Sugeri-lhe que lesse o livro Cooperation with Evil:
Thomistic Tools of Analysis do Pe Kevin Flannery para perceber que as
origens dessa distinção são pouco claras e a sua aplicação a casos específicos
é contenciosa.
O caso mais clássico (muitas vezes discutido e alvo de
muita discordância) envolve um servo a quem é dito que deve carregar um
escadote que o seu senhor pretende utilizar para subir a uma janela para cometer
adultério com a senhora da casa. Toda a gente concordava (pelo menos nessa
altura, se não agora) que o adultério é um mal e um pecado, a questão em causa
era o grau da colaboração do servo com o mal. Seria essa colaboração “formal”
ou “material”? Os casuístas discordavam, mas as opiniões também variavam consoante
os detalhes.
O servo sabia que era isso que o seu senhor
tencionava fazer? Sabia e concordava com o plano? Ou sabia e estava
resistente? Estava resistente e tentou convencer o seu senhor a desistir do
plano? Ou estava resistente, mas não disse nada?
Ou será que não sabia do plano, mas devia ter sabido,
sobretudo à medida que se aproximavam da casa? Nessa altura deveria ter-se
questionado sobre se o mestre pretendia cometer algum mal? A sua ignorância era
culpável ou não culpável?
Poderíamos dizer que a sua intenção era simplesmente de
ajudar o seu senhor e evitar ser castigado, mas não de ajudar o homem a cometer
adultério, sendo que nesse caso o adultério seria praeter intentionem
(não intencional) – um resultado previsível, mas não desejado – inocentando-o
de qualquer culpa?
Talvez agora se perceba porque é que estas questões deram
cabo da cabeça dos teólogos morais durante séculos, como ainda acontece, aliás,
embora com exemplos contemporâneos. Se um homem utiliza contraceptivos com o objectivo
de evitar contagiar a sua mulher com HIV, e ela consente, estão os dois isentos
de culpa?
Eu não tenho nenhuma sabedoria especial a partilhar sobre
como desenvencilhar estes nós intelectuais de forma universalmente
satisfatória. Apenas quero explicar porque é que acho que não é aconselhável
seguir por esta via. A confusão gerada por este tipo de linha de pensamento é
uma razão, mas outra é o facto de que esta abordagem conduz as pessoas a pensar
sobre o quão longe podem ir, em vez de pensarem no bem que podem e
devem fazer. Começam a regatear em vez de resolverem-se a fazer o que
podem.
Pensemos num exemplo mais actual, que não é de mais fácil
resolução e sobre o qual pode igualmente haver dificuldades e desacordos
semelhantes. Digamos que eu tenho acções de uma empresa, pode ser directamente,
ou pode ser através de um fundo. Agora, digamos que esta empresa (a) apoia o
aborto; ou (b) abusa das suas empregadas; ou (c) não paga um salário justo aos
seus empregados. É só escolher.
Não se trata de ser conservador ou progressista. A minha
colaboração com o mal que a empresa está a cometer não é apenas “material”?
Sendo assim não preciso de vender as acções, e posso continuar a receber os
lucros?
Mas as pessoas pensam: Se a minha colaboração for
meramente “material”, faria diferença eu saber? Eu até posso saber que algum
do aço fabricado pela minha empresa é usada em clínicas de aborto, mas isso
torna a minha colaboração formal ou apenas material?
E se a minha intenção for de sustentar a minha família,
mas não apoiar o aborto? Isso altera a moralidade ou a imoralidade de possuir
aquelas acções? Bom, consideremos isto: Se a intenção do guarda alemão em Auschwitz
for de sustentar a sua família, isso iliba-o de qualquer culpa?
Não tenho qualquer sabedoria salomónica para convencer
toda a gente sobre essa questão. A minha preocupação é que em vez de perguntar “Que
bem posso e devo fazer no mundo, ainda que isso implique sacrifício da minha
parte?” estamos a perguntar: “Até onde posso ir sem ser culpável ou culpado?” Parece-me
que a primeira é a questão que devíamos estar a colocar; a segunda é o caminho
para a perdição.
Muitas vezes a chave está na forma como a pergunta é
colocada. Assim, por exemplo, no caso do servo com o escadote, em vez de
perguntar se isto seria colaboração “formal” ou “material”, poderíamos estar a
perguntar o que queríamos que esta pessoa, com o seu escadote, fizesse caso
fosse o marido daquela mulher, ou a própria mulher, num momento mais lúcido. Talvez
pensasse assim: A regra é “faz aos outros o que gostarias que fizessem a ti”. A
essa luz, como devo agir? O que devia fazer?
Ou então poderia perguntar-se: “O que é que Deus quereria
que eu fizesse? Se Cristo aparecesse neste preciso momento e me encontrasse com
este escadote, eu ficaria envergonhado? Seria capaz de o olhar nos olhos e tecer
argumentos sobre colaboração formal e material?”
Nem sempre será possível evitarmos a colaboração com o
mal, mas isso faz parte da vida num mundo decaído. Algumas das traves de aço
que são usadas para fazer igrejas são também usadas para a construção de
clínicas de aborto. É inevitável que haja alguma colaboração com o mal.
Mas não deveríamos fazer tudo ao nosso alcance para
resistir ao mal e tornarmo-nos, na medida do possível, instrumentos do amor e
da luz de Deus, brilhando na escuridão? Não estou a sugerir que eu sou um
instrumento desses – longe disso – apenas digo que acho que seria melhor se
todos fôssemos.
Por isso, embora as categorias da colaboração formal e
material tenham o seu lugar, essa talvez não seja sempre a melhor forma de
começar a pensar nas decisões morais que temos de tomar nas nossas vidas.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na terça-feira, 22 de Agosto de 2023)
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