Russell Shaw |
Será que a lua-de-mel do Papa com a comunicação social
está a chegar ao fim? Nem por isso. O que se está a passar é algo
superficialmente semelhante, mas substancialmente diferente e que, a longo
prazo, pode ser bem mais saudável, tanto para a imprensa como para o Papa, do
que o mero prolongamento do estado de graça.
À medida que o programa do Papa para a Igreja passa das
palavras à acção – o sínodo dos bispos em Outubro e a nomeação de um novo
arcebispo em Chicago são dois exemplos concretos – as críticas deixaram de vir
apenas das margens da direita católica e passaram a ser mais generalistas. E os
media, sem se virarem contra o Papa, estão a tomar nota do que se está a passar
e a começar a relatá-lo.
Nas palavras
de John Allen, do “Boston Globe”, “estamos a entrar na segunda fase do
pontificado de Francisco, em que um período de bons sentimentos começa a dar
espaço a uma era de crispação”.
O ponto de viragem nos media pode ter sido o artigo
de opinião pós-sinodal de Ross Douthat, no “New York Times”. Douthat, um
católico conservador, disse aquilo que outros já tinham dito – que o Papa corre
o risco de abrir fracturas na Igreja se for longe demais e rápido demais na
exigência das mudanças que defende – mas fê-lo de forma enfática, extensa e num
lugar de grande visibilidade: a página de opinião do “New York Times”.
Sublinhando que até ao sínodo o Papa tinha recebido
críticas apenas “da franja tradicionalista da Igreja”, Douthat realçou que o
Papa conseguirá a maior parte daquilo que procura sem pôr em causa a doutrina
estabelecida. “Mas se parecer que está a optar pelo caminho mais perigoso – se
começar a tirar de cena os seus potenciais críticos na hierarquia [tal como o
Cardeal Raymond Burke?], se parecer estar a encher as fileiras do próximo
sínodo com os apoiantes de grandes mudanças – então os católicos precisarão de
olhar cuidadosamente para a situação”. Douthat vai ao ponto de falar em
“cisma”.
Este abrir de olhos da imprensa continuou com a reunião
de 10 a 13 de Novembro dos bispos americanos em Baltimore. Uma forma de ler a
situação passa por discernir uma crescente tensão entre o Papa e os bispos, uma
variante de “Papa Bom/Bispos Maus” com que Rachel
Zoll, da “Associated Press”, nos brindou quando afirmou que Francisco
estava a “pressionar os bispos americanos a fazer um volte-face” ao abandonar
os temas fracturantes e abrir-se a consultar os leigos.
Mas o próprio Papa não hesita em falar claramente de
temas sociais como o aborto e o casamento homossexual, e rodeou-se de um
pequeno círculo clerical de conselheiros. Laurie Goodstein, do “New York Times”,
esteve mais próxima da verdade quando
escreveu que o sínodo de Outubro “voltou a despertar uma divisão na Igreja
entre conservadores e liberais que estava relativamente adormecido durante a
lua-de-mel de 20 meses... Agora o pontificado de Francisco entrou numa fase
mais delicada, com alguns bispos a questionar se existe uma visão sobre para
onde é que ele quer levar a Igreja e um plano para lá chegar”.
Então, Goodstein revelou uma citação impressionante de
uma entrevista com o recentemente reformado Cardeal Francis George, de Chicago:
“Ele [o Papa Francisco] diz coisas maravilhosas, mas nem sempre junta as peças,
por isso ficamos sem saber bem qual é a sua intenção. O que ele diz é
suficientemente claro, mas o que é que pretende que nós façamos?”
Esta parece ser a direcção a adoptar pela cobertura
jornalística no futuro imediato. Mas ainda existe bajulação, sobretudo nos
círculos católicos liberais, onde Francisco continua a ser visto como a melhor
esperança para as suas causas. Daí que um editorial na edição de 25 de Outubro
do “The Tablet”, de Londres, tenha elogiado o seu discurso final ao sínodo como
“uma exposição soberba do ensinamento católicos sobre o casamento e a vida
familiar”.
Papa Francisco com jornalistas |
O que não deixa de ser estranho, tendo em conta que o
texto não diz praticamente nada sobre o casamento e a vida familiar. Em vez
disso, Francisco coloca em contraste os extremos inaceitáveis (“inflexibilidade
hostil” vs. “uma tendência destrutiva para a caridadezinha”), dando a entender
que o orador é um homem de moderação, com quem os ouvintes razoáveis devem
concordar.
Mas deixando de parte os liberais, esta bajulação poderá
ser difícil de sustentar durante muito mais tempo. O sínodo deixou demasiadas
questões em aberto. Contudo, esta mudança de rumo da cobertura e do comentário
não é de todo uma coisa má, nem para os media nem para o Papa. Aqui temos muito
a aprender com o exemplo de Barack Obama e a imprensa.
Em 2008 muitos jornalistas ficaram caidinhos por Obama e
a lua-de-mel durou até ao fim do seu primeiro mandato. Mas isso já mudou. Terrenos
anteriormente amistosos, como a página de opinião do Washington Post, tornaram-se
um campo minado onde jornalistas previamente bajulantes lançam ataques
cerrados, acusando o presidente de ser mais um espectador do que um
participante na sua própria presidência.
Não é natural que se chegue a esse ponto com o Papa
Francisco. O respeito pelo papado garante que as questões e a crítica do
catolicismo generalista serão mais moderadas e a cobertura mediática, se for
responsável, reflectirá isso.
Mas as vantagens para os media de uma abordagem menos
embeiçada a Francisco são evidentes. A cobertura factual e uma análise com base
nos factos são o ar que os jornalistas respiram. A isenção é tudo. Um
jornalista não serve para fazer claque. Nem sequer por um Papa.
Também existem vantagens para Francisco: Os media como
confronto com a realidade. Debaixo das críticas dos jornalistas, Barack Obama
refugiou-se numa espécie de ressentimento aéreo, o que não lhe tem servido de
nada. Se o Papa for esperto usará a cobertura mediática do seu trabalho para se
manter no rumo certo.
Goodstein, do New York Times, publicou outra citação
curiosa do Cardeal George, que está a receber tratamento oncológico: “Gostava
de me sentar com ele e dizer: Santo Padre, em primeiro lugar, obrigado por me
deixar reformar-me. Agora, posso fazer algumas perguntas sobre as suas
intenções?”
Não é natural que o cardeal George ainda o consiga fazer
e a maior parte de nós certamente não o fará. Mas, se tivermos sorte, os media
farão esse trabalho por nós. De
certa forma, já começaram.
Russell
Shaw é o autor de “Papal Primacy in
the Third Millenium” (2000). O seu mais recente livro é “American Church:
The Remarkable Rise, Meteoric Fall and Uncertain Future of Catholicism in
America” (2013).
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na sexta-feira, 18 de Novembro de 2014)
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