Howard Kainz |
É urgente que os cristãos leiam e compreendam o Alcorão,
para poderem compreender melhor uma religião que está constantemente nas
manchetes. Mas isso é pedir muito, porque o Alcorão é uma mistura de capítulos,
escritos em tempos diferentes, organizados por ordem de comprimento, do maior
ao mais curto, misturando assim os pensamentos primordiais de Maomé em Meca com
ditos muito diferentes posteriores à fuga para Medina.
No livro A
Simple Koran, Bill Warner ajuda-nos a ultrapassar essa confusão,
reorganizando o Alcorão por ordem cronológica, ao longo dos 23 anos em que
Maomé propagou a sua nova religião. Esta abordagem, composta quase inteiramente
por textos do Alcorão, com ocasionais subtítulos ou explicações, demonstra bem
como o Islão evoluiu durante a vida de Maomé e ilumina a divisão crucial entre
aquilo que Aayan Hirsi Ali descreve como “Muçulmanos de Meca” e
“Muçumanos de Medina”.
As primeiras passagens do Alcorão, de Meca, derivam da
sua conversão das múltiplas religiões politeístas que existiam em torno do
santuário da Kaaba, ao monoteísmo. Algumas fontes dizem que eram adoradas até
360 divindades em Meca. Mas Maomé pregava a sujeição ao único Deus, Allah.
Mas houve um percalço. Maomé parecia ter permitido que
três deusas fossem veneradas juntamente com Allah. De acordo com a biografia Twenty-Three Years,
escrita por ‘Ali Dashti, dois versículos na Sura 2:19-22 diziam originalmente:
“Pensastes em Lāt e em ‘Ozzā? E em Manāt, a terceira, a outra? Essas
são os grous em voo. Por isso pode-se esperar pela sua intercessão”
Esta passagem parecia reconhecer a divindade das três
deusas, juntamente com Allah. Mas Allah acabaria por repreender Maomé por estes
“versículos satânicos”, que foram corrigidos em versões posteriores do Alcorão.
A partir de então pregou-se apenas o monoteísmo rigoroso. (Salman Rushdie
esreveu um romance sobre esta passagem e continua em vigor uma fatwa do
Ayatollah Khomeini a exigir a sua morte).
As primeiras partes do Alcorão reescrevem o Antigo
Testamento, explicando que Abraão, Lot, Moisés, etc., eram na realidade todos
muçulmanos e que todos aqueles que rejeitam o Islão acabam no inferno. Aparecem
várias histórias imaginativas sobre Moisés, que normalmente têm pouco a ver com
a versão bíblica.
Tais revisões das histórias do Antigo Testamento eram
acompanhadas por constantes avisos sobre a tortura eterna no inferno reservada
aos Kafirs (não-muçulmanos) que não se convertam. Isto torna-se um tema
recorrente ao longo do Alcorão, que tem 290 versículos sobre o Inferno e mais
de 300 referências ao temor de Allah, a quem é devida Islam (submissão)
servil, como que a um senhor. Por exemplo: “Os Kafirs de entre os Povos do
Livro e os idólatras arderão eternamente nos fogos do Inferno. De todos os
seres criados, eles são os mais desprezíveis” (98:6)
Em contraste, aos que aceitam a mensagem de Maomé é
prometida uma recompensa celestial, em que se encontrarão sobre “poltronas
decoradas”, servidos por “jovens rapazes imortais” a trazer-lhes fruta, vinho e
“a carne de aves”, bem como as atenções amorosas de houris virginais.
O povo de Meca, duvidando das suas credenciais,
pediram-lhe sinais de que se tratava de um profeta verdadeiro. Maomé apontou
para uma litania de coisas como sinais – “a sucessão da noite e do dia”, “a
chuva enviada por Allah”, “relâmpagos”, “as mudanças dos ventos”, “folhas
verdes e cereais”, “a vossa sonolência noite e dia”, “a vossa busca pela
generosidade de Allah”, “os navios, como montanhas no mar”, etc.
