John Farina |
Aninhados ao longo da costa encontram-se os grandes
mosteiros, aldeias de monges com muitas capelas, igrejas e residências,
suficientemente grandes para que cada monge tenha a sua cela e, nos edifícios
maiores, para albergar os milhares de peregrinos que todos os anos vêm em busca
de iluminação. No seu auge, os mosteiros maiores tinham até 500 monges e os
maiores, como o Grande Lavra e o Pantokratoros até criaram pequenas
dependências, chamadas sketes, um nome que deriva do local no Egipto
onde os Padres do Deserto deram início ao monasticismo no século III.
Eu cheguei ao Monte Athos com um grupo de académicos
ortodoxos da Grécia e da Roménia, com quem já tinha estado em Véria (a “Berea”
de São Paulo) numa conferência sobre São Gregório Palamas (1296-1356), um dos
mais famosos teólogos associados à forma de oração seguida pelos monges de
Athos. Palamas passou os seus anos de formação no mosteiro de Kallipetras, a
viver em grutas ao longo do Rio Haliacom, na Macedónia central, não muito longe
de Véria. Kallipetras nunca foi um mosteiro grande, mas Gregório foi o seu
abade durante muitos anos.
Hoje apenas três monges vivem lá, todos com menos de 40
anos. Um é médico, outro é técnico de informática e todos falam não do jeito de
Palamas enquanto administrador (mais tarde tornou-se bispo de Thessaloniki) mas
da sua vida de oração. Dois dias por semana ele deixava o mosteiro e ia para um
gruta na falésia. Reza a lenda que Gregório passava o fim-de-semana inteiro na
câmara mais profunda. Os monges desciam-lhe pão e água através de um pequeno
buraco. Mesmo ao meio-dia essa câmara é totalmente escura e silenciosa:
Privação sensorial total durante 48 horas seguidas.
A gruta de Palamas |
Essa luz não é apenas uma metáfora para a iluminação
espiritual, mas sim uma participação real na natureza divina. Deus partilha
connosco as suas energias por causa do seu amor extático, através do qual somos
transformados, assumindo uma natureza semelhante à de Cristo. Em Cristo, como
disse Atanásio, Deus é feito homem, para que nós nos tornemos Deus.
Contudo, este partilhar da natureza divina não é uma
forma de panteísmo, nem uma forma de autoexaltação em que reivindicamos, como
na tentação de Eva por Satanás, o estatuto de deuses. É uma partilha em comum,
a koinoneia, uma participação em conjunto no amor.
Deus mantém a sua transcendência. A sua essência não é
partilhada, permanecendo desconhecida e desconhecível. A divina escuridão
leva-nos para além do nosso conhecimento para uma iluminação, mas não é possível
eclipsar totalmente o desconhecimento. Deus é tanto essência como energia,
conhecido e desconhecido, presente e transcendente, acção e fundamento do ser.
Esta é a experiência dos santos. É por isso que são representados
com auréolas, luz tabórica, que viram e que emana através deles. Mas as suas
experiências não se reservam aos santos.
No Cristianismo ocidental não se pensa que as
experiências místicas sejam limitadas a santos especiais. Não se devem procurar
e não nos salvam. A pessoa comum ficaria confusa, por isso não devemos
concentrar-nos muito nelas. No Oriente, contudo, é diferente, especialmente
para aqueles que, como Palamas, insistem que a experiência da participação na
natureza divina, a teósis, está aberta a todos e deve ser procurada por
todos.
Hoje o hesicasmo é praticado na Rússia, na Roménia e na
Sérvia, mas em lado nenhum persiste com tanta força como na Montanha Sagrada.
Todos os monges de Athos se dedicam a ela.
Os mosteiros do Monte Athos surgiram durante o Império
Bizantino. Os monges vivem naquela península continuamente desde o ano 800. A
tradição diz que durante uma viagem, com São João Evangelista, Nossa Senhora
visitou Athos e declarou-o o paraíso santo, com o qual o seu filho estava
agradado.
