Randall Smith |
Nunca compreendi o conceito de “casa funerária”. São
locais perturbadores e o mais distante de uma “casa” que se possa imaginar. A
mobília nunca é caseira, parece mais a mobília de casa de uma senhora velha e
rica, em que não devíamos tocar nem sentar. O ar é parado, normalmente
estagnado e as pessoas andam de um lado para a outro a sussurrar. Às vezes, se
repararmos, há música a tocar no fundo, do género que mal se ouve, mas que
depois de darmos conta não nos sai da cabeça. Qualquer elevador tem uma oferta
musical mais alegre. E nem vou falar do problema dos caixões metálicos enormes
e dos cadáveres embalsamados.
Esquecemo-nos de como enterrar os mortos. Quando uma
igreja lida bem com a morte existe um sentido de memória, sem ter de passar a
pente fino todos os detalhes da vida de uma pessoa. Há um sentido claro de que
a pessoa pertencia, que ele ou ela era uma parte importante da comunidade; que
agora há algo que faz falta, mas que a vida continua, apesar de tudo, porque a
vida deles era dedicada à comunidade. Por isso quando nós damos seguimento ao
seu trabalho (e não nos preocupamos apenas com as nossas tarefas) e dedicamos
as nossas vidas à mesma comunidade que ele ou ela servia, cuidando dos seus
filhos ou netos, do jardim, edificando as instituições com o mesmo espírito e
com a mesma visão, permanecemos unidos a eles e eles a nós.
Este sentimento de ligação alimenta-se (e tem de ter
as suas raízes) na crença na comunhão dos santos. Quando aqueles que amamos
morrem, não nos limitamos a perdê-los, mas ganhamos com eles uma comunhão ainda
mais profunda. A ressurreição de Cristo e a doutrina da ressurreição geral comprovam
que as nossas acções, experiências e relações não se perdem nem são negadas
quando morremos. Pelo contrário, são glorificadas. Podemos estar presentes de
forma ainda mais dramática com as pessoas e as comunidades que amamos, sem
limitações de tempo e de espaço.
Mas a ressurreição que pregamos é a ressurreição do corpo, não a libertação de um espírito
gnóstico preso dentro do corpo. Os judeus ortodoxos e os muçulmanos partilham
com os cristãos a crença na ressurreição do corpo. É por isso que eles insistem
em sepultar os seus mortos. Não os
queimam, para depois meter as cinzas numa caixa, na prateleira, dizendo às
visitas: “Ainda não decidimos o que fazer com elas”. Nós esquecemo-nos de como
sepultar os nossos mortos e saber como sepultar os mortos não é uma coisa menor.
Se a Igreja quiser recuperar o seu lugar na comunidade
deve voltar a responsabilizar-se pela sepultura dos mortos. Deve estar pronta a
tomar conta dos acontecimentos. Todas as coisas difíceis e melindrosas que as
pessoas têm de passar para sepultar os seus entes queridos quando estão de luto
devem ser tratadas pela igreja.
Tudo o que se passa naquelas sinistras “casas
mortuárias” deve acontecer na igreja. O velório, o terço, os cumprimentos aos amigos
e parentes, talvez até a refeição partilhada.
O Cardeal Ratzinger no enterro do Papa João Paulo II |
Conheço um cemitério perto de um campus universitário onde
a maioria dos membros de uma ordem religiosa estão sepultados debaixo de
simples cruzes. Conheço várias pessoas, novas e velhas, que visitam esse lugar
regularmente porque lá encontram conforto espiritual e sentem que os ajuda a
colocar as coisas em perspetiva, recordando-os daquilo que é verdadeiramente
importante na vida.
Claro que me vão responder: “Não podemos sepultar os
nossos mortos no adro da Igreja, porque a lei não o permite”. Eu sei. Mas se já
muitos advogados conseguiram dar a volta a estas regras antiquadas – que só
faziam sentido quando as cidades não tinham forma de preservar corpos em
decomposição – nós também conseguimos! Lutemos pelo direito a fazer aquilo que
as igrejas fazem há séculos.
E continuaria a haver trabalho para as agências funerárias,
claro. Não seria preciso as igrejas irem buscar cadáveres à morgue, embalsamar
os corpos ou fornecer caixões – embora algumas forneçam caixões baratos de madeira,
sobretudo a famílias pobres. E na verdade ninguém precisa de ser embalsamado (10 mil euros para enterrar alguém? Neste
país é preciso ser rico para viver e
para morrer).
Basta as igrejas reaprenderem a fazer bem esta coisa tão simples e passarão a merecer
a mais profunda gratidão e admiração não só dos seus membros, mas mesmo dos
ateus mais empedernidos, pela atenção revelada durante a sua hora mais negra.
Se, por outro lado, as Igrejas não
conseguirem fazer esta única coisa – estar
presente com as pessoas quando mais precisam – então não se devem surpreender
com o facto de se tornarem cada vez mais irrelevantes para a sociedade, e
desprezadas pelo seu aparente desinteresse em levar a cabo um dos seus deveres mais
básicos.
Leia também:
- Morte: "Tristeza é natural, mas a Igreja dá-nos umhorizonte de esperança"
- Ascrianças devem ir a funerais?
- Recordandoo Corpo
- ExposiçãoReal Bodies? Nem morto, quanto mais vivo
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
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