Pe Paul Scalia |
Talvez um dos ensinamentos mais difíceis da Igreja seja
sobre ela própria: de que é santa. Como é que é possível? Conhecemos a sua
história suficientemente bem para saber que existe nela todo o género de
impureza. E o que é mais importante, e mais imediato, é que sabemos que nós
mesmos – membros da Igreja – somos assolados pelo pecado. Ainda assim, no Credo
confessamos que a Igreja é santa, e a parábola de domingo passado, do trigo e
do joio, pode ajudar a compreender melhor esta doutrina.
A parábola descreve algo que era suficientemente
frequente na antiguidade para que existissem leis específicas sobre o assunto.
Um homem semeava joio no campo de trigo do seu inimigo. A erva assemelha-se ao
trigo e crescia juntamente com ele. Mas se não fosse eliminado seria colhido
com o trigo, entrava no pão e envenenava os consumidores, por vezes fatalmente.
Nosso Senhor deixa claro que a Igreja – os filhos do
Reino – é a boa semente que o Pai semeou no mundo. Logo, a Igreja é santa. Não
é uma mera criação humana, mas a fundação e a casa do Senhor, plantada pela sua
mão, estabelecida como Corpo de Cristo. A Igreja é a árvore que cresce ao
contrário, com as raízes no céu e os ramos aqui na terra.
Mas a Igreja existe num mundo caído, e o inimigo está à
espreita. Como a parábola torna claro, ele semeia sementes más entre os filhos
do reino. Há veneno, é verdade, mesmo dentro da Igreja. O problema é que a
semente má é muito parecida com a boa. Por isso o Senhor da casa diz aos seus
criados para esperar. Deixem-nos crescer juntos até ao tempo da colheita. Nessa
altura será possível discernir e julgar.
Uma primeira lição da parábola é que não nos devemos
surpreender com a maldade e a podridão na Igreja. Devemos ficar desiludidos,
tristes e zangados, sim. Mas surpreendidos não. A existência de ervas daninhas
entre o trigo é evidente desde os primeiros dias da Igreja, até aos dias de
hoje.
A parábola é também uma lição sobre a paciência de Deus. A
Igreja faz a sua peregrinação ao longo da história na posse de verdadeira e
autêntica santidade, mas ainda assim semper purificanda – sempre a
precisar de purificação. Não existe uma “era dourada” da Igreja, porque sempre
existiu joio entre o trigo. O Pai chama-nos à fasquia mais alta, à santidade, mas
é paciente connosco enquanto nos esforçamos por lá chegar.
Mais importante que tudo, a parábola é um convite para
participar na paciência de Deus. Muitos dos que parecem ser joio acabarão por
se revelar trigo – e vice-versa. Ele é paciente contigo, que por vezes pareces joio,
e convida-te a seres paciente com o teu vizinho irritante, que pode bem ser
trigo.
E isto leva-nos à questão da disciplina e do castigo na
Igreja. A parábola não pode ser lida em isolamento. Noutro local o Senhor dá
instruções claras sobre como corrigir um irmão e, se ele não se arrepender, que
“seja para vós como um gentio, ou um publicano” (Mateus 18,17). Paulo tinha
recomendações severas para lidar com os transviados. “Com o poder do Senhor
Jesus Cristo, entreguem esse homem ao poder de Satanás para que, embora o corpo
se perca, o seu espírito possa salvar-se no dia em que o Senhor vier. (1
Coríntios 5, 4-5).
Tudo isto significa que existe um lugar para identificar
e corrigir aqueles que se tresmalharam. Mas isso cabe aos pastores, e não às
ovelhas. A parábola de hoje é dirigida às multidões, não aos apóstolos. Os
bispos têm o direito de disciplinar, porque têm essa incumbência. Tal
disciplina procura o bem das almas, clarificando os ensinamentos e evitando o
escândalo. Mas quando os pastores não disciplinam, os membros da Igreja perdem
a paciência e assumem eles o papel de arrancar o joio, levando com ele muito
trigo.
De quem é que te gostarias de livrar? Essa questão
leva-nos muito rapidamente ao centro da parábola. Cuidado, porque aqueles que tu
consideras joio podem muito bem ser do trigo que dá mais frutos no Reino. E tu,
és trigo ou joio? Essa pergunta leva-nos ao centro da parábola ainda mais
rapidamente. Devemos preocupar-nos menos com o joio dos outros, e mais em
darmos nós fruto. Devemos participar da paciência de Deus, sem apelidar os
outros de semente má, nem presumir que somos bons. A sua graça está a trabalhar
dentro de cada um de nós, instando-nos a voltarmo-nos para Ele, para sermos
santificados.
Deixai-os crescer juntos até à colheita. Estas palavras
expressam paciência, mas não indulgência. A paciência de Deus tem limites, e
está ordenada para a nossa conversão. Por isso ainda que a sua paciência nos
console e encha de esperança, esforçamo-nos para dar fruto no dia da prestação
de contas, na colheita.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington,
pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o
clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 23 de Julho de
2023 em The Catholic Thing)
© 2023
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment