Fala-se muito em “fake news”
hoje em dia, e na maior parte das vezes imaginamos notícias propositadamente
deturpadas, enganosas ou simplesmente inventadas, para alcançar algum fim
malévolo.
Mas na minha experiência a
maior parte das “fake news” que existem devem-se a erros básicos, ignorância e
falta de rigor jornalístico por parte de quem as escreve.
Hoje tive um exemplo perfeito
disso mesmo.
Esta notícia publicada pela Aciprensa Africa, um respeitável órgão católico, explica que em 2022 foram
assassinados 39 padres na Nigéria.
Todos sabemos que a Nigéria
está a atravessar um período muito difícil em termos de conflitos
inter-religiosos e perseguição dos cristãos, mas um dos meus trabalhos para a
fundação Ajuda à Igreja que Sofre ao longo de 2022 foi precisamente de ir
mantendo uma tabela com todos os casos de membros do clero ou freiras
assassinados, raptados ou detidos em contexto de perseguição, ao longo do ano. E
para a Nigéria o número total de assassinados que pudemos confirmar foi 4. Ou
seja, menos 35 do que a notícia da Aciprensa. Aliás, 35 é bastante mais do que
todos os padres católicos assassinados em 2022 no mundo inteiro! Estranho, no
mínimo, mesmo que admitamos que tenha havido mais do que 4, e que tenha havido casos que nos passaram despercebidos.
A notícia da Aciprensa indica como fonte um relatório de um respeitado organismo nigeriano, o SB Morgen Intel. Clicando no link, contudo, percebemos que não existe um relatório, mas um infográfico, intitulado “gráfico da semana”, que pretende mostrar a perseguição sofrida por padres católicos na Nigéria em 2022.
Claramente o problema está aqui. O gráfico, como podem ver, fala em 39 “incidentes”, dos quais resultaram 145 vítimas. Repare-se que “casualties” não significa necessariamente mortes, mas vítimas, que podem ser mortos ou feridos.
Contudo, no canto superior
direito existe de facto uma tabela mais pequena que diz indicar o número de “mortes
por zona geopolítica” e a soma dessas “mortes” dá de facto 39.
Estou a aguardar uma
explicação da SBM Intel, mas sinceramente acho que a explicação mais fácil para
isto é de que alguém na organização reciclou um gráfico e se esqueceu de trocar
a palavra “mortes” por “incidentes”. Um erro básico e até compreensível.
O problema é que, como se não
bastasse alguns estarem a fazer eco dos supostos 39 mortos, já apareceram
outros órgãos a expandir ainda mais o número. Assim, o Sahara Reporters conseguiu chegar a 145 padres mortos na Nigéria no espaço de um
ano. É só 36 vezes o número real!
E obviamente esse número já
foi replicado por incontáveis outros órgãos de informação, blogs, e posts nas
redes sociais, por pessoas que não estranharam nem foram capazes de ir
verificar.
Isto é fake news, como a conferência episcopal nigeriana já veio confirmar. E é assim que um erro, multiplicado várias vezes, acaba por desvalorizar um número que já por si nos devia chocar, que é a morte de quatro padres, em contexto violento, no espaço de apenas um ano, por tentarem ser fiéis à sua vocação.
No comments:
Post a Comment