Notem bem a descrição curta,
mas esclarecedora, do homem rico: “vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e
todos os dias banqueteava-se e regalava-se”. Fala-se aqui da sua roupa luxuosa
e das ricas comidas, mas não de amigos ou convidados. Mais ninguém é referido.
Ele não está a ter festas ou jantares. Nem sequer está a esbanjar a sua fortuna
numa vida de promiscuidade, como o filho pródigo. Não, é só ele, mesmo. Há algo
de solitário e de isolado na sua riqueza.
O estado lastimável do homem
rico é traduzido para a vida eterna. De facto, o seu destino é mais revelador
que punitivo. Está isolado e só no inferno porque tinha feito por isso no mundo.
Lázaro, por outro lado, está no regaço de Abraão (uma tradução melhor que
“junto de”). Está em comunhão com outro. O homem rico está desprovido dessa
comunhão por causa da sua avareza (e não apenas como castigo por ela). Viveu e
morreu isolado dos outros e por isso entrou no isolamento eterno.
Este isolamento do homem rico
não nos é estranho. Quando Ebenezer Scrooge é convidado a dar esmola para
ajudar os pobres responde: “quero que me deixem em paz”. A sua afeição pelo
dinheiro faz com que despreze não só a generosidade, mas também a companhia. Do
mesmo modo Gollum, no “Senhor dos Anéis”, está tão obcecado pelo anel que,
fugindo à companhia dos outros, passa anos na profundidade de uma caverna,
sozinho com o seu “precious”.
O forreta é miserável porque
está isolado pelas suas posses. Quer tudo só para ele, o que o obriga a estar
absolutamente só. A sua ligação à riqueza significa que não se pode ligar a
outros. As coisas que mais ama são o que o impedem de amar.
A avareza coloca as posses
acima das pessoas. Pela sua própria natureza, isola-nos uns dos outros.
Habituamo-nos a possuir e a usar, duas coisas que não são compatíveis com
relações humanas autênticas. O homem avarento pode ter pessoas que o ajudam a
gerir o seu dinheiro, ou a ganhar mais, mas isso só comprova a teoria. Essas
pessoas não são amadas, são usadas.
Não existem pecados
inteiramente pessoais. Há sempre uma dimensão social no pecado, porque envolve
sempre um virar-se para dentro, e por isso para longe dos outros. Como disse
São João Paulo II, “o mistério do pecado é formado por esta dupla ferida, que o
pecador abre no seu próprio seio e na relação com o próximo. Por isso, pode
falar-se de pecado pessoal e social: todo o pecado sob um aspecto é pessoal, e
todo o pecado sob um outro aspecto é social, enquanto e porque tem também
consequências sociais.” (Reconciliatio
et Penitenza).
Vemos assim que a avareza
produz uma indiferença ao sofrimento do outro. “Ai daqueles que vivem
comodamente em Sião”, diz o profeta Amós, (Am. 6, 1 e 4-7). Ele associa esse
comodismo à riqueza. Afeta todos os que se encontram “deitados em leitos de
marfim, estendidos em sofás, comem os cordeiros do rebanho e os novilhos do
estábulo. Deliram ao som da harpa, e, como David, inventam para si instrumentos
de música; bebem o vinho em grandes copos, perfumam-se com óleos preciosos”.
O vício da avareza isola o
avarento. Mas ao fazê-lo também priva os pobres da atenção de que precisam para
a sua subsistência.
Riqueza e isolamento. Estas
duas características da nossa cultura estão relacionadas entre si. Quanto mais
temos, mais isolados nos tornamos e menos notamos ou nos interessamos pelos
outros. Os confinamentos durante a pandemia foram pensados e impostos pelos
ricos, a chamada “geração laptop”, que se podia dar ao luxo de se sequestrar e
de prosseguir com a sua vida. Existiu uma indiferença cruel aos efeitos que
este isolamento teria ao empobrecer ainda mais os pobres. Os sinais que vimos a
dizer “estamos todos juntos” eram uma treta.
“Não se pode servir a Deus e a
Mamon”, disse Nosso Senhor recentemente no Evangelho. E quatro domingos antes fez
um aviso semelhante: “Quem de vós não renuncia a tudo o que possui não pode ser
meu discípulo”. Esta ligação à riqueza – por mais pequena que seja – corrói a
nossa capacidade de nos preocuparmos com os outros e isola-nos. Tornamo-nos
prisioneiros da avareza.
Damos aos pobres porque
precisam da nossa ajuda. As suas vidas disso dependem. Mas damos também porque
as nossas vidas disso dependem. Quando damos, desprendemo-nos daquilo que nos
empobrece e libertamo-nos do que nos isola. Assim tornamo-nos capazes de ver,
de conhecer e de amar os outros.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote
na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e
delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez
no domingo, 25 de Setembro de 2022 em The
Catholic Thing)
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