Stephen P. White |
Um relatório publicado em Março pela Conferência
Episcopal da Polónia reconheceu que desde 1990 um total de 382 padres foram
acusados de abusos sexuais de menores. Estas alegações foram feitas por 625
vítimas diferentes.
A maioria das vítimas na Polónia tinha mais de 15 anos, o
que é bastante mais do que nos Estados Unidos. A maioria das vítimas, 58,4%,
são do sexo masculino, segundo os bispos polacos. Note-se que a idade de
consentimento na altura em que o relatório foi publicado era de 15 anos e a
maioridade atinge-se aos 18.
A forma como se lidou com os casos tem sido, em certas
alturas, e de forma tragicamente familiar, gravemente desadequada. Mudança de
padres para outros lugares, culpabilização dos media e por aí fora. De certa
forma, a Igreja aqui está no mesmo lugar em que estava a americana há 25 anos.
A resposta dos bispos polacos variou entre o cuidado,
sincero e o mais insensível. O arcebispo Wojciech Polack de Gniezno, Primaz da
Polónia, insistiu que cada caso de abusos deveria “evocar em nós dor, vergonha
e culpa”. Já o bispo de Cracóvia, Marek Jędraszewski, atrapalhou-se todo ao
insistir que “tolerância zero” não deve significar “misericórdia zero”. Para o
ilustrar escolheu talvez a pior analogia possível: “Quando os nazis adoptaram
uma política de tolerância zero para com os judeus, o resultado foi o
Holocausto”. Como devem calcular, a comparação não caiu particularmente bem.
Em maio dois irmãos – Tomasz (guionista e diretor) e
Marek Sekielski (produtor) – lançaram um documentário chamado “Não
Digas a Ninguém”. O filme conta as histórias de sobreviventes de
abusos e a resposta inadequada dos bispos polacos. Inclui cenas arrepiantes de
sobreviventes a confrontar os seus abusadores.
O relatório dos bispos, lançado em Março, foi uma notícia
importante, mas o lançamento de “Não Digas a Ninguém” abalou o país inteiro. O
filme foi lançado no YouTube, onde foi visto mais de um milhão de vezes só nas
primeiras seis horas. Até à data foi visto mais de 22,5 milhões de vezes, um
número incrível tendo em conta que a população total da Polónia é de pouco mais
de 38 milhões.
Sendo a Polónia, todo este drama – e o assunto dos abusos
sexuais praticados pelo clero em geral – assumiu rapidamente contornos
políticos. “Não Digas a Ninguém” foi lançado duas semanas antes das eleições
para o Parlamento Europeu.
O partido conservador Direito e Justiça, no poder, tinha
ligações próximas com muitos dos bispos polacos. Alguns membros da oposição
tomaram nota da revolta provocada pelo filme e tentaram usar os abusos sexuais
como tema de campanha. Mas a oposição deu um passo maior que as pernas
(incluindo a promoção agressiva da agenda LGBT) e saiu-lhes o tiro pela
culatra.
"Não Digas a Ninguém" |
Juntou-se a todo este desassossego os comentários feitos
pelo Papa Francisco na conversa com os jornalistas a bordo do avião depois da
sua visita a Abu Dhabi, em Fevereiro. O Santo Padre estava a defender o registo
do então Cardeal Ratzinger e a forma como tinha lidado com alegações de abusos
sexuais, nomeadamente em relação ao fundador dos Legionários de Cristo, o padre
Maciel. Ao defender Ratzinger Francisco pareceu dar a entender – pelo menos
assim o compreenderam vários polacos – que os esforços de Bento XVI tinham sido
travados por João Paulo II.
O secretário de longa data de João Paulo II, o arcebispo
emérito de Cracóvia, Cardeal Stanisław Dziwisz, saiu em defesa de João Paulo,
insistindo que as insinuações baseadas nos comentários ambíguos de Francisco
eram injustas. Quando, mais tarde, Francisco elogiou o trabalho feito pelo Papa
João Paulo II na luta contra o abuso – chamando-o “corajoso” e dizendo que
“ninguém pode duvidar da santidade e da boa-vontade deste homem” –Dziwisz
publicou uma carta aberta agradecendo ao Papa Francisco por “pôr fim às
tentativas de difamar São João Paulo II”.
Em Junho o arcebispo Charles Scicluna, o homem de mão do
Papa Francisco para resolver crises de abusos sexuais, encontrou-se com os
bispos polacos. A imprensa polaca especulava que vinha aí uma onda de
resignações. Consta que Scicluna foi duro, mas por agora o episcopado polaco
permanece intacto.
Contudo, Scicluna aproveitou o momento para sublinhar a
defesa do Papa João Paulo II feita por Dziwisz: “Eu sou testemunha da
determinação de São João Paulo II em combater os abusos sexuais de menores
quando confrontado com os casos. Penso que aqueles que questionam a competência
ou a determinação de São João Paulo II em lidar com este fenómeno devem rever
os seus conhecimentos históricos.”
Muitos dos polacos com quem eu falei disseram-me que a
ideia que reina é que as más notícias nesta questão ainda não acabaram. Os
últimos meses têm sido uma montanha russa. As coisas poderão acalmar, sobretudo
se os bispos polacos conseguirem evitar tornar os seus erros ainda piores, com
alguns dos bispos americanos fizeram. Mas o sentimento geral que obtive de
amigos polacos – devotos ou não – é que o pior ainda está para vir.
É difícil prever como é que a Polónia lidará com isso. O
país continua a ser profunda e extraordinariamente católico, mas o catolicismo
polaco mantém-se em larga medida na defensiva. As alianças entre a Igreja e
políticos populistas, por mais devotos que sejam, podem adquirir estabilidade a
curto prazo mas com um altíssimo custo a longo prazo. Como aprendemos da pior
maneira aqui nos Estados Unidos, o instinto eclesial de defender a instituição,
por mais piedoso que seja, pode conduzir a actos que têm o efeito precisamente
contrário.
No meu entender a Igreja polaca está muito mais próxima
do princípio do que do fim de toda esta trapalhada. A forma como os bispos
polacos lidarem com a crise dos abusos ao longo dos próximos meses e anos
contribuirá em larga medida para garantir o futuro de um dos exemplos mais
belos de verdadeira cultura católica. Esse futuro está agora mais frágil do que
muitos gostariam de admitir.
Rezem pela Polónia.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no
Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 18 de Julho
de 2019)
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