Wednesday, 7 September 2022

Aborto, Trabalho e Vida

John M. Grondelski
Numa altura em que os católicos nos EUA assinalam o Dia do Trabalhador [5 de Setembro], somos desafiados a pensar sobre dois aspectos fundamentais da Doutrina Social Católica: o direito à vida, o direito ao trabalho, e a intersecção dos dois.

Até agra o debate sobre o aborto tem sido sobretudo político, em termos da sua legalidade nas legislaturas e – ao longo de quase 50 anos – nos tribunais. Depois de Dobbs, porém, devemos esperar que parte do debate passe do campo político para o económico, com alguns defensores do aborto a recorrer a incentivos financeiros para tentar inclinar a mesa de jogo numa sociedade capitalista que, ocasionalmente, gosta de falar de “justiça social”.

Desde que a decisão do caso Dobbs reverteu o direito constitucional ao aborto temos visto grandes empresas a atropelarem-se para anunciar que terão todo o gosto em financiar os abortos dos seus funcionários, ao ponto de pagar viagens para estados que permitem matar os nascituros, caso o aborto seja ilegal nos estados em que se encontram. Várias grandes corporações pressionaram legislaturas estaduais para não contemplarem adoptar leis pro-vida. O Governador de Nova Jérsia, Phil Murphy, e o da Califórnia, Gavin Newsom, têm estado a promover os seus estados como destinos para empresas, não por causa da sua pesada carga fiscal, mas porque ambos codificaram o aborto a pedido, até ao nascimento.

Um argumento tradicional dos defensores do aborto é que é essencial que este seja legal, e a pedido, porque sem “controlo e cuidados de saúde reprodutiva” as mulheres encontram-se em inerente desvantagem económica. Claro que essa afirmação colide diretamente com o mito do aborto como um “cuidado de saúde”. Mas com a saúde a ser definida, cada vez mais, como algo tão vago e sujeito a manipulação como “saúde financeira”, os alegados “benefícios” do aborto podem ser racionalizados quase de qualquer maneira.

Claro que ninguém aponta um foco à verdade crua e obscenamente nua de que é substancialmente mais barato para uma empresa abortar bebés do que fornecer cuidados de saúde maternos e infantis, bem como suportar licenças de maternidade, de doença, de acompanhamento escolar, etc., bem como as mudanças de horário que se seguem ao parto.

As empresas que financiam abortos insistem, claro, que essas suas políticas se devem ao seu “compromisso para com o direito a escolher”, sem querer admitir que a sua própria saúde financeira vê com melhores olhos certas “escolhas” em detrimento de outras.

É de suspeitar que as mesmas empresas que estão a comprometer-se tão “generosamente” com a interrupção de gravidezes (isto é, a matança de bebés no útero) protestariam fortemente caso fossem chamadas a cobrir cuidados maternais com a mesma liberalidade, para criar um ambiente onde fosse possível fazer “escolhas” verdadeiramente livres.

Daí que seja fundamental que neste momento ambos os nossos principais partidos políticos sejam desafiados a criar políticas económicas verdadeiramente amigas das famílias e das crianças.

A justiça social não se alcança sem a protecção dos direitos individuais e sociais mais básicos, isto é, o direito à vida. Independentemente das diferentes filosofias políticas, quase todos os pensadores concordam que é um absoluto sine qua non que uma sociedade proteja os direitos mais básicos dos seus membros.

Esse primeiro princípio implica dois corolários: que a sociedade identifique quem são os seus membros (sem fingir um agnosticismo epistemológico sobre o estatuto dos nascituros ou outros em estado de dependência) e que compreenda que direitos é que são “básicos”. Mesmo um puro materialista como era Thomas Hobbes admite que não existe um direito mais básico sobre o qual tudo o resto assenta do que a existência. Pode-se até dizer, como os nossos bispos americanos fizeram, que este é preeminente.

Logo, os católicos devem tomar a dianteira nesta discussão sobre justiça social. Revertida a decisão de Roe v. Wade, já não existem obstáculos constitucionais à reformulação da discussão. Mas a narrativa alternativa precisa de ser articulada de novo numa sociedade que não a escuta claramente há cerca de 50 anos.

Esquecemo-nos de liberais como Mark Hatfield, William Proxmire e Harold Hughes, que eram pro-vida precisamente porque reconheciam, correctamente, que a vida intrauterina era uma questão de direitos civis, provavelmente a maior do nosso tempo. 

A reformulação deste debate implica perguntar porque é que o aborto é visto como factor essencial para a ascensão económica das mulheres. Será porque no mundo económico as mulheres não conseguiam avançar pelo facto de não serem homens? Isto é, porque engravidavam, porque tinham filhos e os queriam criar, e porque queriam carreiras que se adaptavam a essa realidade, em vez de esperar que essas realidades se adaptassem aos seus empregos?

Será que a actual “generosidade” das empresas, dispostas a pagar por abortos, é apenas a expressão de uma visão empresarial que entende as suas trabalhadoras como “machos malparidos?”

A década que se segue ao fim da escola, seja o ensino secundário ou superior, costuma ser marcado por um “deixar para trás as coisas de criança” (I Cor 13,11) e pela transição para uma vida de permanência. Isso costumava implicar arranjar um emprego, mudar-se para o seu próprio espaço, casar e ter filhos.

A nossa configuração económica actual – incluindo as empresas financiadoras de abortos – está a minar o equilíbrio entre a vida e o trabalho.

Salários mínimos e expectativas máximas são uma mistura que torna cada vez mais difícil atingir a independência económica, levando ao adiamento do casamento e da paternidade. Não é de admirar que muitas destas mesmas empresas “woke” estão dispostas a pagar às suas trabalhadoras para congelar óvulos e adiar a gravidez, como se fosse a mesma coisa ter filhos aos 45 ou aos 25.

O professor Henry Higgens torna-se, assim, um modelo para qualquer director de Recursos Humanos de uma grande empresa moderna quando pergunta, em My Fair Lady, “porque é que uma mulher não pode ser mais como um homem?”


John Grondelski (Ph.D., Fordham) foi reitor da Faculdade de Teologia da Seton Hall University, South Orange, New Jersey.  As opiniões expressas neste texto são apenas suas.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quarta-feira, 7 de Setembro de 2022)

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