Wednesday 19 July 2023

Se Deus está Connosco

Stephen P. White
Cracóvia, Polónia – Escrevo estas linhas enquanto os participantes do Seminário Tertio Millennio sobre a Sociedade Livre acabam de assistir a uma palestra sobre bioética. Os alunos vêm de nove países diferentes, para estudar a doutrina social da Igreja durante três semanas, aqui na Polónia. Ainda hoje visitarão o lugar a que João Paulo II chamou “Gólgota do mundo moderno”.

Mais de um milhão de homens, mulheres e crianças, na sua maioria judeus, foram assassinados no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. Foi lá que São Maximiliano Kolbe se ofereceu para tomar o lugar de um homem condenado, dando a sua própria vida pela de um outro prisioneiro. Foi lá também que a filósofa e freira carmelita, Irmã Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), foi gaseada e cremada em Agosto de 1942.

O inconcebível massacre de Auschwitz terminou finalmente quando o Exército Vermelho chegou, no início de 1945. A ideologia do terror Nazi foi vencida, só para ser substituída pela outra ideologia totalitária do Século XX.

Por aqui, a Segunda Guerra Mundial é recordada por vezes como a guerra que a Polónia perdeu duas vezes: primeiro em Setembro de 1939, quando o país foi invadido a partir do ocidente pelas forças do Terceiro Reich, e do oriente, pelo exército soviético; e depois da Guerra quando a Polónia, como grande parte da Europa central e de leste, foi abandonada pelos aliados ocidentais, para ficar debaixo do domínio comunista durante mais de quatro décadas.

Tem sido para mim um privilégio passar várias semanas a leccionar na Polónia todos os verões. Ao longo dos últimos 18 anos os alunos foram mudando, tal como mudaram as grandes preocupações e os assuntos mais urgentes da actualidade. Quando o seminário foi fundado, em 1992, (muito antes do meu tempo) o objectivo principal era formar os futuros líderes das “novas democracias” que estavam a emergir depois de meio século de domínio comunista, para que a doutrina social da Igreja e a sua visão e entendimento da pessoa humana, da solidariedade, subsidiariedade e bem comum pudessem contribuir para a construção do futuro pós-comunista.

A liberdade, quando desligada das verdades sobre o homem, torna-se invariavelmente autodestrutiva. Nem as mais elegantemente escritas constituições democráticas, nem a mais eficiente das economias produtivas pode alterar este facto humano.

Como disse João Paulo II em Centesimus annus: “Na sociedade onde a sua organização reduz arbitrariamente ou até suprime a esfera em que a liberdade legitimamente se exerce, o resultado é que a vida social progressivamente se desorganiza e definha.”

O Papa polaco ofereceu um aviso semelhante aos que viriam a ver na licença o remédio para a opressão comunista. “Uma liberdade que por si própria recusasse vincular-se à verdade, degeneraria em arbítrio e acabaria por submeter-se às paixões mais vis, e por se autodestruir.” Quando uma nação, seja por força ou por escolha, vive segundo a mentira por tempo suficiente, as consequências vão para além da doença económica e da disfunção política. Os hábitos mudam. As culturas também.

Edith Stein
Depois de quase meio século de comunismo, o tipo de hábitos – as virtudes – sobre as quais assentam o autogoverno tinham atrofiado. Os cidadãos precisaram de aprender (ou reaprender) aquilo que outrora tinham sido simples verdades: que a confiança e a verdade não são fragilidades políticas, mas virtudes sociais necessárias. Isto leva tempo. Pode levar gerações.

O mesmo se aplica ao Ocidente, onde os hábitos de licença e excesso se tornaram comuns, ou quase a norma. Consumismo, individualismo, relativismo: estes vícios dissolvem as estruturas da solidariedade que devem dotar a sociedade de vitalidade e força. O resultado vê-se nas formas de profunda alienação social, preocupantemente parecidas com a alienação produzida pelo comunismo. A nossa relativa riqueza e poder tecnológico só pioram as coisas, tornando-nos complacentes.

Grande parte do Ocidente está inoculada contra o Evangelho. É como se as nossas sociedades não fossem apenas indiferentes, mas imunes à Boa Nova. Os “anticorpos” culturais do Ocidente pós-cristão tornam a missão de evangelizar ainda mais difícil. Tudo isto levanta diversas questões: os nossos esforços para humanizar e construir uma sociedade mais justa podem superar a tendência da nossa política, economia e tecnologia para desumanizar e corromper? Podemos construir de dentro uma cultura saudável, mais rapidamente do que é erodida de fora?

Estas questões tornam-se ainda mais perturbadoras quando se considera que as instituições que sempre serviram de obstáculo às piores formas de corrupção cultural – a família e a Igreja – estão, em muitos lugares, em crise. Hoje enfrentamos estes desafios, por assim dizer, de mãos atadas atrás das costas. A esperança pode ser difícil de conseguir.

O meu colega George Weigel alertou para aquilo que apelida de “tirania do possível”, a ideia de que por piores que sejam os tempos em que nos encontramos, por mais escuro que o futuro possa parecer, as coisas não poderiam ser diferentes daquilo que são. A história da Polónia também tem umas lições para nos dar a este respeito.

Foi há apenas uma geração que a força sufocante e aparentemente inquebrável do comunismo nesta parte do mundo terminou de forma abrupta e inesperada, com os eventos de 1989 e depois. E hoje os mártires de Auschwitz são venerados como símbolos de esperança e bondade, mesmo no meio do mal mais inexplicável. A história deste lugar está cheia de recordações de que a salvação não está nas promessas vãs das ideologias, nem nos poderosos deste mundo, mas naquele que se sujeitou à morte e que chama cada um de nós para O seguir até ao Calvário.

Na próxima semana o grupo vai visitar um local muito diferente de Auschwitz: o Santuário da Divina Misericórdia, onde os restos mortais de Santa Faustina Kowalska descansam debaixo da imagem que emergiu da obscuridade para ser venerada por todo o mundo. A misericórdia de Deus limita o mal do mundo. A sua luz brilha na escuridão – uma luz que as trevas não compreendem. Ele conquistou até a morte.

Si deus nobiscum quis contranos?


Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.

(Publicado em The Catholic Thing na Quinta-feira, 13 de Julho de 2023)

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