Stephen P. White |
Mais de um milhão de homens, mulheres e crianças, na sua
maioria judeus, foram assassinados no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau.
Foi lá que São Maximiliano Kolbe se ofereceu para tomar o lugar de um homem
condenado, dando a sua própria vida pela de um outro prisioneiro. Foi lá também
que a filósofa e freira carmelita, Irmã Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein),
foi gaseada e cremada em Agosto de 1942.
O inconcebível massacre de Auschwitz terminou finalmente
quando o Exército Vermelho chegou, no início de 1945. A ideologia do terror
Nazi foi vencida, só para ser substituída pela outra ideologia totalitária do
Século XX.
Por aqui, a Segunda Guerra Mundial é recordada por vezes
como a guerra que a Polónia perdeu duas vezes: primeiro em Setembro de 1939,
quando o país foi invadido a partir do ocidente pelas forças do Terceiro Reich,
e do oriente, pelo exército soviético; e depois da Guerra quando a Polónia,
como grande parte da Europa central e de leste, foi abandonada pelos aliados
ocidentais, para ficar debaixo do domínio comunista durante mais de quatro
décadas.
Tem sido para mim um privilégio passar várias semanas a
leccionar na Polónia todos os verões. Ao longo dos últimos 18 anos os alunos
foram mudando, tal como mudaram as grandes preocupações e os assuntos mais
urgentes da actualidade. Quando o seminário foi fundado, em 1992, (muito antes
do meu tempo) o objectivo principal era formar os futuros líderes das “novas
democracias” que estavam a emergir depois de meio século de domínio comunista,
para que a doutrina social da Igreja e a sua visão e entendimento da pessoa
humana, da solidariedade, subsidiariedade e bem comum pudessem contribuir para
a construção do futuro pós-comunista.
A liberdade, quando desligada das verdades sobre o homem,
torna-se invariavelmente autodestrutiva. Nem as mais elegantemente escritas
constituições democráticas, nem a mais eficiente das economias produtivas pode
alterar este facto humano.
Como disse João Paulo II em Centesimus annus: “Na
sociedade onde a sua organização reduz arbitrariamente ou até suprime a esfera
em que a liberdade legitimamente se exerce, o resultado é que a vida social
progressivamente se desorganiza e definha.”
O Papa polaco ofereceu um aviso semelhante aos que viriam
a ver na licença o remédio para a opressão comunista. “Uma liberdade que por si
própria recusasse vincular-se à verdade, degeneraria em arbítrio e acabaria por
submeter-se às paixões mais vis, e por se autodestruir.” Quando uma nação, seja
por força ou por escolha, vive segundo a mentira por tempo suficiente, as
consequências vão para além da doença económica e da disfunção política. Os
hábitos mudam. As culturas também.
Edith Stein |
Grande parte do Ocidente está inoculada contra o
Evangelho. É como se as nossas sociedades não fossem apenas indiferentes, mas
imunes à Boa Nova. Os “anticorpos” culturais do Ocidente pós-cristão tornam a
missão de evangelizar ainda mais difícil. Tudo isto levanta diversas questões: os
nossos esforços para humanizar e construir uma sociedade mais justa podem
superar a tendência da nossa política, economia e tecnologia para desumanizar e
corromper? Podemos construir de dentro uma cultura saudável, mais rapidamente
do que é erodida de fora?
Estas questões tornam-se ainda mais perturbadoras quando
se considera que as instituições que sempre serviram de obstáculo às piores
formas de corrupção cultural – a família e a Igreja – estão, em muitos lugares,
em crise. Hoje enfrentamos estes desafios, por assim dizer, de mãos atadas
atrás das costas. A esperança pode ser difícil de conseguir.
O meu colega George Weigel alertou para aquilo que
apelida de “tirania do possível”, a ideia de que por piores que sejam os tempos
em que nos encontramos, por mais escuro que o futuro possa parecer, as coisas não
poderiam ser diferentes daquilo que são. A história da Polónia também tem umas
lições para nos dar a este respeito.
Foi há apenas uma geração que a força sufocante e
aparentemente inquebrável do comunismo nesta parte do mundo terminou de forma
abrupta e inesperada, com os eventos de 1989 e depois. E hoje os mártires de
Auschwitz são venerados como símbolos de esperança e bondade, mesmo no meio do
mal mais inexplicável. A história deste lugar está cheia de recordações de que
a salvação não está nas promessas vãs das ideologias, nem nos poderosos deste
mundo, mas naquele que se sujeitou à morte e que chama cada um de nós para O
seguir até ao Calvário.
Na próxima semana o grupo vai visitar um local muito
diferente de Auschwitz: o Santuário da Divina Misericórdia, onde os restos
mortais de Santa Faustina Kowalska descansam debaixo da imagem que emergiu da
obscuridade para ser venerada por todo o mundo. A misericórdia de Deus limita o
mal do mundo. A sua luz brilha na escuridão – uma luz que as trevas não compreendem.
Ele conquistou até a morte.
Si deus nobiscum quis contranos?
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no
Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The Catholic Thing na Quinta-feira, 13 de Julho de
2023)
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