Wednesday, 28 September 2022

A Pobreza da Riqueza

Pe. Paul Scalia

De quem é que devemos ter mais pena nesta parábola de Jesus, do homem rico ou de Lázaro? Naturalmente o nosso coração inclina-se mais para Lázaro, o homem pobre que jazia ao portão, ansioso por migalhas, mas a quem até os cães vinham lamber as feridas (um detalhe que os amantes de cães dos nossos dias podem achar querido, mas que para os judeus na antiguidade não tinha o mesmo encanto). Na verdade, é do homem rico que devemos ter mais compaixão, não só porque é muito pior fazer o mal do que sofrê-lo, mas também por causa daquilo em que o seu pecado o transformou. Assim, somos chamados a reflectir o triste estado do homem rico e o pecado que o conduziu a tal.

Notem bem a descrição curta, mas esclarecedora, do homem rico: “vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e todos os dias banqueteava-se e regalava-se”. Fala-se aqui da sua roupa luxuosa e das ricas comidas, mas não de amigos ou convidados. Mais ninguém é referido. Ele não está a ter festas ou jantares. Nem sequer está a esbanjar a sua fortuna numa vida de promiscuidade, como o filho pródigo. Não, é só ele, mesmo. Há algo de solitário e de isolado na sua riqueza.

O estado lastimável do homem rico é traduzido para a vida eterna. De facto, o seu destino é mais revelador que punitivo. Está isolado e só no inferno porque tinha feito por isso no mundo. Lázaro, por outro lado, está no regaço de Abraão (uma tradução melhor que “junto de”). Está em comunhão com outro. O homem rico está desprovido dessa comunhão por causa da sua avareza (e não apenas como castigo por ela). Viveu e morreu isolado dos outros e por isso entrou no isolamento eterno.

Este isolamento do homem rico não nos é estranho. Quando Ebenezer Scrooge é convidado a dar esmola para ajudar os pobres responde: “quero que me deixem em paz”. A sua afeição pelo dinheiro faz com que despreze não só a generosidade, mas também a companhia. Do mesmo modo Gollum, no “Senhor dos Anéis”, está tão obcecado pelo anel que, fugindo à companhia dos outros, passa anos na profundidade de uma caverna, sozinho com o seu “precious”.

O forreta é miserável porque está isolado pelas suas posses. Quer tudo só para ele, o que o obriga a estar absolutamente só. A sua ligação à riqueza significa que não se pode ligar a outros. As coisas que mais ama são o que o impedem de amar.

A avareza coloca as posses acima das pessoas. Pela sua própria natureza, isola-nos uns dos outros. Habituamo-nos a possuir e a usar, duas coisas que não são compatíveis com relações humanas autênticas. O homem avarento pode ter pessoas que o ajudam a gerir o seu dinheiro, ou a ganhar mais, mas isso só comprova a teoria. Essas pessoas não são amadas, são usadas.

Não existem pecados inteiramente pessoais. Há sempre uma dimensão social no pecado, porque envolve sempre um virar-se para dentro, e por isso para longe dos outros. Como disse São João Paulo II, “o mistério do pecado é formado por esta dupla ferida, que o pecador abre no seu próprio seio e na relação com o próximo. Por isso, pode falar-se de pecado pessoal e social: todo o pecado sob um aspecto é pessoal, e todo o pecado sob um outro aspecto é social, enquanto e porque tem também consequências sociais.” (Reconciliatio et Penitenza).

No caso do homem rico a repercussão social é a sua incapacidade de ver Lázaro. Reparem que nunca se diz na parábola que o homem rico roubou de Lázaro, ou que era de alguma forma a causa da sua pobreza. Não o pontapeava ao entrar ou ao sair de casa. Mas a questão é precisamente essa. Não é que ele não se interesse por Lázaro, o problema é que ele nem dá pela sua existência. Ele não detesta Lázaro, simplesmente não repara nele.

Vemos assim que a avareza produz uma indiferença ao sofrimento do outro. “Ai daqueles que vivem comodamente em Sião”, diz o profeta Amós, (Am. 6, 1 e 4-7). Ele associa esse comodismo à riqueza. Afeta todos os que se encontram “deitados em leitos de marfim, estendidos em sofás, comem os cordeiros do rebanho e os novilhos do estábulo. Deliram ao som da harpa, e, como David, inventam para si instrumentos de música; bebem o vinho em grandes copos, perfumam-se com óleos preciosos”.

O vício da avareza isola o avarento. Mas ao fazê-lo também priva os pobres da atenção de que precisam para a sua subsistência.

Riqueza e isolamento. Estas duas características da nossa cultura estão relacionadas entre si. Quanto mais temos, mais isolados nos tornamos e menos notamos ou nos interessamos pelos outros. Os confinamentos durante a pandemia foram pensados e impostos pelos ricos, a chamada “geração laptop”, que se podia dar ao luxo de se sequestrar e de prosseguir com a sua vida. Existiu uma indiferença cruel aos efeitos que este isolamento teria ao empobrecer ainda mais os pobres. Os sinais que vimos a dizer “estamos todos juntos” eram uma treta.

“Não se pode servir a Deus e a Mamon”, disse Nosso Senhor recentemente no Evangelho. E quatro domingos antes fez um aviso semelhante: “Quem de vós não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo”. Esta ligação à riqueza – por mais pequena que seja – corrói a nossa capacidade de nos preocuparmos com os outros e isola-nos. Tornamo-nos prisioneiros da avareza.

Damos aos pobres porque precisam da nossa ajuda. As suas vidas disso dependem. Mas damos também porque as nossas vidas disso dependem. Quando damos, desprendemo-nos daquilo que nos empobrece e libertamo-nos do que nos isola. Assim tornamo-nos capazes de ver, de conhecer e de amar os outros.


O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o clero. 

(Publicado pela primeira vez no domingo, 25 de Setembro de 2022 em The Catholic Thing

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