Randal Smith |
Mais recentemente Stratton Hild, doutorada em
musicologia, tem estado a dedicar-se ao estudo fascinante dos cânticos que as
diferentes comunidades entoavam para moribundos na Idade Média. Havia liturgias
inteiras para confortar quem estava a morrer. Partia-se do pressuposto que toda
a comunidade de amigos e família acompanhariam os moribundos na sua viagem
através da morte e para além dela. Presumia-se que ninguém deveria morrer sozinho
e que ninguém deveria morrer sem o apoio da comunidade de crentes que cuidariam
das suas necessidades físicas, emocionais e espirituais.
Não eram só os medievais que acreditavam nisto. Muitas
culturas desenvolveram práticas para ajudar a “acompanhar” os mortos tanto
física como espiritualmente. Uma mãe de três filhos, que tinha sido noviça numa
comunidade religiosa, disse-me que quando tocava uma certa campainha no
mosteiro toda a gente parava imediatamente o que estivesse a fazer e ia para o
quarto da irmã que estava a morrer. Então toda a comunidade, incluindo as que
não cabiam no quarto, entoava um cântico enquanto ela morria.
Neste mundo moderno e secularizado a maioria de nós já
não sabe cuidar dos moribundos. A nossa tendência é para fechar as pessoas num
quarto para que ninguém tenha de assistir a este “falhanço” da nossa tecnologia
moderna.
Recebi de uma amiga uma descrição do trabalho da Elaine
Stratton Hild há algumas semanas, quando publiquei um artigo no The Catholic Thing em que exortava os bispos e padres
católicos a aliviar algum do peso das famílias quando morrer um paroquiano. O
velório, o terço e o funeral devem ter lugar na Igreja, em plena vista do altar
e da cruz, dizia, e não numa sinistra casa funerária, com custos exorbitantes.
Não precisamos de embalsamar os corpos – um desastre
tóxico para o ambiente – e as pessoas devem ser sepultadas num simples caixão
de madeira, na terra, nos arredores da igreja, como acontece há séculos. Gastar
milhares de euros para enterrar um corpo, dando pouca atenção à missa é tão
estúpido como gastar milhares de euros num casamento e não pensar na missa. Ah,
pois! Também fazemos isso…
Mas ao ouvir Stratton Hild falar do seu trabalho percebi
que mal tinha arranhado a superfície da questão com o meu artigo anterior.
Agora, acredito que a Igreja deve oferecer a sua ajuda, e a presença
consoladora do Corpo de Cristo, não apenas no funeral, mas durante todo o
processo da morte. E quando digo “a Igreja” não me refiro apenas aos clérigos.
Não quero com isso menosprezar a importância dos padres e
das freiras. Não consigo pensar em nada mais consolador num hospital do que ver
uma enfermeira que é também uma freira, de hábito. Os católicos costumavam ver
isso a toda a hora, mas hoje em dia já não acontece. (Porquê?) Mas os padres e
as freiras não podem fazer tudo, e não podem substituir-se a uma comunidade inteira.
Não devemos querer descarregar neles esta responsabilidade, mantendo-a longe da
vista, tal como já fizemos com os médicos e as enfermeiras.
Elaine Stratton Hild a fazer pesquisa |
A única coisa que todos os moribundos que alguma vez
conheci queriam era morrer em casa. Nenhum o fez. E as probabilidades de uma
pessoa ter acesso a música, cânticos, uma liturgia comunitária ou a mera
presença constante de família e amigos, é quase nula.
Deixámos que a cultura moderna nos atomize,
transformando-nos em unidades isoladas. Quando isso acontece deixamos de ter
qualquer poder contra as instituições que prometem cuidar de nós, mas que nos
ameaçam cada vez mais. A comunidade médica tem um papel importantíssimo a
desempenhar no tratamento dos moribundos, mas é apenas uma parte. Ninguém
deveria ter de morrer sozinho, num hospital, longe de casa.
Recentemente tive o privilégio de poder participar numa
celebração melquita em honra de um homem recém-falecido. Foi uma experiência
triste, mas belíssima e profundamente tocante. A única tragédia era o homem não
estar lá para o experienciar. E não o digo como piada, o que quero dizer é que
há poucas coisas mais belas e consoladoras para uma pessoa que está a morrer do
que experimentar este tipo de liturgia.
Precisamos de recuperar as liturgias e práticas comunais
que a Igreja usou durante séculos para confortar os moribundos e consolar as
suas famílias, antes da sociedade ter decidido que se tratava de um “assunto
médico”. Cometemos uma violência contra a pessoa quando não compreendemos a
importância e o valor de comer e falar com outros, do riso, do toque, da
música, canto e da presença de amigos, família e comunidade. Isto é verdade
tanto durante os nossos tempos de saúde como quando estamos às portas da morte.
A morte não é um falhanço humano. É o fim natural da vida
humana. Mais, Cristo advertiu os seus seguidores para o facto de que “se o grão
de trigo não cair na terra e não morrer, permanecerá ele só; mas se morrer
produzirá muito fruto”. Mais tarde São Paulo escreveria que “se já morremos com
Cristo, cremos que também com Ele viveremos”. Esta ainda é a nossa fé? Então
precisamos de rodear as pessoas com expressões repetidas dessa mesma fé à
medida que se aproximam da sua viagem final.
Podem encontrar uma introdução belíssima ao projeto de
Elaine Stratton Hild neste curto vídeo.
Leia também:
- Morte: "Tristeza é natural, mas a Igreja dá-nos um horizonte de esperança"
- As crianças devem ir a funerais?
- Recordando o Corpo
- Exposição Real Bodies? Nem morto, quanto mais vivo
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no sábado, 29 de Junho de 2019)
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