Wednesday 25 January 2023

O palco da JMJ: O que sabemos e o que está por explicar

Desde que o texto original foi publicado, fiz alguns acrescentos que estão a negrito. 

Adenda no dia 27/01
O D. Américo Aguiar deu ontem uma longa conferência de imprensa sobre este assunto. Para mim, o essencial que se tira dessa conferência de imprensa foi que a Igreja não tinha noção do preço desta obra em particular, que os organizadores da JMJ ficaram chocados com o valor e que da parte da Igreja fica o compromisso de ver se há alguma exigência da JMJ que esteja a encarecer a obra e que possa ser dispensada, descendo assim o preço. 
Veremos o que sai dessa análise, mas este parece-me um bom compromisso da Igreja e uma boa posição para assumir. 
E acho que isto mostra também que nós, católicos, não temos de sair sempre em defesa da instituição quando surgem casos destes, muito menos queixarmo-nos de que tudo não passa de um ataque à Igreja, defendendo-a cegamente. Ontem ficou visto que até aos bispos este valor chocou e que se vai fazer os possíveis para diminuir o valor. 
De resto, claro que o palco vai custar dinheiro, mas isso é em grande parte porque a Câmara quer - e se Deus quiser o tempo lhe dará razão - aproveitar a obra para valorizar o espaço e rentabilizá-la ao longo dos anos. 

Já todos ouvimos a notícia. O palco que vai acolher o Papa Francisco para a celebração da missa final da JMJ vai custar 4,2 milhões de euros, mais IVA.

Há várias coisas a sublinhar nesta questão, e algumas perguntas que me parecem estar por responder.

  • O palco vai ser pago pela Câmara Municipal de Lisboa. Não estou com isto a dizer que a Igreja não tem nada a ver com o assunto, claro que tem, mas não faz sentido, como já vi, comentar que o dinheiro fazia mesmo falta era às obras sociais da Igreja Católica, porque se a Câmara não gastasse esta soma aqui, certamente que não a iria doar. Ou seja, não é dinheiro que está a ser tirado da boca dos pobres, pelo menos não dos pobres de quem a Igreja cuida.
  • O evento vai custar muito dinheiro, incluindo muito dinheiro dos contribuintes. Mas espera-se que dê retorno. A vida é assim. Claro que isso não significa que não se deva pedir contas e responsabilizar as pessoas pelas decisões tomadas.
  • Em defesa da obra alguns estão a sublinhar que esta poderá ser aproveitada para eventos futuros. Convém esclarecer, porém, que tanto quanto me foi dado perceber, o que será aproveitado é a pala, e não o palco, ou pelo menos não o palco no formato que terá para a missa. Por isso importaria discriminar o valor da obra. Quanto custa o palco para a missa? E quanto custa a pala? E no meio disto tudo há outros custos? Comissões? Seria importante perceber isto em mais detalhe, porque se a Câmara insiste em gastar 3 milhões de euros numa pala que vai rentabilizar no futuro, isso é um problema da Câmara, mas se o grosso do custo tem a ver com as especificações dadas pela Igreja para o palco, por exemplo, isso já coloca o problema mais do lado da Igreja. Sem saber, não adianta estar a atirar opiniões para o ar. [Já existem algumas respostas a esta questão. Segundo a ECO, pouco mais de um milhão de euros serão gastos na pala, pelo que o restante será, presumo, para o palco. Também a Câmara explicou que o palco também vai ser aproveitado para o futuro, mas "muito redimensionado", ou seja, não se aproveita tudo o que lá está, mas aproveita-se alguma coisa].
  • A Câmara diz que a obra respeita as especificações mandadas pela Igreja. Isso é importante, mas carece de algumas explicações. As especificações eram para a obra toda, ou incluíam a pala, que tudo indica ser a parte mais dispendiosa? Seria possível fazer uma obra respeitando as mesmas especificações, mas mais barato?
  • Uma das especificações que imagino que tenha sido colocada pela Igreja tem a ver com a dimensão do palco. O palco tem de ser alto, para poder ser visto do recinto todo, mas tem de ter aquele tamanho? Ao que consta, o tamanho deve-se ao facto de terem de lá caber todos os bispos esperados. Confirma-se? E não podem os senhores bispos, ou a maior parte deles, ficar uns metros mais abaixo e assim o palco não ter de ser tão grande? É só uma ideia. [Segundo um comunicado feito quarta-feira pela fundação JMJ, o palco tem de suportar 2000 pessoas, mil das quais são bispos. Penso que é legítimo perguntar se seria mesmo necessário os mil bispos estarem no palco? É que certamente permitiria fazer uma obra de uma dimensão muito mais reduzida].
  • Não obstante tudo o que foi dito acima, 4,2 milhões de euros é uma autêntica barbaridade. Claro que eu, como 99% das pessoas que comentam este assunto, não sabia nada sobre palcos e preços de palcos até hoje. Por isso, antes de comentar falei com quem sabe. A opinião dessas pessoas é de que seria possível fazer melhor (no sentido de mais bonito) por muito, muito menos. Foi-me dito ainda que nem este arquitecto, que é funcionário da Câmara, seria o mais adequado para desenhar este tipo de obra, nem a Mota Engil é a empresa mais adequada para a construir. [A Câmara diz que consultou sete empresas e optou pela mais barata. Seria interessante saber quais as outras empresas e se foi consultada alguma empresa especializada em fabricar palcos.]
  • Há uma outra questão que carece de resposta. Num evento que beneficiou de quatro anos de planeamento, porque é que se esperou até tão tarde para avançar com o projecto e adjudicação da obra do palco? Talvez haja razões legítimas. Se calhar não se podia avançar sem ter uma vaga ideia do número de participantes, mas a verdade é que desde o início que se fala de cerca de um milhão. Isto devia ser explicado também, porque a pressa em concluir a obra e a falta de concurso público podem também ter contribuído para o alto preço

Não me parece que estas questões sejam de impossível resposta. A Câmara tem feito algum esforço para vir esclarecer, mas parece-me que há mais para se explicar. A Igreja tem estado em silêncio, o que é mais difícil de compreender, mas deve-se pôr a hipótese de a Igreja não ter dados à mão para vir prestar esclarecimentos, uma vez que o projecto é da Câmara e a despesa é da Câmara. Em todo o caso, politicamente, o silêncio está a tornar-se pesado e convém que alguém diga, rapidamente, alguma coisa em nome da organização da JMJ. [Entretanto surgiu o comunicado da fundação JMJ, acima mencionado e na quinta-feira o D. Américo fez uma longa conferência de imprensa sobre o assunto].

Fica o desafio para todos os que lêem este artigo para contribuírem para estes esclarecimentos, mas com opiniões fundados e factos, porque os achismos não acrescentam nada nesta fase.

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