Wednesday, 4 January 2023

Benedictus qui venit in nomine Domini

Já esperávamos, devido à sua avançada idade e ao facto de o Vaticano ter avisado para a deterioração do seu estado de saúde, que Bento XVI estava perto de entrar para a eternidade. Mas, como sempre acontece quando alguém morre – ainda para mais um amado mestre, um académico, pastor e Papa – quando esse dia chega de facto não deixa de ser um choque, e tudo muda.

Joseph Ratzinger contribuiu de tal forma para a Igreja e para o mundo que o seu nome e legado entrarão agora na grande herança cultural da fé Católica, como matéria permanente para reflexão sobre numerosas coisas, tanto humanas como divinas.

Houve grandes momentos públicos na sua vida que deixaram marcas grandes nas recentes décadas. Por exemplo, foi acusado por alguns de ter sido um progressista durante o Concílio Vaticano II, mas de ter “passado para o lado negro” durante as manifestações estudantis de 1960. Mas uma análise rigorosa dos factos (veja-se, por exemplo, o livro “Bento XVI: Uma Vida”, de Peter Seewald), mostra que essa ideia é simplesmente errada.

O pensamento de Ratzinger movia-se de forma calma, silenciosa, consistente e a uma profundidade que não era afectada nas suas bases pelos tumultos sociais. A sua grande consistência, só por si, é um ponto de referência que deixa grandes saudades.

Os seus alunos mais radicais respeitavam-no – e elogiavam-no – por isso, ainda que tenha vindo a reconhecer os limites do “diálogo” com certo tipo de radicais no meio académico, na Igreja e no mundo em geral. Tratou-se de um discernimento que o serviu bem quando, enquanto bispo e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, teve de confrontar dissidentes, movimentos como a teologia da libertação e aquilo a que mais tarde veio a chamar o “Concílio dos Média”, que era bem diferente daquele que ele e o jovem Karol Wojtyla tinham ajudado a formar.

Para mim houve um encontro pessoal que resumiu grande parte da sua vida e pensamento. Foi-me pedido que escrevesse a história da Guarda Suíça por ocasião do seu 500º aniversário e ofereci-lhe um exemplar de “The Pope’s Army”, no dia 6 de Maio de 2006. Estávamos rodeados de uma multidão, mas pegou no livro e, tratando-o com o carinho de um verdadeiro bibliófilo, começou a folheá-lo, olhando com atenção para diferentes capítulos, e disse: “Isto é maravilhoso, agora posso ler sobre estes guardas que me protegem”.

A propósito, embora ainda haja muito por esclarecer sobre a sua resignação, os Guardas Suíços disseram-me na altura que, entre outras coisas, ele estava fisicamente exausto a um ponto que era doloroso ver.

Sempre me pareceu que a escolha do nome Bento – um entre dezasseis com o mesmo nome – era um símbolo de muitas coisas em que ele acreditava na sua vida. Benedictus, “abençoado” certamente, por ter nascido quem nasceu, e onde nasceu, e ao longo de uma longa vida. Benedictus, no sentido da continuidade com Bento XV, que quase um século mais cedo lidou com a Primeira Guerra Mundial e com os seus efeitos por todo o mundo. Mas, finalmente, Benedictus porque ainda que fosse Papa – e apesar de tanta sabedoria – era um mero cristão, numa longa linha que remonta ao próprio Cristo.


Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter Books.

(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 2 de Janeiro de 2023 em The Catholic Thing)

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