Wednesday 30 October 2013

Homo Faber

Brad Miner
O William E. Carroll escreveu recentemente numa destas colunas que uma das “marcas do pontificado do Papa Francisco tem sido a chamada de atenção para a pobreza no mundo”.

Penso que o Papa o está a fazer por duas razões: Os pobres, que sempre teremos connosco, precisam da nossa ajuda – nalguns casos, de forma urgente. Esta ajuda está no âmago da nossa própria salvação, como o Papa deixa bem claro na história dos bodes e das ovelhas: em qualquer pessoa a quem damos comida, abrigo ou amor, servimos Jesus. E ao rejeitar os necessitados, rejeitamos o Senhor.

Mas, como digo, há ainda outra razão.

Quando São Francisco rezava nas ruínas da Igreja de São Damião, Cristo disse-lhe: “Francesco, va ripara la mia chiesa”. Francisco, vai reparar a minha Igreja. O Papa Francisco ouviu um apelo semelhante e está a abandonar muita da pompa tradicional dos papas: Vivendo na casa de Santa Marta e escolhendo um Renault com 30 anos para passear pelo Vaticano, levando os especialistas a brincar, dizendo: “Eis um homem que acredita no poder da oração”.

Diz-se que o Papa tem inspeccionado os parques de estacionamento do Vaticano, à procura de carros de luxo pertencentes a clérigos e apelando aos padres para que usem modelos mais básicos, de preferência em segunda mão.

Só estive uma vez no Vaticano, e foi das experiências mais fascinantes da minha vida. Mas existe muita opulência. Vêem-se cardeais a ir e a vir e a expressão “príncipes da Igreja” parece apropriada. Consigo entender porque é que algumas pessoas considerariam a beleza e o cerimonial extravagantes do Vaticano contraditórios com a “opção preferencial pelos pobres”.

Jesus não tinha posses. Nunca procurou riqueza. Na verdade, Ele viveu a vida mais simples, menos materialista que possamos imaginar, e alertou-nos para não “acumular tesouros na Terra”.

Não era esta a vida seguida por São Francisco e reconhecida pelo Papa Innocêncio III como essencial para reacender a verdadeira espiritualidade cristã?

Tudo isto deve recordar-nos, como diz o Prof. Carroll, do que “devia ser uma atitude saudável e espiritual para com as posses materiais”. Ainda assim, os esforços do Papa para chamar atenção para os pobres não devem reduzir-se a mera “acção social”, como se a busca do bem-estar dos outros possa preencher os requisitos da missão cristã sem um fundamento na fé propriamente dita.

Penso que há ainda outra questão a sublinhar.

O Prof. Carroll diz que a Igreja “sempre ensinou que o mundo material é bom” e é importante irmos ao fundo das implicações deste ensinamento que, no meu entender, é este: A criatividade, o esforço e a produção não devem ser restringidos pelas concepções materialistas ou anti-materialistas do Cristianismo. Homo faber, o homem criador, é feito à imagem de Deus, ao contrário de qualquer outra das criaturas. As pessoas devem trabalhar para viver e algumas pessoas elevarão o trabalho a um tipo de sacramento.

Há algum tempo escrevi um conto sobre arqueologistas a trabalhar na Galileia que encontravam a casa e a carpintaria de José, Maria e Jesus. Lá, encontram uma simples cadeira de oliveira, enterrada há dois mil anos e preservada miraculosamente. Submetem-na a testes sofisticados e concluem que a cadeira é proporcionalmente “perfeita”. Um analista israelita afirma: “Penso que só Deus poderia ter feito esta cadeira”.
A obra prima de Cecilia Giménez
Jesus deve ter feito muitos objectos. Por ventura imaginamos que algum desses objectos tenha sido devolvido por clientes insatisfeitos? “Esta cadeira é desconfortável”, ou “a nossa mesa abana”. Imaginamos que ele não tenha sido pago pelo trabalho?

Sem qualquer desrespeito pelos trabalhadores franceses que fizeram o Renault de que o Papa gosta, mas tanto quanto sei de carros, os feitos pela Mercedes, a marca admirada por Bento XVI, são melhores. (Actualmente existem uns quantos modelos de Mercedes nas garagens do Vaticano).

Júlio II podia ter escolhido de entre centenas de artistas, e qualquer um teria feito um trabalho aceitável no tecto da capela Sistina, mas ele insistiu em contratar o Michelangelo. O fresco “Ecce Homo” (1930) em Zaragoza, pintado pelo artista Garcia Martínez, pode não ser equivalente ao trabalho de Michelangelo, mas o trabalho de “restauro” pela “artista” octogenária Cecilia Giménez por sua própria iniciativa, não deixa de ser uma profanação.

Esta é a realidade da criatividade humana: transcendente, grande, boa, aceitável, má, péssima. Qualquer sugestão, mesmo deixando de lado os extremos, de que o grande e o mau devem ser valorizados de igual forma não faz qualquer sentido. O trabalho de um grande artista vale mais do que a de um mau, e é assim que deve ser. Ninguém quer sentar-se em cadeiras desconfortáveis ou mesas que abanam. A beleza, a funcionalidade e a durabilidade têm um preço.

É verdade que a boa arte não cessou de existir até na União Soviética – o “realismo socialista” também exigia técnica – apesar de os artistas serem restringidos quanto a matéria e estilo. Mas em todo o espaço abrangido pelo Pacto de Varsóvia a inovação industrial e comercial, que é tanto uma expressão de criatividade como as belas artes, foi basicamente depreciado. Luigi Barzini visitou uma fábrica de tractores num dos países do bloco soviético, onde um dos comissários da indústria lhe mostrou, orgulhoso, filas de produto acabado. Barzini, que tinha visitado fábricas americanas, reconheceu o que a empresa era de verdade: um museu de tractores.

Frequentemente, por detrás destes apelos à “justiça económica” existe um erro de fundo: a ilusão da igualdade, frequentemente acompanhados da supressão da criatividade. Claro que todos somos iguais à luz do amor de Deus e dos direitos que dele emanam. Mas um Renault não é um Merceds, tal como o trabalho da Cecilia Giménez não é comparável com a do Michelangelo.

Não pretendo julgar o seu pontificado, mas diria que o facto de o Papa ter escolhido um Renault tem um lado positive e outro negativo. Enquanto um mero apelo à simplicidade, traz uma lição importante, desde que não o confundamos com um incentivo a pensar que aquilo que é materialmente pior é espiritualmente superior.


(Publicado pela primeira vez na Segunda-feira, 21 de Outubro 2013 em The Catholic Thing)

Brad Miner é editor chefe de The Catholic Thing, investigador senior da Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do National Review.

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