Pe. Gerald E. Murray |
Cinco meses mais tarde, depois de uma reunião de três
dias em Roma com o Papa Francisco, a Conferência Episcopal do Chile concluiu,
por inteiro, que a sua partida colectiva seria do agrado do Papa e lhe daria maior
liberdade para restaurar a confiança dos católicos chilenos, nomeando novos
bispos em todo o país. Como é que a coisa chegou a este ponto?
Na conferência de imprensa em que anunciou a resignação
em massa, o bispo Fernando Reyes, secretário-geral da Conferência Episcopal
Chilena, disse:
Neste contexto de diálogo e discernimento, foram
apresentadas várias sugestões sobre como lidar com esta grande crise e
desenvolveu-se a ideia de que para estar mais em linha com a vontade do Santo
Padre seria apropriado declarar a nossa disponibilidade absoluta para colocar
as nossas responsabilidades pastorais nas mãos do Papa. Desta forma pudemos ter um gesto colegial de solidariedade e assumir a responsabilidade – não sem
pesar – pelos actos graves que ocorreram, para que o Santo Padre possa decidir
livremente como quer proceder em relação a nós.
Ao que parece, os bispos chilenos pensam que o Papa
queria as suas resignações. Em Janeiro este desenvolvimento seria impensável. O
que é que se passou? A explosão da fúria das vítimas de abusos sexuais e dos
católicos comuns, combinada com uma cobertura persistente do conflito por parte
dos media.
O Papa tomou a peito as reacções fortes aos seus
comentários. Mandou dois investigadores externos para o Chile para recolher
provas e dar-lhe conta do que descobriam. Depois chamou a hierarquia chilena a
Roma.
Apresentou aos bispos as provas recolhidas pelos seus
investigadores numa carta (mais tarde mostrada à imprensa) dada aos bispos
chilenos quando chegaram a Roma. Os claros erros citados pelo Papa batem certo
com experiências semelhantes noutros países: destruição de provas;
transferência de padres acusados, sem preocupação pelos menores que passariam a
estar sob a sua influência, tácticas de adiamento e investigações superficiais
ou inexistentes das queixas recebidas, bem como pressão sobre os que
desenvolveram as investigações aos alegados crimes; e a colocação por parte de
bispos e de superiores religiosos de padres suspeitos de serem homossexuais
activos em seminários e noviciados.
Não admira que os investigadores tenham encontrado este
padrão, já tão familiar, no Chile. Os relatos a Roma por parte da hierarquia
chilena, nesta matéria, incorriam em deficiências graves ou eram mesmo
enganosas.
A lição aqui é clara: Se a Santa Sé quer extirpar o abuso
sexual de menores por parte de membros do clero, e pôr fim aos encobrimentos
por parte de clero e bispos em lugares de topo, então deve usar os mesmos meios
que usou aqui noutros lugares. Investigadores nomeados pelo Vaticano, sem
ligações à igreja local, devem ser enviados para recolher dados quando surgem
queixas de abusos sexuais e encobrimentos.
O sistema actual de deixar a vigilância e os relatos à
hierarquia local provou ser completamente desadequado no caso chileno. A
eficiência das provisões canónicas que governam as situações de acusação de
abuso sexual de menores por parte de padres assenta numa colaboração plena e
vigorosa da hierarquia local. Se isso não acontecer, a justiça não pode ser
feita. Mas essa colaboração muitas vezes não existe.
A triste realidade é que a exposição do crime de abuso
sexual de menores e as tentativas em larga escala de bispos e de superiores de
ordens religiosas para esconder os factos do público não resultou de acções
iniciadas pela Igreja, mas sim pela polícia, tribunais e os media em vários
países.
No caso do Chile as vítimas de abusos sexuais só receberam
uma audição justa em Roma depois de insistirem na verdade das suas afirmações,
após rejeição episcopal e papal. O Papa Francisco decidiu olhar novamente para
o assunto e o que descobriu foi que não lhe tinha sido contada a história
completa.
Também devia aproveitar para rever os registos de vários
departamentos da cúria romana que estiveram envolvidos na supervisão da
situação do Chile ao longo dos últimos 30 anos. A Congregação para a Doutrina
da Fé considerou o padre Karadima culpado de abuso de menores em 2011. Foi
proibido de exercer o ministério sacerdotal e ordenado a viver uma vida de
oração e penitência. Consta que ainda reclama a inocência. O que foi feito foi
suficiente?
Ao não removê-lo do sacerdócio e reduzi-lo ao estado
laical, a gravidade dos seus crimes não foi suficientemente reconhecida. Tal
como no caso do padre Marcial Maciel, que também não foi despido do sacerdócio,
não obstante os seus múltiplos e graves crimes, uma vida de oração e de
penitência torna-se o equivalente funcional de uma reforma antecipada e não
retira ao predador sexual o estado de vida que lhe permitiu ter tão fácil
acesso às suas vítimas.
A remoção do sacerdócio é uma reprimenda inconfundível
pela grave ofensa que deu a Cristo e aos seus mais pequeninos, e comunica de
forma clara para todo o mundo que a Igreja considera que ele perdeu o direito a
exercer o ofício do sacerdócio de que tanto abusou.
A acção tomada por Roma na situação do Chile era
necessária e purgativa. A missão da Igreja é promover o Evangelho. Isso inclui
fazer tudo o que for possível para proteger os inocentes e punir os culpados.
Não se trata de vingança, mas de justiça.
Agora chegou a altura de lançar o mesmo olhar para outros
países onde permanecem questões semelhantes sobre a forma como se lidou com
acusações de abusos sexuais e encobrimentos.
O padre Gerald E. Murray, J.C.D. é pastor da Holy Family
Church, em Nova Iorque, e especializado em direito canónico.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 24 de Maio de 2018)
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