Michael Pakaluk |
Num dos dedos da
minha mão esquerda uso uma aliança, que entendo ser um sinal do meu amor e da
minha fidelidade pela minha mulher, Catherine. Mas as palavras da liturgia dão a
entender outra coisa. Quando recebi a aliança da minha mulher no nosso
casamento ela disse, “Toma esta aliança, como sinal do meu amor e da minha
fidelidade”. Por isso parece que estou enganado: a aliança que eu uso
representa a fidelidade dela, não a minha. Ou será? Como é que resolvemos este
problema?
Uma forma seria
simplesmente mudar as palavras. Já vi essa sugestão feita num site popular de
planeamento de casamentos, sem a devida autorização, claro, no sentido de mudar
as palavras para Eu, [nome] recebo esta aliança como sinal do meu amor e
fidelidade”!
Portanto a coisa
não parece clara e algumas pessoas tentam resolvê-la com o senso comum. A
verdade é que essa situação menos clara foi introduzida com a reforma
litúrgica. A Forma Extraordinária é muito mais clara e inclui a bênção, só da
aliança da mulher, pelo padre:
Abençoa, + Senhor, esta aliança, que benzemos + em
vosso nome, que aquela que a vai usar, mantendo verdadeira fé no seu esposo,
possa permanecer na vossa paz e em obediência à vossa vontade e viver para
sempre em amor mútuo.*
Repare-se que as
palavras não se referem à aliança como “sinal” de nada. Só existe uma cláusula
de propósito, “que aquela que a vai usar”. Isto é porque a aliança é vista como
um “sacramental”, isto é, algo sagrado que tem o poder conferido de fazer
aquilo que significa (como a água benta). Assim, a aliança não é apenas
representativa da sua fidelidade: tem como propósito auxiliá-la a ser fiel.
(Vemos um sinal disto naqueles homens que tiram a aliança antes de entrar num
bar, abdicando assim da ajuda divina em permanecer fiéis).
A bênção refere-se
também à obediência à vontade de Deus. Isto é algo que uma pessoa sensata
compreende. Ser casado implica aceitar uma regra; estar constrangido. Uma
pessoa aceita um jugo – um jugo “suave” e “leve”, claro, que, se for adoptado
com o espírito certo, traz muita “paz”. Mas seria insensato negar que uma
aliança é um compromisso com a disciplina, tanto como um cabeção para um padre.
Mas há uma falha, uma
fraqueza, no ritual. A bênção refere-se ao “amor mútuo” mas só o marido é que
dá uma aliança à noiva, e não ao contrário. (Era costume na Europa, até ao
final do Século XIX, apenas a mulher usar a aliança.) O novo rito, como
veremos, procura remediar isto.
Na Forma
Extraordinária, o padre dá a aliança benzida ao noivo, que a dá à noiva, usando
uma de duas fórmulas:
Com esta aliança eu te desposo, e juro ser-te fiel*
-ou-
Com esta aliança eu te desposo; este ouro e esta prata
eu te dou:
Com o meu corpo eu te venero; e todos os meus bens
terrenos te ofereço*
Um objecto em duas mãos |
Os linguistas
chamam a este tipo de linguagem “performativa” uma vez que as palavras
significam e cumpre, simultaneamente, a acção. Aquilo que as palavras
significam e efectivam é a perfeição da união matrimonial através da dádiva de
um objecto precioso, a aliança.
Mas nem é
necessário que o objecto seja uma aliança! Acontece que a aliança era o objecto
precioso mais fácil de guardar junto ao corpo nas culturas antigas. Mas o “ouro
e prata” refere-se a moedas que também podem ser oferecidas, como as famosas
“arras” que ainda são dadas durante a cerimónia nas culturas hispânicas e que
por isso mesmo foram incorporadas como uma opção nos casamentos católicos nos
Estados Unidos, em 2016.
Nos dias em que o
casamento era entendido não tanto como uma simples relação pessoal, mas mais
como uma instituição que conduzia à estabilidade financeira, o facto de o homem
dar um objecto precioso à sua mulher era um sinal da seriedade do seu
compromisso de estabelecer esta instituição com ela em particular. A isto
acrescentava-se o dote, o capital inicial para a nova instituição, dada por uma
ou ambas as famílias. Uma vez que o casamento continua a manter essa
característica, pode-se argumentar que a tradição das “arras” é um vestígio e
um testemunho desse entendimento e que por isso ganharia em ser adaptado a
outras culturas também.
Podemos agora
contrastar isto com o significado das palavras no novo rito. Quando o noivo diz
“toma esta aliança, como sinal do meu amor e da minha fidelidade”, não se
refere à utilização da aliança, mas à aliança enquanto objeto precioso. Oferece
a aliança por amor e com uma promessa de fidelidade; depois, ela usará a
aliança por amor e como promessa de fidelidade. (Em 2016 a linguagem foi
alterada para “Recebe esta aliança” em vez de “toma esta aliança” – o que se
pode dizer que emenda o problema ao enfatizar mais corretamente o facto de a
dádiva ser um evento único.)
Então esta nova
linguagem é confusa e confunde – ou (talvez sem o querer) é profundamente
verdadeira? Vejamos por este prisma: num contexto moderno, uma aliança é um
objecto ou meio objecto? Comparando: um sapato é meio objecto e não um objecto
inteiro, uma vez que os sapatos existem aos pares. Claramente, hoje olhamos
para as alianças da mesma forma, como sendo aos pares. Nesse sentido, em bom
rigor, uma pessoa não usa uma aliança, são duas pessoas que usam um único
objecto – as alianças. Cada aliança, sobretudo pelo facto de não ser completa
por si só, representa o amor e a fidelidade de ambos.
Assim, as palavras
do novo rito, não obstante a sua falta de clareza aparente, acabam por ser
profundamente verdadeiras. É frequente uma coisa significar a sua proveniência.
A aliança que uso na minha mão esquerda nunca deixa de “dizer” que foi recebida
como sinal de amor e de fidelidade. Usada, representa um amor e uma fidelidade
que são precisamente recíprocos e mútuos.
*As traduções são minhas, do inglês. Não consegui encontrar traduções portuguesas das bênçãos e das expressões. Caso existam, e algum leitor as conhecer, agradeço que me informem para poder trocar. Obrigado!
Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia
Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and
Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua
mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na terça-feira, 9 de Julho de 2019)
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