A Ana Rute Cavaco, mulher do meu amigo Tiago Cavaco,
pastor evangélico, escreveu um post muito interessante, de leitura obrigatória para quem tem filhos, sejam católicos,
protestantes ou ateus. Ela responde à pergunta sobre se devemos deixar as
crianças ir a funerais e conclui que sim. Não podia concordar mais.
Leiam o post por vocês, não vou repetir os argumentos,
apenas responder a dois pontos, pequenos detalhes, e acrescentar uma história e
uma reflexão.
Num dos pontos do texto, a Ana Rute comenta que “quem
decide o início e o fim é o Senhor Deus, que toma conta de tudo neste mundo, e
onde nada acontece sem que ele tenha planejado”. Admito que não gosto desta
linguagem… Pode ser uma questão de semântica. Deus sabe tudo, nada acontece que
o possa apanhar de surpresa, mas dizer que Ele planeou tudo é diferente, faz
dele o autor moral das tragédias, e isso parece-me ir longe de mais. Deus
planeou a morte das vítimas de Pedrógão? Não acredito. Estava ao lado de cada
um enquanto sofria? Não tenho dúvidas. Mas como disse, isto é um detalhe no
artigo da Ana Rute, não pretendo fazer dele uma polémica.
Mais à frente ela escreve sobre o corpo. “Embora o corpo
não tenha mais vida, e seja feio o enterrar de um caixão, foi com o corpo que
convivemos. Sabemos que a alma não está mais lá, mas devolvemos o corpo à
terra, porque um dia fomos pó e ao pó voltaremos (e, nesta altura, podemos
lembrar da Criação). Prestamos uma última homenagem a quem viveu, estamos ao
lado de quem sofre, e prestamos culto ao Deus de todas as coisas.”
Primeiro, reparo que ela se refere ao enterro, e não à
cremação. Graças a Deus! Diz-me Ana Rute, ou outros, os protestantes, em
Portugal, costumam optar por cremações? Espero que não. A cremação é um dos
meus ódios de estimação.
Mas também reparo que neste ponto não refere aquilo que
eu diria… Respeitamos o Corpo em sinal da nossa crença na Ressurreição dos
corpos. Esta é uma das crenças da ortodoxia cristã – está ali no Credo, não há
como lhe escapar – que mais é ignorada nos nossos tempos. Não sei se é causa ou
sintoma, mas esse ignorar da ressurreição da carne no fim dos tempos faz parte
daquilo que eu considero uma das grandes heresias do nosso tempo, a redução do
corpo a mero objecto, a mero invólucro da alma, que perde todo o seu valor a
partir do momento da morte e que, durante a vida, serve sobretudo de
instrumento ao serviço do bem-estar da alma, ou do espírito. Atenção, não estou
a acusar a Ana de acreditar em qualquer uma destas ideias, mas gostava de saber
se existe aqui uma grande diferença entre o catolicismo e o protestantismo.
Acreditam os Evangélicos na Ressurreição final?
Por fim, uma história que confirma a tese da Ana Rute,
mas de outra perspectiva. Há quatro anos tive de ir a um funeral e não tinha
onde deixar o meu bebé. Tinha meses, levei-o comigo. A seguir à missa pedi
boleia a um primo, neto do defunto, para Sintra e ele disse que primeiro ia à
cremação. Já referi que odeio cremações? Odeio cremações por várias razões,
sobretudo porque acho que revelam uma falta de fé na sacralidade do corpo,
mesmo depois da morte, e na ressurreição final. Mas para além dessas razões
teológicas, detesto o ambiente dos crematórios, acho sinistro.
Mas fui na mesma, claro, e levei o bebé. E então notei
uma coisa interessante. A presença do bebé tornou toda aquela realidade muito
mais fácil de viver para todos os que estavam presentes. Concentraram-se à
nossa volta, fizeram perguntas, brincaram com ele.
E então percebi que se por um lado é importante as
crianças perceberem que a morte faz parte da vida, indo a funerais, por outro
lado é importante as pessoas nos funerais perceberem que a morte não impera,
mas sim a vida. Nada o demonstra melhor que a abundância de vida das crianças.
Obrigado, Ana Rute, por teres desencadeado esta reflexão.
A Ana Rute respondeu entretanto a algumas das minhas perguntas:
A Ana Rute respondeu entretanto a algumas das minhas perguntas:
1. Deus planeou tudo? - Sim, acredito que Deus é soberano
e que não há nada que não aconteça no mundo que ele não tenha planeado. Não
sendo ele a origem do mal, o mal não é algo que aconteça e que o surpreeenda.
Em Isaías 46.9-10 diz: “Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu
sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que
desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as
coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé,
farei toda a minha vontade”.A morte de Jesus na cruz pelos nossos pecados não
foi o plano B de Deus. Foi o plano A desde sempre, por mais confuso que isto
possa parecer, mas é o que a Bíblia me diz e eu acredito, pela fé.
2. Cremação - também não sou a favor, pelos mesmos
motivos que tu. Acredito na ressurreição do corpo e na vida eterna e acho que
um funeral deve ser feito pelo enterro e não pela cremação. Esta é a minha
posição pessoal, mas há muitos evangélicos que praticam a cremação, e eu
respeito. Centrei-me no acto ser "feio" para as crianças, porque lhes
pode fazer impressão verem o corpo com que conviveram ser coberto de terra, e
foi por isso que usei essa expressão.
3. A vida nos funerais - é isso mesmo: a morte não é o
fim, é o princípio.
"E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu
não perca nenhum dos que ele me deu, mas os ressuscite no último dia. Porque a
vontade de meu Pai é que todo aquele que olhar para o Filho e nele crer tenha a
vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia".
João 6:39-40
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