Não conheço pessoalmente o novo Patriarca, mas aquilo que
me têm dito os que o conhecem é que é um homem de oração, de uma profunda espiritualidade,
e um pastor. Isso são, claro, grandes trunfos.
D. Rui Valério é também um homem muito ligado à missão.
Para além de ter sido formado e ordenado nos Missionários Monfortinos, foi um
dos missionários da Misericórdia durante o Jubileu Extraordinário da Misericórdia,
em Lisboa. A sua nomeação pode, por isso, reflectir a questão de o Patriarcado
ser hoje também terreno de missão, uma vez que grande parte da sua população se
encontra descristianizada, se não abertamente, pelo menos na prática.
Ao contrário do que tem sido a norma no Patriarcado nas
últimas décadas, D. Rui Valério é também um homem com uma significativa
experiência paroquial. Foi pároco em Castro Verde, no Alentejo – certamente uma
realidade muito diferente da que vai encontrar em Lisboa, mas que pode ter-lhe
dado uma boa bagagem – e foi também pároco no Patriarcado, nomeadamente em
Póvoa de Santo Adrião. Enquanto pároco teve de lidar com situações por vezes
difíceis, o que é essencial para o trabalho que terá agora pela frente.
O novo Patriarca faz este ano 59 anos, por isso, em
condições normais, terá pelo menos 15, talvez 17 anos à frente da Igreja
lisboeta. Toma posse a 2 de Setembro, na Sé Patriarcal.
Abusos, legado da JMJ e reformas
Um dos principais desafios que D. Rui Valério terá agora
pela frente é a de dar continuidade ao processo de lidar com a questão dos
abusos sexuais. Nesta situação em particular, Lisboa já tem muito caminho
percorrido e pessoas de confiança em lugares-chave, por isso terá o trabalho
facilitado. Há que continuar a ir agilizando processos e, sobretudo, não
atrapalhar.
A este respeito note-se que D. Rui Valério chega com uma
folha em branco. A diocese das Forças Armadas é a única que não teve qualquer
denúncia de casos de abusos, o que é aliás compreensível dada a sua natureza.
Isso significa que ninguém tem nada a apontar ao bispo na forma como ele lidou
com casos, mas significa também que não sabemos como é que ele lidará com o
assunto no futuro. Só podemos esperar que tenha aprendido muito com os bons
exemplos e, também, com os maus exemplos dos seus pares no episcopado, ao longo
dos últimos meses.
A nível teórico, tem algumas palavras sobre o assunto. Na
altura em que foram provisoriamente afastados cinco padres do Patriarcado de
Lisboa, foi questionado pela CNN e preferiu falar das vítimas: “Acho que aquilo
que é importante nesta altura é nós começarmos a falar das vítimas. Este é o
tempo das vítimas. É o tempo de irmos ao encontro delas. Não sei se nós temos
exata noção de que quem foi vítima de um abuso desta natureza está numa
condição de sofrimento... Há traumas que estão ativos e tudo isso é preciso
cuidar, é preciso tomar conta”, afirmou. São palavras atenciosas e firmes.
Esperemos que não haja qualquer dificuldade em passá-las à prática.
O novo Patriarca terá também muitos outros desafios
práticos. Há decisões e reformas que é necessário fazer no Patriarcado de
Lisboa. Será necessário em primeiro lugar discerni-las e depois aplicá-las.
Como podemos adaptar a estrutura paroquial a um presbiterado cada vez mais
pequeno? É possível travar, ou mesmo inverter essa crise vocacional? Um dos
grandes perigos em qualquer diocese é a divisão dos padres em grupinhos e
tendências, de costas voltadas, conseguirá ele evitar que isso aconteça em
Lisboa, promovendo a unidade? Existe no Patriarcado um grande tecido de
respostas sociais, como podemos tornar o seu funcionamento mais eficiente,
promovendo economias de escala numa altura de dificuldades e em que o Estado
parece cada vez mais apostado em tomar o lugar da Igreja neste campo?
E depois, claro, temos o facto de a sociedade portuguesa
olhar para o Patriarca de Lisboa – erradamente, é certo, mas é uma realidade –
como a figura-de-proa da Igreja nacional. D. Rui Valério tem duas licenciaturas
de prestigiadas universidades em Roma, não será certamente desprovido de
inteligência, mas D. Manuel Clemente já tinha uma reputação de figura
intelectual que o ajudava a impor as suas opiniões. D. Rui Valério terá, nesse
campo, de começar do zero e conquistar esse espaço.
Do ponto de vista puramente pessoal, e como católico do
Patriarcado de Lisboa, posso dizer que conheço pessoalmente D. Manuel Clemente,
desde a minha infância. Tenho por ele uma estima enorme e nunca tive
dificuldade em ver nele uma figura de paternidade episcopal, o que tornava mais
fácil gostar dele e colocar-me ao seu lado, mesmo nos tempos mais difíceis, e
sem que isso me impedisse de criticar, em liberdade, o que achava que devia ser
criticado.
Já D. Rui Valério não conheço de todo. Mas a partir de hoje – ou mais precisamente a partir do momento em que for empossado – ele é o meu bispo, o meu Patriarca, e tem da minha parte toda a lealdade e afectividade que como tal sinto que lhe devo.
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