Com detalhes de denuncias feitas
por mais de 1.000 vítimas, sobre mais de 300 alegados abusadores em seis
dioceses, o relatório da Pensilvânia lançou um camião cheio de combustível
sobre um incêndio que já estava bem vivo. O resultado abalou a Igreja Católica
nos Estados Unidos, provocando danos eclesiais e institucionais com as quais a
Igreja terá de lidar, cá e a nível global, durante uma geração ou mais.
Alguns meses depois de ter
saído este relatório, Peter Steinfels escreveu um artigo na revista Commonweal para colocar e responder a uma questão que
a maioria das pessoas não estava sequer a contemplar. Os crimes descritos no
relatório eram terríveis, os números assustadores. Mas a indignação gerada em
2018 tinha tanto a ver com encobrimento como com os crimes originais. Seria
mesmo verdade, perguntou Steinfels, que enquanto “padres estavam a violar
rapazes e raparigas, os homens de Deus responsáveis por eles não só não faziam
nada, como escondiam tudo?”
A Igreja tinha mesmo passado
décadas a investir a sua energia e esforços em esconder a verdade em vez de
resolver o problema? A conclusão de Steinfels, cuidadosamente sustentada nas
próprias conclusões do relatório, foi um claro “não”. Nas suas palavras:
No caso da Pensilvânia, quer
se olhe para a forma como se lidaram com denúncias antigas ou para a prevenção
de novos casos, a conclusão que surge de uma leitura cuidadosa e isenta do
relatório é esta: A Carta de Dallas funcionou. Não funcionou na perfeição, e
carece de melhorias regulares e constante atenção. Mas funcionou.
O fogo destrói, mas também
pode purificar.
A crise de 2002 conduziu à
Carta de Dallas, uma ferramenta imperfeita mas em larga medida eficiente que
tornou as paróquias americanas muito mais seguras para crianças e permitiu
responsabilizar centenas de abusadores. O novo escândalo de 2018 incentivou a
Igreja – não só nos EUA, mas também em Roma – a fazer mudanças significativas
na forma como lida com alegações de abusos, em particular as que dizem respeito
a bispos e alto clero.
Ninguém deve supor que a conta
– material e espiritual – da crise dos abusos já foi inteiramente paga. Nem de
longe nem de perto. Nem devemos imaginar que o processo lento de purificação já
terminou. Basta um olhar rápido pelas notícias (veja-se os recentes casos
envolvendo o Pe Rupnik e D. Ximenes Belo) para se perceber que estamos ainda
longe de onde gostaríamos de estar.
A forma como a Igreja lida com
alegações de abusos sexuais clericais já progrediu muito, ainda que, duas
décadas depois da Carta de Dallas, haja trabalho por fazer. Mas como podemos
medir esse progresso? A Igreja está a progredir na protecção de menores em
relação a quê? Melhorou muito na promoção da transparência em comparação com o
quê?
Consideremos o seguinte.
A comparação entre as dioceses
católicas da Pensilvânia e as Escolas Públicas de Chicago não é propriamente
uma questão de alhos e bugalhos, mas pode ajudar a compreender alguns dos avanços
feitos pela Igreja neste país.
Ao longo do mesmo ano tratado
pelo relatório da Inspecção-Geral de Chicago (2021) a Igreja Católica em todo o
país recebeu 30 denúncias actuais de abusos envolvendo crianças, seis das quais
foram consideradas credíveis. Das 3,103 denúncias históricas recebidas por
dioceses católicas em 2021, apenas 38 diziam respeito a ofensas alegadamente
cometidas depois do ano 2000. Nas escolas públicas de Chicago, repito, houve
mais de 600 denúncias, das quais metade foram consideradas fundamentadas. Num
só distrito escolar. Num só ano.
Para avaliar o progresso da
Igreja em lidar com a crise de abusos é necessário fazer comparações razoáveis
com outras instituições que também têm de lidar com a mesma praga de abusos. E
isso significa ter expectativas razoáveis sobre a forma como medimos o
progresso e o sucesso.
Se quer encontrar listas de
professores ou pessoal educativo credivelmente acusados de abusos sexuais,
procurará em vão. Não existem políticas de tolerância zero que permitam afastar
funcionários escolares por denúncias que nunca são provados em tribunal. Também
ninguém defende o casamento dos professores para travar a onda de abusos nas
escolas, e o relatório da inspecção-geral de Chicago nunca refere a palavra
“clericalismo”.
É claro que a Igreja tem
outras responsabilidades morais, precisamente por ser aquilo que alega ser. A
conduta dos padres e bispos católicos deve ser medido segundo a bitola do
Evangelho, e não dos padrões impostos pela lei civil.
A Igreja não merece nenhum prémio
por ser melhor a prevenir e a relatar o abuso sexual de crianças do que o
sistema de escolas públicas. Mas deve ser vista – e ver-se – como um modelo
para todos os que querem combater a epidemia de abusos sexuais, que afecta toda
a sociedade.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no
Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The
Catholic Thing na Quinta-feira, 12 de Janeiro de 2023)
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