Teria sido um daqueles que, embora sem o rejeitar explicitamente,
dizia a si mesmo “este homem é especial e importante, e enquanto eu puder
continuar a agir como antes, sentindo-me especial e importante, então óptimo.
Se as coisas se tornarem difíceis e esse sentimento desaparecer, então que se
lixe (ou, neste caso, que se crucifique)”?
É difícil imaginar que teria sido suficientemente bom
para fazer parte do pequeníssimo grupo, composto essencialmente por uma mão
cheia de mulheres no início, que disse “Este é o meu Senhor muito amado, o
Senhor da minha vida, e onde Ele for eu irei, mesmo até à Cruz”. É mais provável
que eu fosse daqueles que aceitou alguns dos seus ensinamentos mais simpáticos,
rejeitando as coisas difíceis – um daqueles que disse aos seus amigos: “até
gosto de algumas das coisas que Jesus diz, mas Ele vai longe de mais. A maneira
como ele diz as coisas, às vezes, não é… suficientemente intelectual. Não tem
cuidado, não é prudente. Vai-nos meter em sarilhos”.
Como académico, penso se teria sido um daqueles escribas
de segunda ou terceira categoria, que liam obedientemente os livros prescritos (em
grego ou em hebraico), participando nos rituais prescritos (tanto romanos como
judaicos) e debatendo os assuntos culturais e políticos da forma do costume
(partido dos fariseus, partido dos saduceus, partido dos zelotas, oficial
romano). Teria permitido que Cristo me mudasse? Ou teria sido um dos que achou
Cristo e a sua mensagem um bocadinho perturbadores?
Suspeito que teria sido um daqueles que ia cumprir
devidamente as obrigações litúrgicas, mas que estava vazio por dentro; que preferia
crucificar o Salvador ungido do que deixar-se transformar por Ele. Temo que
seria um daqueles “sepulcros caiados” de que Cristo fala, que são belos por
fora, mas por dentro estão cheios dos ossos dos mortos.
Estaria Cristo a falar de pessoas como eu quando disse: “Tudo
o que fazem é para serem vistos pelos homens, por isso alargam as filactérias e
alongam as orlas dos seus mantos. Gostam de ocupar o primeiro lugar nos
banquetes e os primeiros assentos nas sinagogas. Gostam das saudações nas
praças públicas e de serem chamados ‘mestres’ pelos homens”. Preocupa-me,
porque Cristo ainda vive, ainda está a tentar transformar as nossas vidas. E
por isso pergunto-me se sou assim tão diferente dos “maus” da Bíblia.
Questiono-me sobre tudo isto porque quando se é convertido, como eu, repara-se em certas coisas. Repara-se que outros católicos – mesmo os “conservadores” piedosos – que se vestem bem e vão à missa, ouvem, semana após semana, as leituras de Amós, Oseias e Isaías sobre como viver vidas retas e da importância de cuidar das viúvas e dos órfãos e escutam os avisos de Cristo no Novo Testamento sobre o homem rico e Lázaro e depois, quando chega Segunda-feira, mentem e enganam nos seus trabalhos, tal como todos os outros.
Encontramos instituições católicas que se orgulham dos
seus santuários a Nossa Senhora ou à Madre Teresa, ou dos seus bancos
alimentares ou centros de justiça social mas que tratam os seus próprios empregados
como lixo descartável.
Ouvimo-lo a avisar todos aqueles que “não estão ocupados
com o trabalho”, mas que se tornaram “coscuvilheiros”. Vezes sem conta ouvimos
Cristo a dizer “todo aquele que se irar contra o seu irmão será submetido a
julgamento. Quem chamar imbecil a seu irmão será submetido ao Sinédrio, e quem
lhe chamar louco será submetido à geena de fogo.”
E apesar disso encontramos milhares de comentários
enfurecidos nas redes sociais, sem caridade, de pessoas que se justificam
dizendo que estão a praticar a “Verdadeira caridade católica”, como se os
escribas e os fariseus estivessem a ser caridosos com Jesus e com o povo judeus
quando pregaram Cristo na cruz.
Quando vamos à missa estamos apenas em modo automático,
para depois viver vidas contrárias ao Evangelho? E se sim, como é que saberíamos?
Estamos, como tantos nos dias de Jesus, a cegar-nos e a bloquear os nossos ouvidos
para a verdade? Talvez precisemos de uma lista de controlo quaresmal.
Fiz comentários zangados e presunçosos nas redes sociais?
Convenci-me de que eram totalmente justificados?
Confundi o “individualismo atomista” (ninguém manda em
mim) com a verdadeira liberdade?
Alimentei a política hiperpartidária zelota, ou fiz os
possíveis para lidar com ela com calma medida e caridosa?
Fui à missa, fiz gestos piedosos para com Maria e os
santos e depois lidei com os meus assuntos seculares como se nada fosse?
Apelido-me de “católico” e depois parto do princípio de
que isso não me deve levar a fazer qualquer sacrifício em termos de dinheiro, status
e conforto para defender a Igreja e ajudá-la a concretizar as suas obras
corporais de misericórdia?
Por fim, questiono-me sobre se a maioria de nós reconheceria
Cristo se Ele voltasse? Ou veríamos uma grande multidão revoltada a tentar pregá-lo
a uma Cruz em nome da “piedade religiosa”, ou simplesmente porque demasiadas
pessoas o achavam uma ameaça à nação?
Como dizia, às vezes questiono-me. E não é reconfortante.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 10 de Março de
2021)
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