Contudo, consumada a decisão
do Papa, podemos tentar analisar e contextualizar.
Lisboa ou Roma?
Ao ouvir o anúncio, muitas
pessoas assumiram que com este gesto o Papa está já a dar um sinal de quem vai
suceder a D. Manuel Clemente como Patriarca de Lisboa. Aliás, faria mais que
sentido. D. Américo é o “delfim” de D. Manuel. O actual Patriarca fez questão
de o trazer do Porto, onde já tinham trabalhado juntos e onde D. Américo se
tornou o seu braço direito; conseguiu que ele fosse nomeado bispo auxiliar de Lisboa
e durante muito tempo pareceu um dado assente que D. Américo seria o sucessor
designado.
Contudo, e com base nas informações
que tenho até ao momento, esse cenário de D. Américo ser o próximo Patriarca de
Lisboa está posto de parte. Tanto quanto sei, o seu nome nem consta da actual
terna – a lista de três hipóteses elaborada pelo Dicastério para os Bispos, com
o precioso auxílio da nunciatura – que vai ser apresentada ao Papa para ele
escolher. Não que isso tenha impedido o Papa, no passado, de fazer as suas
próprias escolhas… Contudo, neste caso, parece-me claro que D. Américo não será
o próximo Patriarca.
Sendo assim, também é muito
pouco provável que Francisco tenha criado D. Américo cardeal para o enviar para
outra diocese em Portugal. (O Porto faria algum sentido, sendo a sua diocese de
origem, e nos piores momentos da crise dos abusos em Portugal ainda me ocorreu que
D. Manuel Linda fosse retirado de lá, mas, entretanto, recebeu novos auxiliares, pelo que deve estar para continuar por lá.) De resto, não vejo o Papa
a enviar D. Américo para Setúbal, ou para a Guarda, nem a permanecer em Lisboa
como auxiliar depois da saída de D. Manuel, pelo que presumo que a sua próxima
paragem seja Roma. A confirmar-se o sucesso da JMJ, faria sentido ele ficar
mais permanentemente ligado à organização destes eventos, ou outros do género. Tenho
ouvido dizer que Francisco quer imprimir às JMJ um estilo diferente, mais
ecuménico, e D. Américo pode ser o homem que pretende para executar isso.
Mas mesmo a decisão de arranjar
um cargo para ele em Roma não explica a nomeação cardinalícia, pois uma das
marcas do pontificado de Francisco é precisamente que já não existem postos que
obrigam à nomeação cardinalícia. Daí que se há uma coisa de que podemos ter a
certeza é de que esta decisão do Papa Francisco é um sinal de estima pessoal e um
voto de confiança em D. Américo.
Subida meteórica
No meio disto tudo, convém não
esquecer que D. Américo ainda não tem 50 anos e que, ainda por cima, a sua foi
uma vocação tardia, tendo sido ordenado padre “apenas” aos 27 anos. Ou seja, em
22 anos ele passou de padre recém-ordenado a Cardeal, e tem agora 30 anos como
cardeal eleitor, podendo por isso escolher os próximos Papas. Isto não
significa que D. Américo seja “papabile”, parece-me muito prematuro falar de
tais hipóteses, mas a confirmar-se a sua ida para Roma, e conhecendo o jeito
para política, é de esperar que ele venha a desempenhar um papel importante em
futuros conclaves, que serão quase certamente mais que um.
Uma fartura de Cardeais
portugueses
O aumento do número de
cardeais portugueses durante o pontificado do Papa Francisco é incrível,
sobretudo se tivermos em conta que neste pontificado Francisco tem feito
questão de escolher cardeais das zonas mais variadas, em detrimento dos países
do “velho mundo” católico.
A partir do momento em que D.
Américo for elevado ao cardinalato teremos quatro eleitores, durante pelo menos
os próximos quatro anos, mas esse número até pode aumentar. Caso D. Américo vá
para Roma, o próximo Patriarca de Lisboa deve, segundo a bula “Inter praecipuas
apostolici ministerii”, de Clemente XII, de 1737, ser elevado ao cardinalato
logo no primeiro consistório a seguir à sua nomeação. É verdade que o Papa está
acima das próprias bulas, e no caso de D. Manuel Clemente a elevação foi feita
não no primeiro, mas no segundo consistório, já depois de D. José Policarpo ter
morrido.
Aqui entram em conflito
diferentes tradições e regras. Por um lado, a tal bula, e por outro o costume
de não nomear cardeal um arcebispo (neste caso Patriarca) enquanto o seu
antecessor ainda for eleitor. Mas a bula tem mais peso do que os costumes, embora
nem uma nem os outros obriguem o Papa a nada.
Por enquanto, podemos contar
pelo menos com quatro cardeais eleitores, e dois não eleitores. Ora, vejamos
isto à luz da actual realidade de países comparáveis com Portugal:
- A Irlanda, por exemplo, não tem um novo cardeal desde 2007.
- A Austrália, há 20 anos.
- Espanha tem, neste momento 12 cardeais, o dobro de Portugal, e vai ter mais dois, nomeados com D. Américo. Eleitores, tem seis e vai passar para oito, também o dobro. Mas Espanha tem quase cinco vezes mais população que Portugal, portanto em proporção pode-se dizer que Portugal tem mais cardeais do que Espanha.
- A Áustria e a Bélgica têm uma população comparável com a de Portugal e tem apenas um cardeal cada, que é eleitor.
- O Brasil tem oito cardeais, seis dos quais eleitores, e tem uma população 21 vezes maior que Portugal.
- Portugal passa a ter mais dois cardeais que o Canadá, e o mesmo número de eleitores, tendo o Canadá quatro vezes mais pessoas que Portugal.
Enfim, percebem a ideia.
Se juntarmos a isto o facto de
Portugal estar prestes a receber a segunda visita do Papa Francisco, quando
países como Espanha não receberam nenhum, percebemos que Portugal tem tido um
tratamento contracorrente neste pontificado, o que é muito interessante.
O que é que eu tenho dito cá em casa? Que deve estar a preparar-se um lugar para ele em Roma. Para organizar eventos. E não sabia desta ideia do Papa em relação às novas JMJ! Enfim... só espero que isto não seja apenas wishful thinking!
ReplyDeleteFeliz com a notícia do cardinalato de D. Américo. "O futuro a Deus pertence" (adágio popular)
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