Monday 19 September 2022

Detidos por protestar no Reino Unido? O problema não é de agora

Tem levantado alguma polémica o facto de várias pessoas terem sido detidas, ao longo da última semana e meia, por se manifestarem de uma forma ou de outra durante as cerimónias fúnebres da Rainha Isabel II.

Alguns foram detidos depois de gritar ofensas em locais públicos, outros por segurar em cartazes com palavras de ordem contra a Monarquia. Eventualmente os poucos antimonárquicos que optaram por se manifestar fizeram-no em silêncio e ostentando folhas em branco.

Podemos ter as mais variadas opiniões sobre isto. Quer se seja monárquico ou não – e eu sou – podemos achar que é de muito mau gosto aproveitar um momento de profundo pesar e luto nacional para dar voz a essas opiniões em público. Mas também podemos achar que o mau gosto não é necessariamente crime, e que mesmo essa liberdade de expressão deve ser protegida.

Um paralelo interessante chega-nos do outro lado do Atlântico, onde o Supremo Tribunal tem apoiado insistentemente as manifestações absolutamente grotescas dos membros da Igreja Baptista de Westboro que gostam de ir manifestar-se nos funerais de militares americanos mortos em combate, argumentando que todas essas mortes são castigo divino por os EUA terem virado as costas a Deus.

Mas voltando ao Reino Unido, há um ponto muito importante neste debate. É que esta hipersensibilidade das autoridades britânicas não é nova. Vejamos mais alguns exemplos*

  • Em 2002 Harry Hamond, de 69 anos, foi atacado por transeuntes, chegando a ser lançado ao chão, quando mostrou um sinal que criticava a conduta homossexual. Quando a polícia chegou ao local decidiu, contudo, deter Hammond. Acabou por ser condenado a uma multa de 300 libras e a pagar as custas do processo. Perdeu o recurso, e morreu antes de sair o resultado de mais um recurso.
  • Em 2008 o pregador Anthony Rollins foi detido por pregar numa rua em Birmingham e por ter dito que os actos homossexuais são moralmente errados. Acabou por ser libertado e indemnizado.
  • Em 2008 um rapaz de 15 anos foi chamado a uma esquadra por ter participado numa manifestação contra a Igreja da Cientologia, e ter ostentado um cartaz a dizer “a Cientologia não é uma religião, é uma seita”. O caso acabou por ser arquivado.
  • Em 2010 Dale McAlpine estava a pregar na rua quando foi abordado por um agente da polícia que se identificou como homossexual. Enquanto os dois conversavam, em privado, o pregador disse que “a Bíblia diz que a homossexualidade é pecado”. Foi detido por outros três polícias fardados e passou sete horas numa cela. Mais tarde ganhou um processo contra a polícia por estes factos.
  • Em 2011 o adepto do Glasgow Rangers Stephen Birrell foi condenado a oito meses de prisão por ter feito comentários ofensivos a adeptos do Celtic, a católicos e ao Papa, numa página do Facebook.
  • Em 2014 o eurodeputado Paul Weston foi detido por citar uma passagem de um livro de Winston Churchill em que este critica o Islão. O caso acabou por ser arquivado.
  • Em 2014 Tony Miano foi detido por criticar publicamente o “pecado sexual”, incluindo o adultério, a promiscuidade e a prática homossexual”. Passou uma noite na esquadra depois de uma mulher ter feito queixa dele. Uma vez que tudo tinha sido gravado, foi possível, porém, provar que as acusações da queixosa eram infundadas e foi libertado.
  • Em 2014 outro pregador de rua, John Craven, foi abordado por dois adolescentes que lhe pediram a opinião sobre a homossexualidade. Ele citou a Bíblia, ressalvando que “Deus odeia o pecado, mas ama o pecador.” Todavia, os rapazes queixaram-se a um polícia, dizendo que tinham-se sentido ofendidos pelas palavras do pregador, que foi então detido durante 19 horas, 15 das quais sem comer e sem poder tomar medicamentos. Mais tarde foi indemnizado.
  • E, por fim, em 2021 aseptuagenária Rosa Lalor foi detida e multada por estar a rezar o terço diante de uma clínica de aborto em Liverpool. Recorreu da multa e ganhou.

É certo que esta questão não se coloca só no Reino Unido, existe em vários outros países, com uma preponderância para o norte da Europa, mas agora é do Reino Unido que estamos a falar.

Aquilo a que temos vindo a assistir é o fruto de uma cultura que começou a interiorizar a ideia de que ferir os sentimentos de outra pessoa deve ser tratado como um crime. O problema é que quando essa caixa de Pandora se abre, as consequências são imprevisíveis. Mais valia, se calhar, voltarmos a perceber que o debate público nem sempre é bonito, e que para nós termos liberdade de expressão, os idiotas que só dizem porcaria quando abrem a boca também a devem ter. Até porque, sei-o bem, para muitos deles o idiota sou eu.

*Todos estes casos são retirados do livro “Censored” de Paul Coleman, com a excepção do último, que é posterior à publicação da obra

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