Por respeito a ela, os monges decidiram há 1000 anos que
nenhuma mulher devia ser permitida na Montanha Sagrada. Ao longo dos anos um
conjunto de aventureiras, entre as quais a antiga Miss Europa Aliki Diplarakou,
entraram disfarçadas de homens. Diplarakou fê-lo na década de 30, mas só contou
a história vinte anos mais tarde.
Para lá chegar apanha-se o ferry que parte diariamente de
Ouranoupolis para o porto de Dafni, no Estado Autónomo. Desembarcamos e
passamos por filas de peregrinos para apanhar um autocarro para a capital,
Karyes. É um local minúsculo, com estradas de terra, uma mão cheia de cafés –
como as povoações da Guerra das Estrelas, mas sem os maus. Há um edifício
municipal, algumas igrejas e, claro, mosteiros. Depois apanhamos outro
autocarro que, como o primeiro, viaja lentamente sobre estradas de terra
impossivelmente íngremes. Atravessamos um posto fronteiriço, com um guarda
leigo, empregado pelo Estado Autónomo, que retira um adolescente da Ucrânia que
sem visto nem passaporte. Quando finalmente se abre o portão, entramos nas
terras do Mosteiro de Vatopedi.
Vatopedi |
Um desses objectivos era o restauro dos edifícios. O
arquitecto Phaido Hagianthonious chegou a Vatopedi em 1983, contratado pelo
governo grego. Casado, tinha de deixar a família para trás aos dias de semana
para restaurar os edifícios decrépitos que tinham mais de 600 anos. Os monges
mais velhos não percebiam porque é que ele estava a gastar tanto tempo a
preocupar-se com o carácter histórico das estruturas, eles só queriam que os
telhados deixassem de ter buracos, independentemente de serem reparados com
técnicas e materiais autênticos.
O orçamento era baixo e a equipa praticamente
inexistente. Um dia, no início do seu projecto, estava no segundo andar da
igreja central, a reparar um telhado, quando, ao abrir o tecto, caíram centenas
de manuscritos medievais que os monges lá tinham escondido dos muitos piratas e
invasores que, ao longo dos anos, pilharam Vatopedi e outros mosteiros, todos
localizados junto ao mar, isolados, com nada mais que as muralhas para os defender.
Para ele foi um momento marcante para a carreira.
Percebeu que não estaria apenas a tapar buracos mas a escavar um local
arqueológico importante e a restaurar tesouros sem preço. E a descoberta foi
acompanhada de uma feliz coincidência: a União Europeia começou a canalizar
dinheiro para preservações históricas. A UNESCO decretou Athos património
mundial e os jovens monges alinharam em tudo. Phaido reformou-se após 32 anos,
durante os quais foram investidos quase 40 milhões de euros para restaurar o campus.
Hoje até brilha.
O conjunto de igrejas, residências, refeitório e muros
situa-se por cima de uma falésia à beira-mar, rodeado de jardins, onde os
monges cultivam muita da comida que consomem. Do mar chega-lhes peixe, dos
campos legumes e fruta. Não comem carne. Cerca de metade do ano abstêm-se de
comer peixe e óleo. As sua refeições são simples, servidas em mesas de mármore
milenares, onde comem e bebem em silêncio enquanto um monge lê textos
espirituais de um ambão elevado. Bebem água e vinho. A comida pode ser simples
mas é nutritiva e não falta. Os índices de cancro e de doença cardíaca são
baixos e a maior parte vive até aos oitentas e muitos.
Vatopedi |
Os seus heróis não são estadistas, nem académicos na
universidade de Paris, ou líderes nos centros políticos de Roma ou de
Constantinopla, mas homens selvagens como Palamas, que viviam em grutas. A
Igreja no seu todo reverencia estes monges de uma forma que faz falta no
Ocidente.
John Farina foi investigador na Faith and Reason Institute e
foi editor-chefe da Paulist Press Classics of Western Spirituality, e da série
Sources of American Spirituality, para além das séries Crossroad Herder e
Herder Spiritual Legacy. Atualmente é professor associado de estudos religiosos
na George Mason University.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no sábado, 19 de Maio de 2018)
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