No pós-Segunda Guerra Mundial, um cientista de Oxford
escreveu um livro curto e tocante em que examina as verdades da fé cristã de
“forma científica”. A obra é pouco conhecida hoje, mas as ideias exploradas em
“Two Ways
of Life” de Sherwood Taylor, são relevantes para a situação presente
no Ocidente pós-cristão.
Taylor examina duas formas de vida – a cristã e a
materialista – perguntando que impacto visível é que cada uma destas filosofias
tem sobre o indivíduo e a sociedade. É, admita-se, uma abordagem simples, mas
uma que pode ser iluminadora para qualquer tempo e para as verdades da Fé. Como
o próprio Cristo disse, “pelos seus frutos conhecê-los-ão”.
A nossa vida interior tem impacto sobre tudo e sobre
todos. O cristão sabe o propósito da sua vida: servir a Deus e salvar a alma.
Como guias neste caminho, tem a vida e os ensinamentos de Jesus, a sabedoria
das Escrituras e a autoridade da Igreja. Toda a sua vida é marcada por diversos
amores que radicam, como diz Dante, no “amor que move o sol e as outras
estrelas”. Anseia imitar Nosso Senhor, um objectivo gloriosamente alto.
No quadro geral do Cristianismo, uma criança é acolhida
no mundo como um dom, não como um fardo. É baptizada como criatura de Deus.
Rapidamente aprende sobre Cristo e sobre a natureza incomensurável da
Encarnação.
Aprende que não pode servir a Deus e ao dinheiro, que os
poderes desta vida não lhe devem dizer respeito e que o sofrimento – se vier –
deve ser acolhido como forma de se configurar com a vida divina. Vê a beleza da
criação em todas as coisas. Tenta colocar o amor no centro da sua vida. Falhando
isso, pede perdão. Quando a morte chegar, não é o fim. Reza para que possa
alcançar o Céu.
Já o materialista parte de uma posição desprovida de finalidade.
A livre vontade é impossível. Tudo acontece por necessidade e a ideia de
escolha é uma triste ilusão. Como é que se vive depois de rejeitar a existência
de um propósito no cosmos?
A sua vida é preenchida com diferentes objectivos e
preocupações. Tudo o que o ajude a evitar ponderar o sem sentido do vazio. Nas
palavras de Sherwood Taylor, “quem rejeita a crença no espírito deve
esforçar-se por esquecer a escuridão do sepulcro sem fim, distraindo-se com
brinquedos”. E que brinquedos são estes? Dinheiro, prazer, poder – as diversões
do costume.
Claro que, em si mesmas, estas coisas apenas podem
redundar num sentimento de vazio. Enquanto o cristão sabe que “Fizeste-nos,
Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti”,
o materialista tem sempre presente um sentimento de vazio interno. Sherwood
cita o Fausto, de Goethe, para o ilustrar:
Em mal, que é certo.
Quanta ciência em mente de homem cabe
Toda em balde juntei; por mais que explore,
Força nenhuma se criou cá dentro;
Não cresci a grossura de um cabelo,
E em nada do infinito estou mais perto.
Frank Sherwood Taylor |
Claro que não há falta de materialistas que, de facto,
procuram o bem – a maioria das vezes, porém, através de formas de altruísmo que
radicam nas brasas adormecidas das sociedades cristãs. Não encontramos muitos
materialistas a apoiar publicamente atitudes pré-cristãs para com os pobres e
deficientes, por exemplo. É excepcionalmente difícil fazer uma defesa racional
do altruísmo materialista.
Da perspectiva do materialismo, muita sorte tem a criança
a quem é permitido sair do ventre. Se o fizer, rapidamente absorverá a
moralidade da moda, a que falta qualquer base objectiva. É-lhe dito que as suas
acções são simplesmente “claramente certas ou erradas”. Virá a perceber que a
não ser que mate alguém, é provavelmente uma “boa pessoa”, seja o que for que
isso significa.
Aprende que a prosperidade é algo da maior importância,
que o sexo é separável do amor e do casamento e que vive num período de grande
liberdade e progresso. Procura encher a sua vida com confortos. No fim,
enfrenta sozinho o vazio. Não passa de um “conjunto de átomos” sem qualquer
importância num universo vasto e indiferente. Será de admirar que os idosos e
os “economicamente inúteis” são descartados nas nossas sociedades
progressistas?
Ao nível da sociedade, as filosofias cristã e
materialista propõem visões francamente diferentes do Estado ideal e das suas
relações com a pessoa. Sherwood Taylor nota que o cristão preocupa-se com uma
sociedade enquanto composta por indivíduos, enquanto o materialista vê a
sociedade como uma massa.
O cristão é chamado a amar o seu próximo como a si mesmo,
sendo o seu “próximo” qualquer pessoa que encontrar. Ele sabe que é responsável
diante de Deus pelos seus actos, sobretudo para com os pobres e oprimidos:
“Pois eu tinha fome, e deste-me de comer”. Mas o materialista contemporâneo, pelo
contrário, preocupa-se com conceitos abstratos e grupos de interesse. Assim se
explica o surgimento de “comunidades” e “identidades” particulares, que
requerem intervenção social e a intrusão do Estado em cada faceta da vida.
Os seres humanos tornam-se meros números com os quais a
burocracia do Estado pode interferir na sua busca pela utopia terrestre. De
acordo com este esquema, o indivíduo existe para benefício do Estado. O Estado
torna-se um novo Deus, com a política no lugar da religião. Os adversários
políticos são a encarnação do mal e ultraje falso substitui o discurso político
racional.
A análise de Sherwood Taylor é incrivelmente potente.
Claro que o impacto desta ou daquela filosofia de vida não nos dá toda a
certeza sobre a sua veracidade. Mas não deixa de comprovar muita coisa. Desde
os tempos de Sherwood Taylor assistimos a uma grande mudança moral no Ocidente.
A rejeição do código moral cristão não se traduziu numa população emancipada e
racional. Pelo contrário, resultou numa terrível e triste confusão tanto na
vida pública como privada. O que é que isto nos diz?
Christopher Akers é escritor
e vive na Escócia. Licenciado pela Universidade de Edimburgo, inicia este ano
outra licenciatura em Oxford em Literatura e Artes. É autor de artigos sobre
estética e o crescente poder do Estado Britânico na vida dos indivíduos.
(Publicado
pela primeira vez na quinta-feira, 3 de Maio de 2018 em The Catholic Thing)
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