Exasperado pelas exigências de sinais mais claros, Maomé
responde. “Os sinais estão somente no poder de Allah. Eu sou apenas o que traz
o aviso. Não chega para eles que te tenhamos revelado o Livro, para lhes ser
recitado? (28:48). Por outras palavras, o Alcorão é em si mesmo um milagre que
confirma Maomé como profeta.
Maomé não teve grande sucesso em Meca; acabou com apenas
150 convertidos. Mas tinha alguns seguidores em Medina e foi para lá que fugiu
quando a situação em Meca se tornou perigosa.
A Hegira (emigração) de Maomé e dos seus
discípulos para Medina aconteceu em 622. Medina era uma cidade meia judia e
meia árabe. Os judeus, a classe abastada, eram em larga medida artesãos e
agricultores. Tinham aliados entre os árabes, mas reinava uma atmosfera de
animosidade e de ciúme. Alguns árabes acreditavam que viria um profeta para os
guiar à vitória sobre os judeus. Rapidamente começaram a ver que Maomé poderia
ser esse homem. Fizeram-lhe um juramente de fidelidade e ofereceram-se para o
proteger com armas, caso fosse necessário. Em breve Maomé começou a agir como
um líder militar e a enviar combatentes em raides armados contra as caravanas
de comércio que chegavam a Meca. Ao longo de nove anos levaram a cabo sessenta
e cinco ataques (Maomé esteve presente pessoalmente em 27), bem como vários
assassinatos e execuções.
As ameaças de condenação eterna por rejeitar Maomé
começam nesta fase a tornar-se mais gráficas – Allah “destruirá os vossos
rostos e virará as vossas cabeças ao contrário” (4:47), dará aos descrentes
“fogo por vestuário”, “despejará água a ferver nas suas cabeças”, “escaldará as
entranhas e a pele” e batê-los-á com “varas de ferro” (22:19).
Já Maomé começou a gozar de privilégios especiais: Os
despojos de guerra (limitado a uma quinta parte do total), e mulheres e
escravas para além dos limites que se aplicavam a outros (a comitiva amorosa de
Maomé acabaria por incluir nove mulheres e várias escravas).
Irrompeu uma nova onda de violência quando os judeus de
Medina e até mesmo muitos árabes rejeitaram a reivindicação de Maomé de ser um
profeta enviado por Allah. A jihad islâmica tornou-se essencial para
espalhar o Islão na Arábia e noutras partes. Um quarto dos versículos de Medina
são exortações à jihad e promessas sobre as recompensas não só para a
comunidade muçulmana, mas para guerreiros individuais.
Nos seus anos finais Maomé começou a comportar-se como um
profeta-rei. Cada aspecto da vida estava sob o seu controlo – horas de oração, proibições
alimentares, o uso de véus, heranças, testamentos, punição por crimes,
distribuição de impostos, etc. – tudo obedecendo a sentenças de Allah.
Resumindo, uma leitura cronológica/biográfica do Alcorão revela
tremendas diferenças entre as partes anteriores e as posteriores. Não há apelos
à jihad no Alcorão de Meca, nem antissemitismo, apenas apelos pacíficos à
conversão. Mas em Medina temos a formação gradual de um verdadeiro exército,
inspirado a conquistar, literalmente, o mundo para o Islão.
O Islão enquanto “religião da paz” tem, por isso, alguns
fundamentos corânicos, mas a história islâmica e os eventos contemporâneos
deixam claro que a justificação corânica para a jihad violenta é talvez maior.
Howard Kainz é professor emérito de Filosofia na
Universidade de Marquette University. Os seus livros mais recentes incluem Natural Law: an Introduction and Reexamination (2004), The Philosophy
of Human Nature (2008),
e The Existence of God and the Faith-Instinct (2010)
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no sábado, 9 de Dezembro de 2017)
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