrita no coração do homem, como testemunha Santo
Agostinho nas suas Confissões, é tal que nem o mal mais entranhado pode apagar.
Não me parece ingénuo dizer que a esperança que deriva desta verdade vale mais
do que qualquer profilaxia farmacêutica.
Matthew Hanley é Investigador sénior no Centro Nacional de
Bioética Católica. Matthew Hanley é autor, juntamente com Jokin de Irala, de ‘Affirming
Love, Avoiding AIDS: What Africa Can Teach the West’, que foi recentemente
premiado como melhor livro pelo Catholic Press Association. As opiniões
expressas são próprias, e não da NCBC.
(Publicado pela primeira vez na Quinta-feira, 5 de Junho
2014 em The
Catholic Thing)
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Se o numero de infeçoes se mantem constante a 50,000 ha 30 anos, quando a populaçao era 100 milhoes mais pequena, entao quer dizer que os casos por mil habitantes descerem de 0,22 para 0,15. Parece que afinal o preservativo funciona.
ReplyDeleteA questão nunca esteve na eficácia do preservativo. Vivi no Zimbabwe entre 2000 e 2004 em que o preservativo foi o último recurso para travar a sangria na população em idade reprodutiva no país.
ReplyDeleteA questão na Medicina Ideológica está em que esta deixa de estar ao serviço do Homem tal como ele é e na sua circunstância real, para passar a estar ao serviço de um Homem Económico idealmente criado pelos Poderes Económicos e normativamente formulado pelo Poder Político.
Anónimo... em primeiro lugar o aumento não foi de 100 milhões, mas de cerca de 80 milhões, mas adiante.
ReplyDeleteSegundo essa lógica, deveríamos estar satisfeitos se ainda tivessemos Pólio e Influenza... já agora se de vez em quando tivessemos epidemias de peste negra, isso também não seria grave, desde que proporcionalmente não houvesse mais vitimas que o aumento da população.