Stephen P. White |
A Igreja não é meramente uma escola de pensamento
teológico ou filosófico. Nem a sua identidade se resume à sua tradição
intelectual, por mais magnífica que seja. Contudo, quando a Igreja pensa sobre
como se deve organizar para poder proclamar a Boa Nova de forma mais eficiente,
fá-lo a partir de um contexto distinto, de uma tradição específica. Quando se
esquece, ou ignora essa tradição, as coisas correm mal.
O que nos traz ao encontro do Sínodo da Sinodalidade, em
Outubro, sobre o qual muito já foi escrito, incluindo muitas críticas. Embora
eu partilhe de muitas dessas críticas, permitam-me tecer alguns comentários
cautelosos em sua defesa.
Uma das maiores críticas do Sínodo – uma crítica à qual a
sua liderança, incluindo o Papa Francisco, tem sido particularmente sensível –
é de que já existe uma conclusão predeterminada para os trabalhos.
O processo sinodal, dizem os críticos, está pensado para
dotar de credibilidade uma agenda predeterminada vinda do topo, pelas mãos dos
seus próprios organizadores. Embora tal agenda possa não beneficiar de
credibilidade ou de apoio, o processo sinodal fará com que pareça o resultado
da voz do Povo de Deus, o infalível sensus fidei!
O perigo dessa visão está no facto de ser simultaneamente
plausível (vide o “caminho sinodal” alemão) e de gerar níveis venenosos de
cinismo e desconfiança, e não apenas entre os teoristas da conspiração e os
malucos da internet. Durante o Sínodo para a Família, de 2015, um grupo de
cardeais expressou preocupações semelhantes directamente ao Papa Francisco. A
sua carta foi divulgada na imprensa, que tentou pintá-los como inimigos do
sínodo e, por extensão, do Santo Padre.
Num esforço para antecipar tais críticas, o Instrumentum
Laboris do actual sínodo enfatiza o facto de não estar a apresentar
conclusões antecipadas, mas apenas tópicos e perguntas para consideração e
discernimento. É por isso que o I.L. insiste, correctamente, que, “não é um
documento do Magistério da Igreja, nem um relato de uma sondagem sociológica;
não propõe a formulação de indicações operacionais, nem objectivos, nem a
elaboração plena de uma visão teológica”.
Estas afirmações de neutralidade convencem na mesma
medida em que se confia nos organizadores do sínodo.
Quanto ao Papa Francisco, tem insistido que “o sínodo não
é um parlamento, ou uma sondagem de opinião; o sínodo é um evento eclesial, e o
seu protagonista é o Espírito Santo. Sem a presença do Espírito, não haverá
sínodo”.
Isto pode ser lido como uma admissão, que entendo como
bem-vinda, de que o sucesso do Sínodo não é um dado adquirido. Se for um
esforço meramente humano, falhará.
A Igreja não pode suspender a crença em, ou fingir
neutralidade para com aquilo que lhe foi revelado – a Escritura e a Tradição –
na esperança de melhor poder compreender como proclamar a Boa Nova. A Igreja não
pode conduzir o sínodo como se não fosse portadora, e mesmo encarnação de uma
particular Tradição. Seria um erro grave tratar o Magistério como apenas uma
“agenda” entre outras.
Onde é que podemos ver a sinodalidade já em acção? Em
qualquer lugar onde a Igreja escuta cuidadosamente e avalia aquilo que ouve à
luz do que foi revelado pela Escritura e pela Tradição. Em qualquer lugar onde
os baptizados compreendem genuinamente que o pensamento aprofundado não é a
mesma coisa que o discernimento espiritual, mas que ambos são necessários.
Em qualquer lugar onde os baptizados, leigos e clero
levam a sério a responsabilidade de fortalecer a comunhão e participar
plenamente na missão da Igreja de acordo com a vocação, lugar e circunstância
de cada um.
Isto é que é sinodalidade autêntica: uma expressão
genuína da eclesiologia da Lumen Gentium, e um poderoso testemunho da verdade
do Evangelho. Alguém duvida seriamente que a Igreja e a sua missão estariam bem
servidas com mais disto?
Contudo, existem muitas regiões dentro da Igreja,
sobretudo aqui no Ocidente, onde esta vitalidade já não existe. Frequentemente
são estas partes moribundas da Igreja que, reconhecendo a sua obsolescência, tentam
desesperadamente “fazer acontecer” a “sinodalidade”.
Onde a prevalência de uma eclesiologia atrofiada e
mundana impedem a sinodalidade de florescer de forma orgânica, tornar-se-ão mais
aparentes os esforços para a forçar. O resultado será uma sinodalidade
contrafeita, que lança os leigos e o clero uns contra os outros numa luta de
poder, que vê a fidelidade à Escritura e à Tradição como obstáculos à missão e
que medem o Evangelho segundo o Espírito do Tempo.
Os católicos devem evitar um optimismo ingénuo sobre o
sínodo, e resistir ao tipo de inovação mal pensada que fez tantos danos à
Igreja na sequência do Concílio Vaticano II. Mas também devemos ter cautela com
o tipo de cinismo implacável que, ao tentar evitar o desastre, também impede
uma genuína abertura às iniciativas do Espírito Santo.
O Sínodo é um processo arriscado, sem dúvida. Mas é
também uma oportunidade para um momento de verdadeira graça e rejuvenescimento,
uma oportunidade para a Igreja se tornar mais perfeitamente aquilo que já é.
Isto apenas acontecerá se a sua disponibilidade para escutar for igualada por
uma determinação de permanecer fiel à Escritura e à Tradição. A Igreja não pode
discernir bem se fingir não conhecer aquilo que, na verdade, já conhece.
(Publicado em The Catholic Thing no Domingo, 2 de Julho de 2023)
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