James V. Schall S.J. |
A direcção de uma grande universidade pediu recentemente
informação sobre o sucesso de uma nova iniciativa. Enviou-se um inquérito e
pediu-se aos inquiridos que expressassem, de diversas formas, os seus
“sentimentos” sobre o programa. Claro que sobre “sentimentos” não pode haver
controvérsia ou desacordo. Se nos baseamos na categoria de “sentimentos” para
saber coisas, não pode haver discussão. Os “sentimentos”, enquanto tal, por
mais fugazes que sejam, são absolutos. Ou os temos ou não temos.
É isso que significa o ditado latino: “De gustibus non
est disputandum” – os gostos não se discutem. Num mundo de “sentimentos” não há
ponto intermédio. Não existe qualquer princípio comum, salvo: “Sim, eu
‘sinto-me’ assim”, ou “não, não me ‘sinto’ assim”. Suponhamos que alguém diz:
“Deixa-me convencer-te que a cerveja que dizes que sabe tão bem, na verdade não
é muito melhor que gelatina de limão aquecida”. A sua resposta permanece: “Ainda
assim, é a minha preferida”.
O verbo “sentir” tem, em vários casos, substituído o
verbo “pensar”. À primeira vista os dois podem parecer sinónimos. Mas olhando
mais de perto diferenciam-se de uma forma que indica uma mudança
civilizacional. A sociedade que “sente” não é a sociedade que “pensa”. Ambas as
palavras têm um sentido específico e pertencem juntos, numa certa ordem de
prioridade. Os nossos “sentimentos” estão, ou deviam estar, ao serviço do nosso
pensamento, mas na sua devida ordem são claramente reais.
“Sentir” é o verbo que usamos para indicar o estado e a
natureza das nossas paixões e desejos. Refere-se às mudanças da nossa alma que
estão ligadas ao nosso corpo. Assim, dizemos “Sinto-me doente.” “Estou zangado
com o Charlie.” Ou “Eu rio-me da Harriet.” Mas não chega comunicar a alguém a
sua doença, estado de espírito ou humor. Também precisamos de saber se esses
sentimentos são razoáveis ou não nas circunstâncias em que surgem. Talvez
sejam. Mas se forem, isso demonstra como nos “sentimos” mas também se os nossos
sentimentos são orientados pela nossa razão. Mais, implica que a razão em si é
medida por um padrão que não é subjectivo. O padrão não foi criado apenas a
partir dos nossos próprios interesses.
Aqui, Aristóteles continua a ser mestre. Temos
conhecimento sensorial. Nós “sentimos” dor. Tocamos em algo morno. Cheiramos o
odor terrível. Saboreamos o sal na salada. Ouvimos e compreendemos a mentira ou
a piada que o George nos contou. Sem os nossos poderes sensoriais, não
poderíamos conhecer estas coisas com as quais lidamos todos os dias. Porém, o
sentido do olfacto em si não sabe o que é o cheiro ou como se distingue do
paladar. Uma vez que as nossas mentes não são meras extensões dos nossos
poderes sensoriais, sabemos o que significam o olfacto, a audição, o tacto e o
paladar. Podemos manter todos estes aspectos em simultâneo.
Pessoa ou mero aglomerado de células? Depende dos "sentimentos"... |
Se forem elas a governar-nos, isso interessa? Acontece
que a nossa razão está orientada para um fim, para um bem que não é
simplesmente arbitrário. As nossas paixões, por outra palavras, são faculdades
que procuram orientação na razão. Logo, o bom ou o mau uso revela-se no fim que
a nossa inteligência nos leva a escolher e a seguir.
Logo, se as nossas mentes estiverem enviesadas o mais
provável é que as nossas paixões também estejam. Neste sentido, o caminho de
uma civilização da razão para uma civilização de “sentimentos” é bastante
compreensível. Uma civilização que dá primazia aos “sentimentos” sobre a
civilização da razão é uma em que a desordem se tornou hábito, personalizada e
legalizada.
Não se pode ser civilizado e não ter “sentimentos”. A
civilização significa optar livremente por sujeitar os nossos “sentimentos” à
razão. Mas significa também orientar todas as nossas paixões para um fim que
coloca tudo o resto em ordem. As paixões, quando se lhes é dada primazia, podem
tornar-se “razões” sofisticadas para substituir a razão. Mas quando se dá essa
troca é porque desviamos deliberadamente as nossas mentes do seu fim próprio.
James V. Schall, S.J., foi professor na Universidade de
Georgetown durante mais de 35 anos e é um dos autores católicos mais prolíficos
da América. O seus mais
recentes livros são The Mind That
Is Catholic, The Modern Age, Political
Philosophy and Revelation: A Catholic Reading, e Reasonable
Pleasures
(Publicado pela primeira vez na terça-feira, 17 de Dezembro
de 2017 em The
Catholic Thing)
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