Wednesday, 19 November 2014

O Papa e a Comunicação Social

Russell Shaw
Será que a lua-de-mel do Papa com a comunicação social está a chegar ao fim? Nem por isso. O que se está a passar é algo superficialmente semelhante, mas substancialmente diferente e que, a longo prazo, pode ser bem mais saudável, tanto para a imprensa como para o Papa, do que o mero prolongamento do estado de graça.

À medida que o programa do Papa para a Igreja passa das palavras à acção – o sínodo dos bispos em Outubro e a nomeação de um novo arcebispo em Chicago são dois exemplos concretos – as críticas deixaram de vir apenas das margens da direita católica e passaram a ser mais generalistas. E os media, sem se virarem contra o Papa, estão a tomar nota do que se está a passar e a começar a relatá-lo.

Nas palavras de John Allen, do “Boston Globe”, “estamos a entrar na segunda fase do pontificado de Francisco, em que um período de bons sentimentos começa a dar espaço a uma era de crispação”.

O ponto de viragem nos media pode ter sido o artigo de opinião pós-sinodal de Ross Douthat, no “New York Times”. Douthat, um católico conservador, disse aquilo que outros já tinham dito – que o Papa corre o risco de abrir fracturas na Igreja se for longe demais e rápido demais na exigência das mudanças que defende – mas fê-lo de forma enfática, extensa e num lugar de grande visibilidade: a página de opinião do “New York Times”.

Sublinhando que até ao sínodo o Papa tinha recebido críticas apenas “da franja tradicionalista da Igreja”, Douthat realçou que o Papa conseguirá a maior parte daquilo que procura sem pôr em causa a doutrina estabelecida. “Mas se parecer que está a optar pelo caminho mais perigoso – se começar a tirar de cena os seus potenciais críticos na hierarquia [tal como o Cardeal Raymond Burke?], se parecer estar a encher as fileiras do próximo sínodo com os apoiantes de grandes mudanças – então os católicos precisarão de olhar cuidadosamente para a situação”. Douthat vai ao ponto de falar em “cisma”.

Este abrir de olhos da imprensa continuou com a reunião de 10 a 13 de Novembro dos bispos americanos em Baltimore. Uma forma de ler a situação passa por discernir uma crescente tensão entre o Papa e os bispos, uma variante de “Papa Bom/Bispos Maus” com que Rachel Zoll, da “Associated Press”, nos brindou quando afirmou que Francisco estava a “pressionar os bispos americanos a fazer um volte-face” ao abandonar os temas fracturantes e abrir-se a consultar os leigos.

Mas o próprio Papa não hesita em falar claramente de temas sociais como o aborto e o casamento homossexual, e rodeou-se de um pequeno círculo clerical de conselheiros. Laurie Goodstein, do “New York Times”, esteve mais próxima da verdade quando escreveu que o sínodo de Outubro “voltou a despertar uma divisão na Igreja entre conservadores e liberais que estava relativamente adormecido durante a lua-de-mel de 20 meses... Agora o pontificado de Francisco entrou numa fase mais delicada, com alguns bispos a questionar se existe uma visão sobre para onde é que ele quer levar a Igreja e um plano para lá chegar”.

Então, Goodstein revelou uma citação impressionante de uma entrevista com o recentemente reformado Cardeal Francis George, de Chicago: “Ele [o Papa Francisco] diz coisas maravilhosas, mas nem sempre junta as peças, por isso ficamos sem saber bem qual é a sua intenção. O que ele diz é suficientemente claro, mas o que é que pretende que nós façamos?”

Esta parece ser a direcção a adoptar pela cobertura jornalística no futuro imediato. Mas ainda existe bajulação, sobretudo nos círculos católicos liberais, onde Francisco continua a ser visto como a melhor esperança para as suas causas. Daí que um editorial na edição de 25 de Outubro do “The Tablet”, de Londres, tenha elogiado o seu discurso final ao sínodo como “uma exposição soberba do ensinamento católicos sobre o casamento e a vida familiar”.

Papa Francisco com jornalistas

O que não deixa de ser estranho, tendo em conta que o texto não diz praticamente nada sobre o casamento e a vida familiar. Em vez disso, Francisco coloca em contraste os extremos inaceitáveis (“inflexibilidade hostil” vs. “uma tendência destrutiva para a caridadezinha”), dando a entender que o orador é um homem de moderação, com quem os ouvintes razoáveis devem concordar.

Mas deixando de parte os liberais, esta bajulação poderá ser difícil de sustentar durante muito mais tempo. O sínodo deixou demasiadas questões em aberto. Contudo, esta mudança de rumo da cobertura e do comentário não é de todo uma coisa má, nem para os media nem para o Papa. Aqui temos muito a aprender com o exemplo de Barack Obama e a imprensa.

Em 2008 muitos jornalistas ficaram caidinhos por Obama e a lua-de-mel durou até ao fim do seu primeiro mandato. Mas isso já mudou. Terrenos anteriormente amistosos, como a página de opinião do Washington Post, tornaram-se um campo minado onde jornalistas previamente bajulantes lançam ataques cerrados, acusando o presidente de ser mais um espectador do que um participante na sua própria presidência.

Não é natural que se chegue a esse ponto com o Papa Francisco. O respeito pelo papado garante que as questões e a crítica do catolicismo generalista serão mais moderadas e a cobertura mediática, se for responsável, reflectirá isso.

Mas as vantagens para os media de uma abordagem menos embeiçada a Francisco são evidentes. A cobertura factual e uma análise com base nos factos são o ar que os jornalistas respiram. A isenção é tudo. Um jornalista não serve para fazer claque. Nem sequer por um Papa.

Também existem vantagens para Francisco: Os media como confronto com a realidade. Debaixo das críticas dos jornalistas, Barack Obama refugiou-se numa espécie de ressentimento aéreo, o que não lhe tem servido de nada. Se o Papa for esperto usará a cobertura mediática do seu trabalho para se manter no rumo certo.

Goodstein, do New York Times, publicou outra citação curiosa do Cardeal George, que está a receber tratamento oncológico: “Gostava de me sentar com ele e dizer: Santo Padre, em primeiro lugar, obrigado por me deixar reformar-me. Agora, posso fazer algumas perguntas sobre as suas intenções?”

Não é natural que o cardeal George ainda o consiga fazer e a maior parte de nós certamente não o fará. Mas, se tivermos sorte, os media farão esse trabalho por nós. De certa forma, já começaram.



(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na sexta-feira, 18 de Novembro de 2014)

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