Pe. Paul Scalia |
Nas suas respetivas narrativas da Paixão do Senhor, todos
os quatro Evangelhos referem o facto de a multidão ter preferido Barrabás a
Jesus. A escolha surge no final da tentativa, meia irresoluta, de Pôncio
Pilatos de libertar Jesus. É o momento em que a multidão rejeita
definitivamente Cristo e abraça o mal.
A narrativa capta o pecado humano em poucos versos.
Primeiro Pilatos coloca diante da multidão “Jesus Barrabás” (Mt. 27,17) – isto
é, Jesus, filho do pai” – e depois Jesus o Filho eterno do Pai. A multidão é
chamada a escolher o verdadeiro filho do Pai ou a sua contrafação, a verdadeira
filiação ou a falsa. A escolha da contrafação e do falso resume o nosso estado
pecaminoso.
Nas liturgias de Domingo de Ramos e de Sexta-feira Santa
a congregação pede a libertação de Barrabás. Ao desempenhar esse papel no
drama, o povo de Deus está também, de certa forma, a fazer uma confissão.
Porque na verdade escolhemos Barrabás. Preferimos o falso filho do pai ao filho
de Deus. Tal como os israelitas um dia “trocaram a sua glória pela imagem do
Touro que come relva” (Salmos 106,20), também nós preferimos uma pseudofiliação
em vez da “Glória que em nós será revelada” (Rom. 8,18). Escolhemos ser filhos
no espírito de Barrabás e não de Cristo.
Quem é este que escolhemos? Barrabás é descrito alternadamente
como um rebelde, um assaltante e um assassino. Estas acusações não são
mutuamente exclusivas. Cada uma delas ilumina uma dimensão diferente da nossa
pecaminosidade. E seguem-se muito bem uma à outra. Primeiro, como disse C.S.
Lewis, “Não somos meramente criaturas imperfeitas que devem ser melhoradas;
somos rebeldes que devem depor as armas”. A nossa insistência por autonomia
total, de sermos uma lei para nós mesmos – para ser como Deus (Gen. 3,5) – não
pode existir na ordem de Deus. É rebelião aberta.
E somos também assaltantes. Tomámos os dons e a glória de
Deus para nós mesmos. Tudo o que somos e temos é um dom de Deus a ser
oferecido. Mas mantivemos estas coisas como nossas possessões, para nosso
propósito e glória. E gabamo-nos delas como se fossem as nossas conquistas.
E tudo isto faz de nós homicidas também. Deus é a
condenação e repreensão final e o travão para a nossa rebelião e o nosso roubo.
Não podemos continuá-los se ele estiver em cena. Para preservar a nossa
autonomia e a nossa glória temos de nos desfazer dele. O mundo moderno não é
mais que esta verdade escrita em letras garrafais. Mas cada um de nós vive-a
pessoalmente.
No fundo a escolha entre Jesus Barrabás e Jesus Cristo é
uma escolha entre a nossa autopreservação e o dom de nós mesmos. É a escolha
fundamental que o Senhor articula repetidamente e à qual regressa pouco antes
da sua Paixão. “Quem amar a sua vida perdê-la-á, e quem odiar a sua vida neste
mundo preservá-la-á para a vida eterna”. (Jo. 12,25; conferir Mt. 16,25; Lc
17,33).
Barrabás é a imagem do homem que ama a sua vida e procura
preservá-la a todo o custo. Rebeldia, furto e homicídio são apenas formas
diferentes que arranjou para poder manter o seu pequeno reino seguro. Por outro
lado, Nosso Senhor – espancado, flagelado e coroado de espinhos – é o homem que
odeia a sua vida neste mundo. Perdeu tudo: poder, possessões, saúde, dignidade,
amigos, etc., mas sabe que esta perda não é o final mas o começo, o plantar de
uma semente.
Seguimos Barrabás quando abraçámos esta autopreservação desordenada. Podíamos dizer que é orgulho, mas na nossa cultura essa palavra implica tradicionalmente autoafirmação e exige reconhecimento. Embora possa ser ambas essas coisas, na maioria das vezes o nosso orgulho – essa preservação das nossas vidas, do nosso conforto, da nossa reputação acima de tudo – não é altivo e forte, mas incómodo e fraco. É no interesse da autopreservação que os apóstolos fogem e abandonam Nosso Senhor. É para preservar a sua vida que Pedro hesita diante da pergunta da criada e renega Cristo. É para preservar o seu reinado inconsequente que Pilatos entrega Cristo para ser crucificado.
Este medo desordenado de perder a nossa autonomia, esta
ânsia de preservar as nossas vidas, é a fonte de todo o pecado. Reagimos
enfurecidos quando sentimos uma ameaça à nossa reputação e ao nosso ego. A
nossa gula leva-nos a açambarcar mais e mais coisas, para nos protegermos e
assegurar as nossas fronteiras. Deixamo-nos cair na preguiça para evitar Deus e
preservar o nosso tempo como nosso. E por aí fora. Cada pecado tem esta
característica de autopreservação.
Jesus Cristo é o verdadeiro Filho do Pai. O seu despojamento
é o meio da nossa redenção e o padrão para vivermos a nossa filiação. “Vindo a
ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma
humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!”
(Fil. 2, 7-8). A conversão contínua do cristão requer esta repetida rejeição de
Barrabás e o abraço a Nosso Senhor. A Semana Santa é o tempo certo para
aprofundar essa conversão, para nos dedicarmos de novo ao verdadeiro Filho.
“A quem querem que eu liberte, [Jesus] Barrabás, ou
Jesus, a quem chamam o Messias?” (Mt. 27,17). No passado temos clamado por
Barrabás, para que também nós pudéssemos viver essa falsa filiação. Agora
arrependemo-nos e clamamos por Cristo, para que sejamos libertados para seguir
o verdadeiro Filho do Pai e o seu caminho de autodoação.
O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia, do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 28 de março de
2021 em The
Catholic Thing)
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