Às vezes conseguimos apenas vislumbrar os filamentos
morais que ligam as nossas ações às vidas de quem nos rodeia. Noutras alturas
as consequências dos nossos pecados são muito evidentes. Qualquer pai que ouve
o seu filho a repetir as suas próprias palavras menos que caridosas conhece o
poder do seu próprio mau exemplo. Às vezes pecados que, insensatamente, esperávamos que se mantivessem secretos são expostos à luz para que todos os
possam ver, para nosso horror e humilhação.
Estes momentos de reconhecimento podem ser ocasiões para
a graça mexer com a consciência – como o canto do galo que levou Pedro a chorar
lágrimas de amargura. Mas tais ocasiões, em que somos postos em situações
embaraçosas pelas nossas próprias consciências, nem sempre levam a
arrependimento e conversão. Pelo menos não no imediato.
No Evangelho de Marcos um homem rico vai ter com Jesus,
ansioso por fazer o que for preciso para herdar a vida eterna. De início fica
satisfeito por ouvir que já fez tudo o que é necessário, mas a sua alegria
transforma-se em desapontamento quando Nosso Senhor lhe pede mais. Todos
conhecemos a história:
“Só te falta uma coisa. Vai, vende tudo o que possuis e
dá aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem, e segue-me.”
Perante essas palavras caiu-lhe o semblante e afastou-se,
triste, pois tinha muitos bens.
O homem rico estava tão perto, só lhe faltava uma coisa.
Mas não era capaz de abdicar dessa amarra. E Cristo, que “olhando para ele o
amou”, deixou-o ir.
Lembrei-me novamente desta passagem esta semana por causa
da resposta da Congregação para a Doutrina da Fé (aqui) a uma questão sobre
“bênçãos de uniões entre pessoas do mesmo sexo”. A decisão da Congregação para
a Doutrina da Fé, apoiada pelo Papa Francisco, é de que as uniões homossexuais
não podem ser abençoadas. “[Deus] não abençoa, nem pode abençoar, o pecado”. A
resposta causou angústia entre aqueles que esperavam há muito tempo que a
Igreja encontrasse uma forma de contornar a Escritura e a Tradição para abraçar
as uniões homossexuais.
O que me leva de volta à história do homem rico.
Para aqueles que, como eu, vêem a clarificação da CDF
como necessária e bem-vinda, a tentação é a de responder à revolta e à
dissidência com um “Ainda bem! Se preferem agarrar-se ao que lhes é caro em vez
de seguir a verdade, então deixem-nos ir!”
Poderá chegar a isso. Alguns poderão mesmo abandonar, mas
isso não seria uma coisa boa. A Igreja é para os pecadores.
Não. Fazer pouco da derrota dos outros, perante verdades
difíceis, é sobranceria. Todos precisamos de misericórdia e sabê-lo deve servir
para nos tornar humildes.
Não foi por ver alguns a abandonar Cristo e a Sua Igreja
que me lembrei da história do homem rico, foi porque é muito fácil ver-me a mim
próprio no seu lugar: orgulhoso, satisfeito e indisposto a despojar-me daquilo
que me impede de crescer em união com Deus.
O que a Igreja pede aos católicos com atração pelo mesmo
sexo pode ser simplesmente e claramente a castidade – mas isso não o torna
fácil. Deus oferece a sua misericórdia a todos, mas a sua oferta de
misericórdia não nos poupa às escolhas difíceis. De certa forma, a sua maior
misericórdia é mesmo essa escolha, ele oferece-nos uma saída, por mais estreita
que possa ser, em vez de nos deixar como somos. E embora Ele nos olhe e nos
ame, como com o homem rico, deixa ao nosso critério aceitar essa oferta. Ou
não.
Só de pensar nisso devemos tremer.
Nas semanas e nos meses que se seguem vai haver muita
discussão sobre esta declaração da CDF. Haverá muitas verdades difíceis para
defender e argumentos a expor. A questão entrará sem dúvida nos nossos debates
políticos: basta pensar no “Equality Act” que está atualmente a ser discutido
pelo Congresso. E é natural que continue a gerar mal-estar entre católicos.
Mas se o pecado fomenta o pecado e limita a virtude,
então o amor alcança o oposto. Por mais bem-vinda que seja a clareza da
resposta da CDF, essa clareza não nos absolve do trabalho de amar aos nossos
inimigos, quanto mais os nossos irmãos e irmãs em Cristo.
Deixamos passar essa oportunidade à nossa conta e risco.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The
Catholic Thing na Quinta-feira, 18 de Março de 2021)
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