Wednesday 11 January 2023

Cardeal Pell, abusos e o perigo do histerismo

Morreu ontem o cardeal australiano George Pell.

O cardeal foi um homem muito importante para a Igreja, sobretudo ao longo da última década. Foi o escolhido pelo Papa Francisco para ajudar a pôr ordem nas finanças do Vaticano, tendo enfrentado forte resistência, e a dada altura viu-se acusado de ter cometido abusos sexuais sobre dois menores na Austrália.

Mesmo os mais avessos às teorias da conspiração, como eu, têm suspeitas de que possa haver uma ligação entre estes dois factos, sobretudo depois de se ter sabido que houve transferências de valores avultados da Santa Sé para a Austrália, ordenadas pelo Cardeal Becciu, um dos seus principais rivais na Curia romana, e que ainda estão por explicar.

Pell foi condenado em primeira e em segunda instância por ter abusado de dois acólitos depois de uma celebração na Catedral de Sidnei, quando era lá arcebispo. Cumpriu pena de prisão efectiva, até que a sua condenação foi revertida pelo Supremo Tribunal australiano, e saiu em liberdade.

Não há palavras para descrever a imensa injustiça que sofreu este homem, mas há aqui uma lição que é importante também para nós em Portugal.

Na altura em que Pell foi acusado e julgado a Austrália estava a acabar de atravessar um longo processo de revelação e investigação de crimes de abuso e de encobrimento por parte da Igreja Católica. Houve um inquérito levado a cabo por uma Comissão Real independente, que chegou a recomendar que fosse levantado o segredo de confissão.

Tudo isto para dizer que o ambiente na Austrália estava no ponto de histerismo para que mesmo num caso em que muito evidentemente não havia qualquer prova de culpa, um homem do estatuto de George Pell acabasse por ser condenado à prisão.

Portugal está neste momento a atravessar o mesmo processo que a Austrália e tantos outros países já atravessaram. Temos tido uma onda de revelações – não um tsunami, mas uma onda – e estamos a aguardar a publicação de um relatório da Comissão Independente, que certamente trará ainda mais casos a público. Gerar-se-á – e bem – uma onda de indignação por estes crimes e por quaisquer eventuais casos de encobrimento que se comprovem.

O que não podemos permitir é que essa indignação chegue ao ponto do histerismo, pois é nesse estado que se cometem injustiças.

O combate aos abusos sexuais, seja dentro seja fora da Igreja, deve ser implacável, mas deve ter sempre como bitola a justiça e a verdade.

Será demais pedir que em Portugal reine a serenidade sobre este assunto nos próximos meses, mas que nunca se caia na injustiça e na mentira, pois isso não beneficia ninguém.

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