Michael Pakaluk |
Não sei de qualquer outro mandamento de Cristo que seja tão universalmente desobedecido que aquele que ouvimos recentemente no Evangelho de Domingo: “Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos” (Lc. 14,13).
“Ah, mas a minha paróquia organiza
um jantar para os sem-abrigo por altura do Natal, e nós contribuímos com bens enlatados…”
Lamento, mas não é isso que diz o Grego na Bíblia. Uma tradução mais literal seria
“Sempre que deres um banquete”. Jesus está a estabelecer uma regra geral, não
uma coisa que se possa satisfazer apenas de vez em quando. Em todas as ocasiões
em que se der um banquete, diz Ele, é isto que deve fazer.
E mais, Ele afirma que só
devem ser convidados aqueles que não tenham meios para retribuir (Lc. 14,14).
Convidar um ou dois pobres, simbolicamente, não cumpre com a intenção do
mandamento.
Eu já participei em milhares
de “banquetes” (a palavra “dochē” que Lucas usa abrange todo o tipo de
recepções ou mostras de hospitalidade, como encontros informais, cocktails,
copos de água, evidentemente, eventos de angariação de fundos, para não falar
de encontros de família e jantares festivos). De todas as vezes que os
anfitriões eram cristãos, esta regra de Nosso Senhor nunca foi seguida. Um
mandamento que devia ser seguido sempre, não é seguido nunca.
Então o que é que se passa aqui?
Estas palavras não são para seguir? A passagem é de tal forma hiperbólica que é
essencialmente impraticável.
Curiosamente, o próprio
ensinamento tornou-se mais claro para mim quando li a “Riqueza das Nações” de Adam
Smith. A certa altura ele pergunta “O que é feito dos banquetes? (III. iv). Nos
relatos históricos antigos e medievais podemos ler, diz ele, que os homens ricos
faziam banquetes quase diariamente. Esta era uma prática comum entre chefes dos
Highlands escoceses, diz o autor, mesmo no início do Século XVIII.
Recordo-me de Sir Walter Scott
iniciar o “Waverley” precisamente com uma descrição de um banquete desses. “Em
Quo Vadis” os banquetes da corte de César são uma grande tentação e, claro,
sabemos que João Baptista foi executado por um Herodes em estado de sedução.
Mas nas sociedades modernas a prática tinha caído em desuso. Adam Smith
explica.
“Num país que não tem comércio
exterior nem manufaturas mais aperfeiçoados”, explica Smith, “um grande
proprietário de terras, por não ter nada pelo que possa trocar a maior parte da
produção de sua terra que vá além do necessário para a manutenção dos agricultores,
consome tudo com seus hóspedes na casa senhorial. Se essa produção excedente
for suficiente para sustentar 100 ou 1 000 pessoas, só pode utilizá-la para
isso e apenas para isso.”
Daí que homens ricos, “desde o
soberano até ao mais pequeno barão” sempre tiveram os seus séquitos de
apoiantes leais, a quem banqueteavam constantemente. Qualquer excesso para além
deste era usado para criar maior dependência entre os agricultores arrendatários.
Era assim que os ricos mantinham o seu poder, diz Smith, criando dependência,
principalmente através de banquetes.
Aqui Smith está a desenvolver o
argumento feito por David Hume de que, curiosamente, o aumento da manufactura e
do comércio externo levou à dissolução do poder baronial, uma vez que os ricos
podiam agora gastar o seu dinheiro acumulando artefactos luxuosos. É verdade
que ao fazê-lo, estavam ainda a “suportar” uma rede de artesãos e de
comerciantes que forneciam estes luxos, mas não detinham qualquer poder sobre
esta rede, quer por causa da sua dispersão, quer porque o seu próprio
contributo para a manutenção desta era relativamente pequeno. Desta forma, a emergência
de uma sociedade comercial sustentava a emergência de uma sociedade livre.
Banquete diário de uma família numerosa |
Antes, o que quero realçar é
que nas sociedades tradicionais o “banquete” representa o destino dado à
riqueza excedentária. Nosso Senhor está a usar a técnica retórica de tomar a
parte pelo todo. Descreve um uso de riqueza excedentária, o único que existia
na altura, para se referir de forma vívida a qualquer uso de riqueza
excedentária.
Assim, o mandamento sobre
banquetes é de facto um mandamento sobre a importância de destinar a riqueza
excedentária à esmola. E essa, claro, mantém toda a sua validade nas sociedades
comerciais.
Cristãos há, porém, que têm
conseguido cumprir o mandamento de uma forma próxima do seu significado
original. Ocorrem-me Santa Isabel da Hungria e Santa Margarida da Escócia.
Estas mulheres trocaram as comitivas das suas cortes pelos mais pobres dos
pobres. Em vez de banquetear diariamente centenas de nobres, estas santas tornaram-se
conhecidas por montar hospitais junto aos seus palácios e cuidar dos aleijados,
dos coxos e dos cegos, antes de qualquer outro.
Mas há outros cristãos que
também o fazem, são os pais, especificamente os de famílias numerosas. Refiro-me
a famílias numerosas porque é nesses casos que se torna mais evidente o total
compromisso de riqueza excedentária e as suas mesas de jantar são o mais
próximo, visualmente, de uma corte medieval.
Os seus filhos são como os
cegos, isto é, sem educação; certamente que são pobres, uma vez que nem sequer
podem possuir bens; aleijados – alguns nem andar sabem – e coxos, isto é,
imaturos. Não podem retribuir agora nem, se a sua educação for bem dada, alguma
vez o farão, uma vez que a melhor forma que têm de mostrar gratidão é fazer o
mesmo, tendo os seus próprios filhos mais tarde.
Devemos rejeitar o falso
argumento de que os pais que acolhem filhos apenas o fazem por razões egoístas,
para sua própria realização, ou que não fazem mais do que a sua obrigação, uma
vez que os geraram, e por isso não têm qualquer mérito. Certamente que estes
pais servem o bem comum tendo tantos filhos durante um catastrófico inverno
demográfico.
Sim, os pais de famílias
numerosas cumprem fielmente, e de forma muito evidente, este mandamento de
Nosso Senhor.
Michael Pakaluk, é um
académico associado a Academia Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da
Busch School of Business and Economics, da Catholic University of America. Vive
em Hyattsville, com a sua mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela primeira vez
em The Catholic Thing na quarta-feira, 14 de Setembro de
2022)
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Muito bom! De facto, as mais pequenas obras de misericórdia - vestir os nus, alimentar os esfomeados, educar os incultos - começam sempre em casa! E a família numerosa é uma das mais exigentes escolas de santificação que conheço. Vai crescendo no ambiente católico a realização, tão evidente, de que a vida matrimonial e familiar não é em nada inferior à consagrada ou sacerdotal na construção de santos...
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